Título: Para Ruth Cardoso, faltam metas a programas sociais
Autor: Romero, Cristiano
Fonte: Valor Econômico, 29/05/2007, Política, p. A7

Uma das principais responsáveis pela formulação de ações sociais nos oito anos do governo Fernando Henrique Cardoso, a socióloga Ruth Cardoso fez ontem duras críticas à política social da gestão Lula. A ex-primeira-dama criticou o Fome Zero, reclamou da falta de metas e de avaliação dos programas existentes e censurou a forma como o governo se relaciona com organizações não-governamentais (ONGs).

As críticas de Ruth foram feitas durante o seminário "O PSDB e os Novos Desafios do Brasil", realizado pelos tucanos com vistas ao congresso do partido, em setembro. Na gestão de seu marido, a então primeira-dada criou o programa Comunidade Solidária, a principal iniciativa da gestão tucana na área social.

Ruth Cardoso explicou, na palestra, que desde a criação, pelas Nações Unidas, das Metas do Milênio, no ano 2000, os programas sociais, em todo o mundo, passaram a ter prazos, metas e avaliações. Os países que aderiram à iniciativa, entre eles, o Brasil, terão que reduzir os níveis de pobreza pela metade, até 2015.

"Temos urgência, prazos e metas. Não é mais distribuir recursos e esperar ver o que acontece. Isso não tem novidade. Dar dinheiro simplesmente vem da Idade Média", ironizou ela, numa crítica velada ao Bolsa Família, o principal programa social do governo Lula, uma ampliação de outros programas do governo FHC. O programa é criticado por não ter regras de saída, não passar por avaliações periódicas sobre sua efetividade e não exigir o cumprimento das condicionalidades (saúde, educação) que ajudariam a tirar seus beneficiários da pobreza.

"É preciso mudar o jeito de enfrentar a pobreza. Toda política social tem que ser avaliada, saber aonde vai chegar. Duvido que alguém conheça uma avaliação séria dos programas em curso", disse Ruth, referindo-se às iniciativas do atual governo. Ela lembrou que, antes de lançar o programa "Alfabetização Solidária", destinado à alfabetização de adultos, procurou informações sobre o Mobral, iniciativa adotada durante o regime militar.

"Não havia dados. Um desleixo absoluto", revelou. "Avaliação de programa social no Brasil é feita assim: as pessoas verificam se os 'olhinhos' das crianças brilham. Não é assim que se avalia."

Ruth foi dura com as "falsas" parcerias que o governo Lula firmou com ONGs para executar ações na área social. "Parceria não é só repassar recursos", advertiu ela, lembrando que o Congresso criou uma CPI para investigar possíveis malfeitorias no relacionamento entre o governo e as ONGs. Segundo ela, as parcerias só são bem-sucedidas quando o governo estabelece metas e avaliações e quando adota as iniciativas de forma local e integrada, dando autonomia às comunidades.

Um exemplo de parceria de sucesso, observou Ruth, é o programa de combate à Aids, do Ministério da Saúde: "Trata-se de um programa governamental, mas foi feito em parceria com várias associações da sociedade civil".

Na avaliação da ex-primeira-dama, o governo tornou o chamado Terceiro Setor dependente do Estado. "Isso alimenta o sistema em que elas (as ONGs) fingem que fazem e o governo finge que acredita", avaliou a ex-primeira-dama. Ruth Cardoso divergiu também da decisão do governo de permitir às empresas a dedução total, do Imposto de Renda, das doações a projetos culturais. "Uma parte deveria ser bancada pelo interessado. Na área social, não temos nada parecido", comparou. (CR)