Título: Ainda falta muito para o RH ser mais estratégico
Autor: Campos, Stela
Fonte: Valor Econômico, 30/05/2007, EU & Investimentos, p. D6

Marcos Kowalewiski, 51 anos, conseguiu o que há alguns anos pareceria uma proeza incrível para um executivo da área de recursos humanos. Deixou a gestão de pessoas para comandar uma nova unidade de negócios do grupo Hochtief no Brasil. Detalhe, todo o estudo sobre a viabilidade da nova unidade foi realizado por ele, enquanto atuava na área de RH. A idéia de oferecer um serviço complementar ao desenvolvido pelo grupo da área de construção civil, focando o empreendimento já pronto, surgiu depois de Kowaleswiski observar de perto os rumos estratégicos que a empresa pretendia seguir.

Isso só foi possível porque a diretoria de recursos humanos era chamada para participar de todas as reuniões estratégicas da companhia. Tinha, inclusive, o mesmo poder de voto de outras áreas. Quando Kowalewiski foi escolhido para dirigir a nova Hochtief Facility Management, o fato de ter vindo da área de RH pesou a seu favor. "Nosso negócio depende muito da mão-de-obra e da qualidade de serviços", diz. Ter alguém com um bom conhecimento do negócio e especializado na gestão de pessoas, neste caso, pode ser um diferencial competitivo.

Há alguns anos, a idéia de ter um departamento "RH estratégico" , alinhado com os objetivos da empresa, vem sendo amplamente divulgada como uma tendência mundial. No Brasil, entretanto, ainda temos poucos exemplos. Casos como o de Kowalewiski, que conseguiu migrar para a área de negócios impulsionado por sua atuação em recursos humanos, são raros.

Uma pesquisa realizada pela consultoria Deloitte com 531 executivos seniores e líderes da área de RH, de 468 empresas, com faturamento entre US$ 125 milhões e US$ 10 bilhões anuais, de diversos setores e regiões, mostra que o problema não está só nas empresas que atuam no Brasil. Mesmo nas companhias globais ainda existe muito a ser feito para que a área de gestão de pessoas mude de status no mundo corporativo.

Apenas 16% dos executivos entrevistados acreditam que o RH é bastante valorizado por seus CEOs. Nas grandes companhias esse percentual cai para 10%. O levantamento mostra que os executivos seniores ainda não acreditam que o RH está cumprindo um papel estratégico em suas empresas. Existe, portanto, uma importante lacuna a ser preenchida, já que 80% dos entrevistados reconhecem também que as pessoas são fundamentais para a melhoria da performance de suas companhias. "O estudo mostra que ainda existe um gap entre as necessidades do negócio e o foco dos RHs", diz Vicente Picarelli, sócio da área de capital humano da Deloitte, responsável pelo levantamento na região da América Latina e Caribe.

Entre as companhias pesquisadas, os executivos destacam o crescimento da competição, a pressão dos consumidores para ter produtos melhores e os avanços tecnológicos como seus grandes desafios estratégicos. Assim como a atuação nos mercados emergentes e a distribuição demográfica da força de trabalho. "Tudo isso está relacionado com a produtividade e a boa performance das pessoas nas companhias", lembra Picarelli.

Algumas áreas na gestão de pessoas foram citadas pelos executivos como sendo vitais para o sucesso de suas organizações. O desenvolvimento de lideranças aparece em primeiro lugar, citado por 76% dos pesquisados, seguido pela administração dos talentos (71,9%) e a criação de uma cultura de alta performance (71,9%). "Isso pode ser traduzido como uma preocupação maior em melhorar a qualidade de quem já faz parte da organização", diz o consultor. Implica em criar valor para o empregado, incentivar sua lealdade, segurá-lo de uma forma produtiva, tanto para ele quanto para a companhia.

Em um mercado cada vez mais sem fronteiras, ter mobilidade global é uma questão de sobrevivência. Não é mais possível contar apenas com a força de trabalho local. A dificuldade para acessar os trabalhadores globais aparece na pesquisa como um dos maiores desafios a serem enfrentados pelos gestores de pessoas. Cabe ao RH buscar os melhores profissionais em qualquer lugar, pois não existem mais limites geográficos na disputa por talentos. "É preciso olhar para fora", diz Picarelli.

Como a gestão de pessoas, segundo a pesquisa, parece estar no lista de prioridades das companhias globais, a tensão entre o que a companhia precisa e o que o RH entrega é crescente. Quase 60% dos executivos pesquisados responderam que consideram o trabalho do RH em suas companhias "moderadamente efetivo". Só 25% acreditam que a área tem um papel crucial na elaboração da estratégia e do sucesso operacional de suas empresas.

Na prática, o RH vive à margem de muitas decisões importantes nas companhias. Por exemplo, 60% dos entrevistados dizem que suas empresas raramente consultam a área antes ou depois de fazer uma fusão ou aquisição. Também 40% afirmam que ela é raramente consultada na contratação de serviços terceirizados. O RH acaba sendo acionado apenas para resolver as implicações administrativas e burocráticas desses movimentos.

Um termômetro de que o RH ainda não conquistou seu lugar no topo das decisões no mundo corporativo é que mais da metade das organizações pesquisadas ainda não possui um CHRO (Chief Human Resources Officer) ou um executivo que responda pela área e que reporte-se diretamente ao CEO. A boa notícia é que dois terços dos entrevistados esperam ter alguém com essa responsabilidade nos próximos três ou cinco anos. "O líder de RH precisa ser um misto de administrador e estrategista, este é o futuro", conclui Picarelli.