Título: Para funcionários da Reichert, deixar cidade é alternativa
Autor: Totti, Paulo
Fonte: Valor Econômico, 30/05/2007, Especial, p. A18

Ainda abalados pela notícia, confirmada nesta semana, do encerramento das atividades da empresa a partir de julho ou agosto, quando serão concluídas as entregas dos últimos pedidos em carteira, os funcionários da Reichert Calçados, na cidade gaúcha de Campo Bom, tentam reorganizar a vida e fazer planos para o futuro. A tarefa não é fácil e o desânimo, evidente, já que a crise enfrentada pelos exportadores com a valorização do real nos dois últimos anos diminui a cada dia as oportunidades de trabalho na cidade.

"O mercado está ruim e Campo Bom também está ruim", diz uma funcionária que está há seis anos na Reichert e cogita deixar para trás a cidade natal em busca de alternativas. Rafael Santos, casado, 24 anos de idade e quatro de empresa, agora no setor de controle de custos, não pretende se mudar, porque a mulher dele também trabalha numa indústria calçadista local, mas já sabe que terá que trocar de ramo. "Estou pensando em trabalhar como instrutor de auto-escola", conta.

A direção da Reichert, maior exportadora de calçados do país, destina a totalidade da produção de calçados femininos para o mercado externo, onde são vendidos com a marca dos importadores. A empresa decidiu não se manifestar a respeito do assunto, apesar dos repetidos pedidos de entrevista. No ano passado, o faturamento cresceu 15,6% sobre 2006, para US$ 85,1 milhões, mas os relatos dos funcionários indicam que os sintomas da crise começaram a se manifestar já há alguns meses.

A quantidade de modelos que entram na linha de produção vem diminuindo gradativamente há um mês, ao mesmo tempo em que os estoques de matérias-primas passaram a ser consumidos sem a reposição adequada. Em março, um prêmio de produtividade semestral aos funcionários das linhas de produção foi extinto e pelo menos 200 pessoas foram demitidas em Campo Bom, pelos cálculos do diretor do sindicato local dos trabalhadores no setor, Juarez Flor.

Os chefes de alguns departamentos chegaram a comunicar verbalmente os subordinados sobre a decisão da empresa na semana passada, logo depois que o dólar caiu abaixo dos R$ 2. "A empresa estava empatando os custos ou até colocando dinheiro para exportar", explica Santos. De acordo com ele, o custo de produção dos sapatos mais produzidos, os de salto baixo, variam de US$ 20 a US$ 30 o par com a valorização do real e a Reichert não conseguia mais obter qualquer margem de lucro na comercialização.

Apesar dos sinais de que as coisas iam mal, os trabalhadores das linhas de produção não haviam sido comunicados formalmente até ontem sobre o fechamento da empresa e colegas de outras unidades vêm telefonando atrás de notícias, relata uma funcionária.

A Reichert tem 20 unidades em 12 cidades gaúchas e emprega 4 mil pessoas. A maior parte dos salários oscila na faixa de R$ 420 a R$ 550 na produção, vai a R$ 750 na modelagem (preparação dos produtos) e a pouco mais de R$ 1 mil nas áreas administrativas. Cerca de 400 funcionários trabalham na fábrica de formas e no curtume da empresa em Campo Bom, que, segundo Flor, podem continuar em operação, porque prestam serviços para outras indústrias do setor calçadista.

Campo Bom reúne, no total, mais de 160 fabricantes de calçados, acessórios e insumos, que empregam, hoje, 8,5 mil dos 52 mil habitantes locais, ante cerca de 11,5 mil funcionários no fim de 2004, conforme o sindicato dos trabalhadores. A maior parte das empresas é de pequeno porte, mas a própria Reichert e a Schmidt Irmãos, por exemplo, ainda têm quase 900 trabalhadores cada uma na cidade.

Só no ano passado, o número de rescisões contratuais homologadas pelo sindicato local chegou a 2.837. Agora, de janeiro a maio, o volume já alcançou 1.570, enquanto no mesmo período de 2006 foram 1.370 dispensas de trabalhadores com mais de um ano de casa, relata o diretor do sindicato.

Uma das funcionárias que perderam a vaga recentemente, em março, dois meses depois de completar 14 anos na Reichert, foi Jaqueline Ferreira dos Santos. Hoje com 38 anos de idade, ela vive do seguro-desemprego e da montagem artesanal de sacolas de papel e plástico enquanto busca uma nova oportunidade de trabalho. "Meu primeiro emprego foi na Reichert, foi lá que eu aprendi tudo o que eu sei sobre calçados."

Jaqueline não pensa em deixar Campo Bom, onde mora com os pais e a irmã Jandira, de 36 anos, também ex-funcionária da empresa, onde trabalhou durante 21 anos até 2006. "Saí porque fiquei dois anos afastada por motivo de saúde e não consegui retornar ao trabalho normalmente", explica Jandira, que ajuda a irmã na montagem das sacolas.