Título: Real é das moedas mais voláteis do mundo
Autor: Sergio Lamucci
Fonte: Valor Econômico, 28/12/2004, Brasil, p. A6

A discussão sobre o câmbio nas últimas semanas tem se concentrado na recente valorização do real, deixando em segundo plano a elevada volatilidade da moeda brasileira. Mas, como mostra um estudo da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) o real tem oscilado muito nos últimos cinco anos - e em 2004 isso não foi diferente. De acordo com a análise feita pela Fiesp, de janeiro de 2000 a novembro de 2004 o real flutuou bem mais que as divisas de Reino Unido, Japão, Rússia, Chile, Coréia do Sul, México, Argentina e Canadá. Uma moeda muito volátil dificulta a vida de quem pretende investir, por aumentar a incerteza em relação a um dos preços mais importantes da economia, segundo analistas. Nesses quase cinco anos, a moeda brasileira teve variação anual de 22% - percentual calculado a partir da diferença entre a maior e a menor cotação do ano, dividida pela taxa real média do período. É praticamente o dobro dos 11,1% registrados pela libra, que aparece no segundo lugar no estudo da Fiesp. Neste ano, o real também oscilou muito - 17% entre janeiro e novembro. No mesmo período, a segunda maior flutuação entre as divisas analisadas foi a do dólar canadense, com variação de 10,9%, seguido pelo iene japonês (8,9%) e pelo peso chileno (7,3%). "A flutuação exagerada do câmbio inibe decisões de investimento", afirma o presidente da Fiesp, Paulo Skaf. "A questão é que Isso afeta a expansão da atividade econômica", completa ele, defendendo a atuação do BC para reduzir a volatilidade do câmbio. Para o presidente da Sociedade Brasileira de Estudos de Empresas Transnacionais e da Globalização Econômica (Sobeet), Antônio Corrêa de Lacerda, um país como um Brasil deve ter um regime de flutuação cambial "suja", ou seja, em que o BC atue para atenuar movimentos bruscos das cotações. Ele diz que um câmbio mais estável é fundamental não apenas para o exportador, mas também para decisões de investimento relacionadas à localização industrial e à substituição de importações. André Rebelo, assessor econômico da presidência da Fiesp e autor do estudo, reforça as críticas, dizendo que um câmbio que oscila demais tira a previsibilidade e afeta o retorno do investimento. Ele lembra que uma moeda muito instável não é atraente para empresas que planejam se instalar no país e utilizá-lo como plataforma de exportações para a América do Sul, por exemplo. Um dólar que oscila com força também atrapalha qualquer empresa que tenha que comprar insumos importados, mesmo que venda apenas para o mercado interno, observa Rebelo. "O BC deve se preocupar mais com a volatilidade do câmbio", afirma ele, que também considera o atual nível do câmbio excessivamente valorizado. O dólar a R$ 2,70, segundo Rebelo, estaria prejudicando alguns exportadores, como as empresas calçadistas de Franca. Ele diz que, entre junho e novembro, o real só não se valorizou mais que a moeda da Polônia, o zloty. Nesse período, o dólar caiu 13,6% em relação à moeda brasileira. Lacerda defende uma atuação mais enfática do BC neste momento, para conter a apreciação excessiva do câmbio. Ele avalia que a autoridade monetária deve ser mais agressiva nas intervenções que reiniciou no dia 6, depois de dez meses fora do mercado. E a recente apreciação do câmbio está relacionada ao aperto monetário promovido pelo BC desde setembro, como avaliam analistas. O economista-chefe do Pátria Banco de Negócios, Luís Fernando Lopes, diz que a valorização do real em relação à moeda americana está ligada a um movimento global, mas também se deve ao diferencial de juros internos e externos. Com a alta da taxa Selic nos últimos quatro meses, ficou ainda mais atraente aplicar em reais, o que tem provocado o recente movimento de apreciação cambial. A questão, segundo Lopes, é que o dinheiro que vem para aproveitar os juros elevados pode sair rapidamente a qualquer sinal de instabilidade no cenário externo. Se os juros dos títulos do Tesouro americano de 10 anos, hoje em 4,2%, subirem rapidamente, por exemplo, esses recursos podem deixar as aplicações em reais de maneira abrupta. Esse cenário, ainda que não seja hoje o mais provável, é algo bastante plausível. Por isso, Lopes também avalia que o BC deve evitar a valorização do real, preferencialmente por meio da compra de dólares para recompor as reservas internacionais. Se o fluxo para o país seguir abundante, ele acredita que até mesmo algum tipo de controle de capitais na entrada poderia ser adotado, embora não acredite que o governo fará isso. Outra opção aventada por analistas como Lacerda é a redução dos juros, para desestimular operações destinadas a aproveitar a diferença entre taxas internas e externas. A questão, para Lopes, é que isso exigiria uma rediscussão das metas de inflação, o que dificilmente vai ocorrer nos próximos meses, avalia ele.