Título: Discurso de Lula sobre usina no Ceará causa divergências
Autor: Góes, Francisco e Koike, Beth
Fonte: Valor Econômico, 30/05/2007, Empresas, p. B8

O discurso do presidente Luiz Inácio Lula da Silva na abertura do 20º Congresso Brasileiro de Siderurgia, segunda-feira à noite, no qual defendeu a construção de uma usina siderúrgica no Ceará, dividiu opiniões entre executivos favoráveis e contrários à Ceará Steel, projeto que demanda fornecimento de gás em condições especiais pela Petrobras. A fala de Lula reafirmou a confiança dos acionistas da Ceará Steel em relação à implantação da usina. Mas, para o Instituto Brasileiro de Siderurgia (IBS), contrário ao subsídio no fornecimento do gás, Lula não apoiou o projeto da Ceará Steel. Falou apenas em tese.

Marco Polo de Mello Lopes, vice-presidente executivo do IBS, disse que a entidade entende que não houve apoio específico de Lula, no seu pronunciamento, ao projeto da Ceará Steel. Para Lopes, o discurso de Lula teve um caráter mais geral ao se referir a novos projetos siderúrgicos no Maranhão e no Ceará, sem citar nomes.

Fontes próximas aos acionistas da Ceará Steel têm visão diferente. Entendem que o discurso do presidente demonstra a importância que a instalação de uma usina de produção de placas de aço no Ceará terá para a economia do Nordeste. "Precisamos ser otimistas e ter confiança", disse o interlocutor, referindo-se às possibilidades de o projeto da Ceará Steel ir adiante.

Os sócios da usina são a coreana Dongkuk, a italiana Danieli e a Companhia Vale do Rio Doce (CVRD). Instalada no porto de Pecém, a Usina do Ceará é um projeto de US$ 800 milhões para a produção de 1,5 milhão de toneladas de placas para a exportação.

Lançado com pompa no final de 2005, o projeto da Usina Siderúrgica Ceará Steel enfrenta, desde o começo de sua história, um imbróglio de interesses econômicos, políticos e jurídicos.

Com o impasse, o empreendimento já teve a data de sua operação inicial adiada de 2009 para 2010. O IBS afirma que considera legítimo que os Estados considerem a siderurgia como uma forma de acelerar o desenvolvimento regional. O que a entidade questiona é a necessidade de subsídio ao gás.

O conflito em torno do fornecimento do insumo começou em dezembro do ano passado, quando a Petrobras manifestou a intenção de cobrar pelo gás natural US$ 5,80 o BTU (Unidade Térmica Britânica) e não US$ 3,20 como firmado com o governo do Ceará em 1996, época em que o gás era cotado a cerca de US$ 3. A previsão é que o empreendimento consuma US$ 850,9 milhões nos 20 anos de duração do contrato (entre 2010 e 2030), com o gás avaliado a US$ 5,80 o BTU. Porém, os investidores do projeto levaram em consideração o contrato preliminar de 1996 e acertaram pagar US$ 320 milhões, soma que corresponde a US$ 3,20 o BTU de gás.

O empreendimento do Ceará deverá consumir 1,2 milhão de metros cúbicos de gás natural por ano, o que equivale a aproximadamente 40% do total consumido por todas as siderúrgicas brasileiras. As empresas do setor alegam que, se contassem também com um fornecimento de gás subsidiado, teriam condições de aumentar a produtividade e capacidade, além de reduzir seus custos.

O Instituto Brasileiro de Siderurgia cita como exemplo a usina da Gerdau, na Bahia, única empresa à base de redução direta existente no Brasil, que não amplia sua produção devido a restrições de preços do gás.

Em outra frente, o IBS questiona o fornecimento de gás à Ceará Steel na Justiça. O contrato de fornecimento é alvo de três processos jurídicos que correm simultaneamente, no Rio, na 21ª Vara da Justiça Federal, na 5ª Turma do Tribunal Regional Federal e no Ministério Público Federal - todos com o objetivo de barrar o projeto nas atuais condições. A expectativa do IBS é de que haja uma definição sobre as ações na Justiça a curto prazo.

O IBS acredita que em 15 dias uma das instâncias jurídicas divulgue um parecer final. "Nós não fomos derrotados na liminar que pedia a suspensão do contrato entre Petrobras e Ceará Steel, os desembargadores preferiram ouvir antes as partes envolvidas nesse processo para fechar uma conclusão", diz Lopes.

Segundo eles, as partes envolvidas já começaram a ser convocadas pela justiça para serem ouvidas. Além do gás, o IBS entende que o projeto da Ceará Steel tem outras impropriedades, como o contrato de fornecimento de energia com a Centrais Elétricas do São Francisco (Chesf) abaixo dos preços de mercado. "As regras de interesse econômico da Ceará Steel não foram levadas à análise do Confaz (Conselho Nacional de Política Fazendária)", diz Lopes. Para o IBS, o projeto da Ceará Steel constitui-se em risco de concorrência ruinosa (desleal) para as empresas do setor no país que hoje são fornecedoras de placas para a Dongkuk, principal acionista do empreendimento.