Título: Argentina vira alvo de pequenas e médias empresas do Brasil
Autor: Rocha, Janes
Fonte: Valor Econômico, 29/05/2007, Brasil, p. A4

Quando souberam pelos jornais e TV que a Argentina estava se levantando da crise, em 2003, os proprietários da Facilit Odontológica e Perfumaria concluíram que havia chegado a oportunidade que esperavam há tempos: abrir sua primeira filial no exterior. Em julho de 2006, depois de sondar o mercado argentino durante mais de um ano, visitando empresas e pontos de venda, abriram sua primeira filial em Buenos Aires.

Proprietária há 18 anos da marca de fio dental Sanifill, a segunda no Brasil depois da Johnson & Johnson, a Facilit é uma empresa com sede no Rio e fábrica em Curitiba. Tem 400 empregados e faturamento aproximado de US$ 2,5 milhões anuais. Além do fio dental, é dona de uma linha completa de produtos para higiene bucal que agora distribui na capital portenha e também no Uruguai. Mas a intenção é partir para outros importantes mercados hispânicos como Chile, México e Colômbia.

Essa é uma história que está ficando cada dia mais comum. Depois da onda das grandes multinacionais brasileiras (Petrobras, Camargo Correa, AmBev, Friboi), que chegaram para comprar empresas argentinas, do ano passado para cá dezenas de pequenas e médias empresas brasileiras sondam o mercado vizinho e muitas já se instalaram no país.

Ainda não há números consolidados. A embaixada brasileira em Buenos Aires registra dezenas de consultas mensais de empresas buscando dados sobre o país e o mercado, porém não sabe quantas dessas consultas se transformaram em negócios reais.

Para se ter uma idéia, o escritório de advocacia brasileiro Demarest & Almeida, associado na Argentina ao Marval, O´Farrell & Mairal, um dos maiores e mais antigos da América Latina em assessoramento legal a pessoas jurídicas, registrou no ano passado a entrada de 20 empresas de pequeno e médio porte que usaram seus serviços para instalar uma filial no país. Em 2005 foram dez e em 2004 apenas cinco. Este ano, o Marval viu concretizar-se a instalação de uma empresa e há mais quatro em processo de registro, conta o advogado Lucas Tavares Bueno, do Demarest, que está em Buenos Aires há dois anos, trabalhando dentro do Marval, dedicado aos contatos com as empresas brasileiras.

Por que escolheram a Argentina? "Pela proximidade, por ser Mercosul, pelo potencial do mercado", responde Alvelino Pscheidt, diretor de operações da Facilit. Alvelino conta que chegou sem nenhum apoio, nenhum parceiro, gastou muito sapato e telefone para conhecer o mercado, identificar concorrentes e potenciais pontos de distribuição. "Conhecíamos a Argentina como potencial de mercado, sabíamos que não tinha nenhum fabricante de produtos dentários como os nossos e isso nos incentivou", relata o executivo.

Além de partir para outros países da região, os planos da Facilit incluem uma parceria local para produção conjunta, no futuro, como um fabricante de embalagens ou um fornecedor de matérias-primas. Para concorrer num mercado onde nomes do porte da J&J e Colgate-Palmolive reinam quase absolutos, com escovas e pastas de dente que são quase "commodities", a Facilit se especializou em produtos com maior valor agregado como escovas especiais, acessórios para assepsia bucal e dentifrícios branqueadores. A expectativa é fazer 20% do faturamento com exportações, que hoje são ínfimas.

Os mesmos motivos apontados por Pscheidt explicam a chegada da Elemídia, empresa que opera monitores de publicidade em elevadores, e a Gafor, que trouxe para o mercado argentino uma distribuidora de produtos químicos.

Para a Elemídia, a abertura da filial argentina, em janeiro deste ano, faz parte de um projeto estratégico de expansão para o exterior, explica o presidente da companhia, Felipe Forjaz. A empresa, que tem 1.086 monitores instalados em mais de 280 edifícios em sete capitais brasileiras, montou monitores em um dos maiores edifícios da cidade, o Maipu, e já tem contratos encaminhados para instalar seus equipamentos em elevadores de 20 edifícios corporativos. A meta é chegar a 50 edifícios até o fim do ano e 100 até julho de 2008.

A decisão da Elemídia de se expandir para a América Latina a partir da Argentina foi tomada com a entrada na sociedade, no fim de 2006, do fundo de investimentos americano Tiger Global, e apoiada pelo fornecedor de conteúdo do serviço, o Portal Terra. A distância mais curta e a valorização do real que tornou mais barato o investimento na Argentina são também alguns dos motivos que trouxeram a Elemídia, segundo Forjaz. "Além disso, a Argentina está crescendo muito, não tem esse serviço e o nosso principal parceiro, o Terra, tem uma operação muito forte no país", explica Forjaz. O próximo passo é o Chile, onde a Elemídia já tem em andamento contatos para instalar monitores nos elevadores de 70 edifícios a partir de outubro.

Há também empresas que já estavam no país com um distribuidor e agora estão reforçando a presença. É o caso da Datasul, empresa de software que fatura cerca de US$ 15 milhões anuais e que anuncia hoje a inauguração de uma subsidiária integral em Buenos Aires. Desde 95, a Datasul mantinha três distribuidoras que apenas traziam e adaptavam seus softwares. Agora a empresa vai desenvolver programas localmente.

"Esse movimento faz parte do processo de internacionalização das empresas brasileiras", explica o presidente do Grupo Brasil, Alvaro Schocair. Lucas Bueno acrescenta que a Argentina é vista como um mercado de grande potencial onde as empresas encontram os benefícios do Mercosul e, ao mesmo tempo, as barreiras do idioma e da cultura são muito menores que em qualquer outro lugar.

Para o economista Jorge Vasconcelos, do Instituto de Estudos da Realidade Argentina e Latinoamericana (Ieral), a chegada de empresas brasileiras de médio porte é um movimento muito recente, cujos impactos para a economia local ainda têm de ser avaliados. Mas Vasconcelos acredita que ele está relacionado à fase de prosperidade e ausência de crises porque passam Brasil e Argentina. Aparentemente, afirma, "a estabilidade está permitindo finalmente que os agentes econômicos de ambos os países aproveitem melhor os acordos que formam a base do Mercosul, que até hoje está sub-aproveitado".