Título: LFTs devem sofrer "morte lenta"
Autor: Vieira, Catherine e Torres, Fernando
Fonte: Valor Econômico, 30/05/2007, Finanças, p. C1

Apesar de a parcela da dívida pública indexada à taxa básica de juro, a Selic, estar caindo de forma consistente, chegando a ficar menor que a parcela prefixada em março, a redução mais agressiva desse indexador não deverá ser tarefa tão fácil quanto foi a diminuição do montante de títulos atrelados ao câmbio. Uma projeção feita pelo professor Rogério Sobreira, da Fundação Getúlio Vargas (FGV), aponta que, num cenário extremamente otimista, a parcela de Letras Financeiras do Tesouro (LFTs) no total da dívida poderia chegar a cerca de 4,5% em março de 2010.

"Esse cenário, porém, pode não ser o mais provável, pois assume a hipótese que o Tesouro teria a postura mais agressiva que adotou em março, quando houve resgate líquido e cerca de 83% do estoque de LFTs que venciam foram abatidas", aponta Sobreira.

Outra projeção, elaborada pela superintendência técnica da Andima, aponta que, se o governo não rolasse nada do estoque que existe hoje - ou seja, um cenário também bastante otimista - o percentual de LFTs cairia para cerca de 4% do total da dívida em 2011.

"A LFT é um título que pode ter feito sentido na época da inflação, mas na estabilidade que temos hoje não se justifica mais", diz Sobreira, da FGV. "Num ambiente de normalidade, quem deve carregar o risco da taxa de juro é o comprador e não o emissor, sem falar do efeito sobre a política monetária, pois qualquer elevação do juro eleva o custo da dívida por conta da composição pós-fixada", completa ele.

Segundo cálculos de Sobreira, há um volume de cerca de R$ 333 bilhões em LFTs vencendo até o primeiro trimestre de 2010, e apenas se o Tesouro mantivesse a postura de fazer resgates líquidos fortes é que se poderia chegar ao percentual projetado. De acordo com o coordenador-geral da dívida pública da Secretaria do Tesouro, Guilherme Pedras, ela tem como objetivo de longo prazo reduzir a participação da LFT. "O modelo de risco mostra que há espaço para isso, mas não existe um alvo ou número específico como meta", ponderou.

Em março, a parcela indexada à Selic ficou pela primeira vez inferior à prefixada. Em abril, pelo relatório da dívida emitido pelo Tesouro, já se nota uma postura mais branda, tanto que a parcela indexada à Selic voltou a ficar ligeiramente superior à prefixada. Recentemente, porém, o secretário-adjunto do Tesouro, Paulo Valle, já havia previsto esse movimento de alta da parcela atrelada à Selic por conta do volume alto de vencimentos, mas acreditava que, no resto do ano, o movimento de redução continuaria consistente, conforme disse na época.

O Plano Anual de Financiamento (PAF) prevê que ao fim de 2007 a parcela indexada à Selic fique num intervalo entre 29% e 36% do total da dívida pública mobiliária federal. O percentual em abril estava em 37%. Em entrevista recente, Paulo Valle também afirmou que estão contribuindo para o processo de melhora do perfil da dívida pública tanto a participação maior dos estrangeiros no mercado local quanto a mudança de atitude dos fundos de pensão fechados e abertos. "Os fundos de pensão estão trocando as LFTs por LTNs e por NTN-Bs", disse.

A cultura de investimento em juro pós-fixado e de utilização do Certificado de Depósito Interfinanceiro (CDI) como parâmetro de comparação são dois desafios a serem vencidos. Os fundos DIs e de curto prazo, juntos, ainda representam cerca de 20% do patrimônio líquido da indústria de fundos, o que significa quase R$ 200 bilhões. Nesses fundos, as LFTs são o principal lastro, mas em outros de renda fixa e multimercados, os papéis pós-fixados, não raro, compõe parte relevante da carteira.

Segundo Marcelo Giufrida, executivo do BNP Paribas e vice-presidente da Associação Nacional dos Bancos de Investimento (Anbid), é preciso começar a debater o assunto. "Se os fundos que aplicam em papéis pós-fixados ainda são grandes é porque existe demanda do cotista por esses produtos", diz ele. Porém, para Giufrida, o apetite do investidor deve diminuir com a contínua redução do juro, tanto nominal quanto real.

"Uma questão que precisa ser colocada como item prioritário da agenda é a do uso do CDI como parâmetro. Com a dívida cambial foi mais fácil, o volume era menor e logo se deixou de expressar a rentabilidade de um fundo em dólar", diz Giufrida, lembrando que a parcela cambial praticamente desapareceu em relação ao total da dívida em pouco mais de três anos. "Já com o juro o processo pode demorar um pouco mais, cerca de 90% tanto dos CDBs quanto das debêntures ainda são indexados ao CDI, um índice muito alto", pondera.

A expectativa dos participantes do mercado é a de que, com a queda do ganho oferecido pelos pós-fixados, decorrente da queda da taxa Selic, a demanda naturalmente vá minguando e outros referenciais de comparação comecem a ser adotados. A superintendente técnica da Andima, Valéria Arêas, afirma que vários fundos de pensão já usam o IMA (Índice de Mercado Andima, que representa uma carteira teórica com a composição da dívida em mercado) como referência. "Vai acabar tendo de ocorrer uma mudança gradual de cultura e aos poucos inclusive os fundos e investidores de varejo passarão a adotar outro parâmetro", diz.

Valéria lembra que a redução das LFTs não depende apenas do governo, mas de demandas de mercado e do cenário econômico. Segundo Valéria, o estoque de títulos pós-fixados vem caindo cerca de 10%, em média. "Os estrangeiros, que têm outra visão, estão se interessando pelos títulos brasileiros mais longos, assim como os investidores institucionais", diz ela.

Nos últimos 12 meses, o IMA-S, que acompanha as LFTs, rendeu 14,25%. No mesmo período, o IRF-M (que engloba as LTN e NTN-Fs) rendeu 17,29%, o IMA-B (que inclui as NTN-Bs) avançou 18,99% e o IMA-C (das NTN-Cs) subiu 17,57%. Ou seja, as LFTs tiveram o pior desempenho em termos de rentabilidade. Isso ocorre porque os papéis prefixados rendem mais para o investidor quando a tendência é de queda da Selic, como ocorre agora.