Título: Bittar apóia fusão entre a Oi e a BrT
Autor: Magalhães, Heloisa
Fonte: Valor Econômico, 30/05/2007, Empresas, p. B3

O deputado Jorge Bittar (PT-RJ), engenheiro eletrônico com trajetória profissional na área de telecomunicações, defende a fusão da Oi (ex-Telemar) com a Brasil Telecom. Para ele, essa é a "última chance" do país ter uma empresa de capital nacional no setor com musculatura para enfrentar a concorrência dos gigantes Telmex/América Móvel e Telefónica. O desejo do petista está sendo discutido no Planalto, onde, segundo Bittar, encontra "simpatia".

No quarto mandato na Câmara Federal, ele é relator na Comissão de Ciência e Tecnologia da Câmara das propostas para uma nova legislação para o setor de telecomunicações e comunicações. As duas áreas enfrentam hoje uma relação conflituosa que, para ele, é causada exatamente por falta de clareza nas regras. Bittar prevê votação da nova estrutura já em agosto e diz que a idéia não é criar uma nova lei ampla para cada área e sim a alteração dispositivos por meio de um novo marco legal. Leia abaixo os trechos principais da entrevista:

Valor: O senhor defende a fusão entre Brasil Telecom e Telemar?

Jorge Bittar: Sem sombra de dúvida. Sou defensor por várias razões. Primeiro, porque ocorre em escala mundial um movimento de consolidação. Exemplo mais típico é o que aconteceu nos Estados Unidos. Depois de ter sido fragmentado nos anos 90, em que criaram sete "baby bells" pela divisão da AT&T, hoje há apenas três grandes operadoras. A mais recente consolidação ocorreu há pouco mais de um mês, com a compra da Bell South pela AT&T, que passa a ser uma grande protagonista no mercado americano de telecomunicações. Segundo, porque nas Américas há um processo de consolidação já histórico que resulta na existência de praticamente um monopólio no México com a Telmex e duopólio na imensa maioria dos países da América Latina. Apenas no Brasil o ambiente ainda está razoavelmente pulverizado com uma participação expressiva dos mexicanos e dos espanhóis. Os mexicanos têm a Embratel, a Claro e participação na Net. Os espanhóis têm participação expressiva na Vivo e a Telefónica, em São Paulo, que aliás é a operadora mais rentável de todas. E agora a operação de DTH é expressiva no mercado corporativo, e assim por diante. Então, a situação do Brasil é de que caso que não surja uma operadora do porte dessas duas, as empresas existentes inevitavelmente acabarão sendo adquiridas por um ou outro desses grupos.

Valor: Como essa operação faria com que fosse mantido tratamento isonômico?

Bittar: Em todos os países, há, às vezes de maneira ostensiva de outras um tanto velada, a defesa dos capitais nacionais. Defendem operadoras que operem internamente mas com capacidade, massa de capital, para permitir uma competição em escala internacional. Quando a Telmex e a AT&T tentaram adquirir o controle da Telecom Italia, houve na Itália e na União Européia um movimento em defesa dos capitais europeus, o que acabou resultando na venda da Telecom Itália para a Telefônica associada a grupos italianos. Isso mostra que no mundo dito globalizado não é incorreto que os países formem suas grandes empresas. Aliás, é muito correto. Você só consegue se inserir de maneira autônoma no mundo globalizado se tiver grandes corporações. Essa é a última oportunidade que o Brasil tem para constituir uma grande operadora de capitais brasileiros, para competir internamente e se lançar no mercado internacional, no latino-americano.

Valor: Como seria o processo de fusão?

Bittar: Depois de ter analisado, discutido com muitas pessoas, entendo que para permitir a fusão das duas basta o governo federal alterar o Plano Geral de Outorgas no dispositivo que impede o mesmo grupo de controlar duas concessionárias. Esse dispositivo é um decreto. Isso vale para todos, não há proteção para esse ou aquele grupo, mas o sentido é de política nacional. O governo vai olhar para a competição, defesa da economia nacional etc. e tomará uma decisão que não atingirá os outros dois grupos que já tem espaço muito expressivo no mercado interno.

Valor: Mas como impedir após a fusão que a Telefónica ou a Telmex façam uma oferta por essa grande empresa que nasceria da fusão?

Bittar: Acho que não há como se impedir isso por lei. Já foi o tempo daquele nacionalismo dos anos 50, 60 que se fechava fronteiras. Mas há políticas inteligentes de defesa dos capitais nacionais que poderão garantir que essas empresas continuem sendo nacionais. Precisa ter porte, boa gestão, compromisso de investimento. É isso que o governo evidentemente exigirá quando da apreciação da proposta de alteração do PGO. As empresas vão ter que dar garantias que vão continua com capital nacional. Como ocorreu nos EUA, é possível que com a fusão haja ganhos de escala e de escopo, essa empresa venha repartir o benefício com a sociedade e reduza as tarifas. Poderia beneficiar levando banda larga para boa parte das escolas públicas. São ofertas que o governo pode colocar na mesa para concordar com a criação de uma grande empresa que tenha capacidade de competir. No caso da Brasil Telecom há estrangeiros no controle, o Citi e a Telecom Italia... Não há problema de haver participação minoritária estrangeira Há duas possibilidades: o Citi continuar e os capitais nacionais adquiriam a participação do Citigroup ou da Telecom Italia.

Valor: A proposta da fusão das duas teles foi levada ao presidente?

Bittar: Eu tenho conversado com muita gente. Há uma simpatia generalizada e o governo não desconhece, até porque esse assunto tem sido tratado publicamente. O governo só irá se movimentar nessa direção quando esse movimento, se vier acontecer, estiver verdadeiramente consolidado. Cabe às empresas entrarem em entendimento e se dirigirem ao governo com uma proposta de alteração do PGO. A partir daí o governo irá analisar mais profundamente, colocar suas exigências e aí tomará decisão final. Tendo a achar que se coisa percorrer esse caminho, com um acordo entre as duas operadoras e uma conversa com o governo, a posição oficial tende a ser favorável. Essa é a minha opinião. O presidente está sensível a esses temas, o próprio ministro das Comunicações [Hélio Costa] depois de ter se dedicado por longo tempo à TV digital agora voltou-se à essa área.

-------------------------------------------------------------------------------- No mundo dito globalizado não é incorreto que os países formem suas grandes empresas. Aliás, é muito correto" --------------------------------------------------------------------------------

Valor: A Brasil Telecom tem uma longa história de litígio. O senhor acha que os desencontros estão próximos de acordo?

Bittar: Acho que sim, com o afastamento de Daniel Dantas [dono do Opportunity que foi gestor e é sócio da empresa] da direção da Brasil Telecom, o ambiente ficou muito mais ameno e a relação entre os sócios controladores melhorou. Nas duas empresas, a participação do fundos de pensão [de estatais], indiretamente do governo, acaba sendo expressiva também. Acho que são empresa que rapidamente podem ir para o nível máximo de governança na bolsa de valores, o que vai gerar uma boa pactuação entre os diversos sócios.

Valor: O senhor acha que a operação que a Oi está montando, de oferta pública para comprar ações preferenciais, facilita o processo de fusão com a Brasil Telecom?

Bittar: Acho que sim, porque tende a consolidar mais o capital da empresa e criar condições melhores para no futuro fazer a pulverização como tentou no ano passado, sem sucesso. E a Brasil Telecom pode fazer o mesmo movimento. Duas empresas com capital pulverizado se tornam muito mais fáceis de serem objeto de fusão.

Valor: O senhor tem conversado com os sócios dessas empresas?

Bittar: É até minha obrigação como deputado da Comissão de Ciência e Tecnologia e presidente da sub-comissão de Comunicação. Eu evidentemente tenho procurado dialogar com todos para saber da disposição verdadeira das empresas de constituir a grande operadora nacional. Tenho só recolhido impressões muito favoráveis.

Valor: Em que fase está no Congresso a discussão em torno da revisão da legislação para telecomunicações e comunicações?

Bittar: Entendo que a situação do setor de comunicações, envolvendo telecomunicações e radiodifusão, chegou a um ponto muito crítica. O marco regulatório, constituído na década de 90 sobretudo pela Lei Geral de Telecomunicações, em 1997, não dá mais conta da realidade econômica decorrente do fenômeno da convergência digital, que a possibilidade de que por meio de todas as plataformas de comunicações se pode se operar o chamado "triple play", os serviços de dados, de imagem, de voz. Além do mais, o barateamento das tecnologias, a sem fio, o aumento da velocidade da banda larga criam uma nova situação para o setor e criam a convergência de serviços entre as áreas de comunicações e telecomunicações. Em paralelo, a licitação da terceira geração da telefonia celular caminha de maneira extremamente lenta, embora os preços dos equipamentos, dos terminais tenha caído muito no mundo inteiro. Outro fato que denota uma situação insustentável é o conflito entre operadoras de telecomunicações e televisão por assinatura, seja cabo, DTH, MMDS e assim por diante. Houve tentativas de aquisição ou parcerias que vêm sendo impugnadas na Anatel, no Cade, na Justiça. Enfim, há um verdadeiro pandemônio sendo formado no setor. A decorrência mais grave é que se cria um ambiente incerteza tão grande que acaba reduzindo ou paralisando o investimento. Então, precisamos agir bem e com muita rapidez. Neste particular, temos que olhar para a cadeia de valor dos novos serviços que estão sendo constituídos. A cadeia de valor é constituída numa extremidade por aqueles que produzem conteúdo e o elo seguinte é o da programação e o empacotamento das programações. E na outra extremidade estão os distribuidores, aqueles que levam o serviço na casa das pessoas, encarregando-se da qualidade técnica, da cobrança. Nessa extremidade os distribuidores são tipicamente os operadoras de telecomunicações em banda larga. Na extremidade inicial, quem são os maiores interessados e os que tem maior competência na criação de conteúdo? São os radiodifusores. Trata-se de estabelecer regras que estimulem a parceria entre esses vários agentes e permitam que os modelos de negócios desses diversos agentes possam sobreviver. Isso significa a necessidade de se proteger a produção de conteúdos brasileiros. Todo os países protegem seus conteúdos, não só por razões econômicas mas também e principalmente por razões políticas. Trata-se de proteger a cultura nacional, a criação de uma identidade cultural nacional, a cultura regional, os produtores independentes. Um marco regulatório adequado que dê conta desses elementos é absolutamente essencial. No meio da cadeia, o elo seguinte, a programação e o empacotamento, vamos ter que assegurar que nas grades de programação haja a de conteúdo nacional. Não adianta criar uma política de fomento com proteção dos conteúdos nacionais se eu não assegurar que eles estejam inseridos adequadamente na grade de programação dos pacotes. Aí entra o que muitos países tem feito, o conceito de cotas bem distribuídas, fortalecendo os programas nacionais, regionais, cotas que assegurem mercado para os produtores independentes. No último elo, da distribuição, o grande desafio é criar um ambiente verdadeiro de competição entre essas empresas. Nesse particular, a possível fusão de Oi e Brasil Telecom ajuda a compor o ambiente. Mas vamos ter que zelar pelos pequenos, que existem e continuarão a existir.

Valor: Em que fase está essa discussão no parlamento?

Bittar: Estamos avançando. Foram apresentados três projetos de lei. Um de autoria do deputado (Nelson) Marchezelli (PTB-SP), que é nitidamente de inspiração dos radiodifusores, fala de proteção de conteúdo nacional. Um outro do deputado Paulo Bornhausen (DEM-SC), que diz que as empresas de telecomunicações poderão operar serviços triple play e há um terceiro projeto assinado pelos deputados Paulo Teixeira e Walter Pinheiro do PT que começam a trabalhar o conceito da cadeia de valor para criar um ambiente de competição. Esta linha é o que a Europa está fazendo. Eu fui designado relator dessa matéria. Sob a liderança da Câmara, mas em parceria com o Ministério das Comunicações e o Senado estamos construindo um seminário internacional, que deve ocorrer em meados de agosto, com representantes do FCC [órgão regulador de comunicações dos EUA] e da União Européia para consolidar conceitos, idéias e a partir daí produzir o relatório final da matéria.

Valor: A proposta é uma legislação ampla, envolvendo comunicações e telecomunicações...

Bittar: Sim, a idéia não é revogar a LGT, a lei do cabo ou o Código Nacional de Telecomunicações, que é de 1962. A idéia é alterar esses dispositivos por meio de um novo marco legal que dê conta desses conceitos, princípios e dispositivos. Por exemplo, se eu quiser alterar a lei do cabo posso incluir um item revogando o artigo tal que diz que todas as empresas do setor precisam ser controladas pelo capital nacional. Alterei a lei por meio de um novo dispositivo legal. A parceria dos radiodifusores com o pessoal de telecomunicações é inevitável. As empresas de telecomunicações dizem que não querem se envolver com conteúdo, aqueles que o fizeram como a Telefónica não tiveram sucesso. A "expertise" das teles é vender serviços, já os radiodifusores são especialistas em criar conteúdo. Não há contradição. É perfeitamente possível um ambiente de pactuação. Há a questão da perda de receita publicitária, que pode ser compensada pela venda de conteúdo para o distribuidores. Há possibilidade de se redesenhar os marcos regulatórios. A TV digital vai precisar do canal de retorno para ter interatividade e quem vai propiciar o canal de retorno são os operadores de telecomunicações. É um ambiente de convergência que estimula a parceria e não o confronto entre operadores e radiodifusores.