Título: FHC critica governo Lula, defende sua gestão e pede reforma no PSDB
Autor: Romero, Cristiano
Fonte: Valor Econômico, 29/05/2007, Política, p. A7

Num discurso recheado de críticas ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso defendeu ontem, durante seminário promovido pelo PSDB, o legado de sua gestão e uma reforma profunda na estrutura de seu partido. Mesmo sem comentar diretamente os episódios recentes de corrupção, o ex-presidente disse que o país está assistindo ao "contínuo desrespeito" ao rigor da lei e advertiu que, sem uma reforma política, a democracia brasileira corre riscos.

O primeiro alvo do ex-presidente, no seminário "Novos caminhos para o Brasil", foi a política externa de Lula. No início de seu discurso, FHC explicou que há uma nova ordem econômica em vigor, segundo a qual, os países em desenvolvimento estão transferem renda aos mais ricos - especialmente, aos Estados Unidos - para financiá-los. "Se o FMI tivesse força, chamaria o presidente dos EUA e diria: 'muda tudo'", disse ele, referindo-se ao fato de a economia americana conviver com déficits elevados tanto nas contas externas quanto nas contas públicas.

Diante desse novo cenário, disse o ex-presidente, o Brasil, sob Lula, optou por uma política externa "canhestra, que não procura avanços na grandeza", e dá prioridade a um diálogo irrealista - o Sul-Sul. "(A política externa) é pequena porque ainda estamos pensando no Norte-Sul. China e Índia eram os pilares do Sul. E hoje? Ainda são?", comparou.

O ex-presidente disse que o Brasil, perdeu a capacidade de promover convergências na América Latina. Em vez disso, o país se auto-proclamou líder do continente, provocando receios em vários países. Segundo ele, a América Latina nunca esteve tão dividida quanto agora. "Não tivemos voto para o Conselho de Segurança da ONU nem de alguns países do Mercosul", ironizou FHC, criticando em seguida o hábito de Lula regozijar-se de suas realizações. "O nosso olhar hoje não pode ser para nós próprios. Não adianta o presidente da República ficar comparando ele comigo. Isso é perda de tempo. Nós dois somos pequenos. Temos que nos comparar é com o que está acontecendo lá fora."

O ex-presidente sugeriu que o PSDB promova uma "verdadeira revolução" de mentalidade no país. "Mudamos muita coisa na economia, mas não basta." Ele citou que o mundo tomou conhecimento de que há limites ao crescimento econômico por causa do meio ambiente. Ele lembrou que o Brasil já é um dos maiores poluidores do mundo, e o é não por causa da industrialização, mas sim em decorrência da destruição das florestas.

Fernando Henrique disse que o PSDB precisa defender, "com mais energia", o legado de seu governo e propor "sem medo" novas reformas, como a trabalhista. "Temos que nos orgulhar da privatização. (Ela foi feita) sem roubo", afirmou o ex-presidente, referindo-se a um tema que seus correligionários, além do presidente Lula, baniram da agenda nas últimas eleições. Ele lembrou que, em 1995, três anos antes da privatização do Sistema Telebrás, havia 800 mil linhas de telefonia celular no Brasil e que, hoje, há mais de 100 milhões. "Como o Brasil entraria na era da internet sem telefones?", indagou.

O ex-presidente disse que o governo Lula atribui a méritos próprios a estabilidade econômica, mas que, durante sua gestão, criticou e combateu todos os instrumentos usados hoje para combater a inflação, "até", assinalou, "a Lei de Responsabilidade Fiscal". "A estabilidade é nossa, tornando impossível ouvir que isso foi alcançado no atual governo. A inflação que o país começou a sentir em 2002 pertence à gestão petista, e não a nós. Era o pré-apagão do governo Lula", acusou.

Além de defender as privatizações feitas em sua gestão, FHC mencionou conquistas de seu governo na área social e nas de educação, saúde e reforma agrária. "Criamos as agências reguladoras. Mudamos o Estado até para diminuir a corrupção", afirmou, citando a venda de empresas que antes eram administradas pelos partidos e que hoje são multinacionais lucrativas, como a Vale do Rio Doce e as usinas siderúrgicas. "Diziam que aquilo ia acabar com a indústria nacional. Acabou?"

O ex-presidente criticou o Bolsa Família, iniciativa do governo Lula que, na prática, unificou os programas de transferência de renda criados em sua administração. "(O Bolsa Família) é uma pensão quase permanente. Não sou contra, mas tem que haver mecanismos para promover essa gente. A taxa de desemprego continua alta e a dos jovens, altíssima", observou.

FHC declarou que a reforma política, com a adoção do voto distrital misto, o financiamento público de campanha e o fim das coligações partidárias em eleições proporcionais, é um "imperativo para a continuidade da democracia". Ele questionou o fato de o país assistir a inúmeros casos de corrupção, envolvendo integrantes do governo e do parlamento, sem que, até agora, ninguém tenha sido preso e julgado pelos crimes cometidos. "Isso fere o cerne da democracia", alertou. "O Brasil cansou do cotidiano triste de violência, mesquinharia e corrupção."

O ex-presidente defendeu uma mudança radical na estrutura de seu partido, fundado há 19 anos e que, na oposição, vive uma espécie de crise de identidade. Na opinião do ex-presidente, o partido deveria retomar os núcleos temáticos de sua fundação para discutir teses e não o poder, como fazem os diretórios regionais e o nacional. Na nova estrutura, haveria o presidente e cinco vice-presidentes regionais, além de secretarias. "Temos que mudar o partido", conclamou FHC, pregando a união e prevendo a volta dos tucanos ao poder em 2010. "Vamos chegar unidos."

Além de FHC, discursaram no encerramento do seminário os governadores tucanos José Serra (São Paulo), Aécio Neves (Minas Gerais), Cássio Cunha Lima (Paraíba) e Teotônio Vilela Filho (Alagoas). Dos quatro, apenas Serra criticou Lula. O governador paulista disse que os tucanos se comunicam mal e que, no governo Lula, até o que não foi feito é comemorado. "O Fome Zero é um fiasco, um programa do governo Lula que nem sequer existe, mas incompreensivelmente é bem avaliado pela população nas pesquisas", ironizou Serra. O ex-governador mencionou também que, embora tenha sido elaborado pela bancada do PSDB na Câmara, a Lei Geral das Micros e Pequenas Empresas é apresentada como um trunfo do governo Lula. "Não faturamos isso. Não somos capazes de faturar o nosso passado."

Em discurso curto, Aécio defendeu o legado de FHC, mas evitou fazer menção ao atual governo. Ele aproveitou para sugerir que não trocará o PSDB pelo PMDB, nas próximas eleições, como forma de viabilizar sua candidatura à sucessão de Lula. "Não sei para aonde irei caminhar, mas certamente será ao lado de vocês", assegurou.