Título: Protesto continua e Chávez agora mira CNN e TV local
Autor: Souza, Marcos de Moura e
Fonte: Valor Econômico, 29/05/2007, Internacional, p. A11

Um dia depois de tirar do ar o canal de TV mais antigo na Venezuela, o governo do país solicitou à Procuradoria-Geral que abra uma investigação contra a rede americana CNN e a venezuela Globovisión por veiculações de "mentiras" e por incitar a violência contra o presidente Hugo Chávez.

O ministro das Comunicações e da Informação da Venezuela, Willian Lara, disse que, na semana passada, a CNN exibiu falsamente um protesto ocorrido no México como se tivesse ocorrido em Caracas e mostrou imagens de Chávez ao lado de um líder do grupo terrorista Al Qaeda. A Globovisión, canal que transmite notícias 24 horas, exibiu cenas do atentado contra o papa João Paulo II em 1981, que segundo Lara significavam um incitamento contra Chávez. "Essa é uma tentativa de associar Hugo Chávez a duas coisas: violência e morte", disse Lara.

A investida contra as duas emissoras acontece ainda sob o impacto do fim da RCTV, a emissora venezuelana mais crítica ao presidente Chávez e que tinha os maiores índices da audiência do país. O governo não renovou a concessão de do canal, que saiu do ar na noite de domingo, dando lugar a uma nova TV pública. A iniciativa vem causando reações dentro e fora da Venezuela. Ontem, assim como no domingo, manifestantes foram às ruas contra a decisão. Houve confrontos com a polícia.

Mas, por mais que os protestos possam perdurar por dias ou semanas, não parecem ter ainda o potencial para desencadear uma crise de política e ameaçar o regime no país. É essa a avaliação de analistas - prós e contra Chávez - ouvidos ontem pelo Valor.

"O fechamento da RCTV momentaneamente agrupa setores de oposição, mas os partidos e as forças contrárias a Chávez estão muito fragmentadas e o caso da emissora não é suficiente para reunificá-los", afirma o professor de Análise Política da Universidad Simón Bolívar, Jesus Herrera.

Segundo outro analista, Luis Vicente León, diretor da Datanalisis, instituto de análises políticas e econômicas da Venezuela, que costuma ser crítico do presidente, "Chávez optou por essa medida impopular porque calculou que o custo da não renovação da concessão seria menor que o benefício que ele teria com o fim da TV".

A RCTV, diz ele, era vista pelo governo como o inimigo mais forte, já que no campo político os partidos de oposição estão enfraquecidos. A emissora chegou a ter 67% de penetração e atingia as camadas D e E, exatamente a faixa de eleitores de Chávez.

Até ontem, pelo menos, o custo da decisão parecia ser baixo. Os protestos são ainda muito menores que os de cinco ou seis anos atrás, quando a oposição alega ter reunido de 2 a 3 milhões de pessoas contra Chávez. No sábado retrasado, um ato pró-RCTV reuniu cerca de 80 mil.

"A questão é que a RCTV não é uma representante tão forte dos clamores da classe média. Claro que o fim da emissora é um elemento desfavorável à imagem de Chávez, mas não suficiente para desestabilizá-lo", avalia o venezuelano Rafael Villa, coordenador do Núcleo de Pesquisa em Relações Internacionais, da Universidade de São Paulo (USP).

Em tese, o episódio seria uma oportunidade para o aparecimento de um líder que capitalizasse as frustrações de venezuelanos descontentes com a iniciativa de Chávez. Mas não parece haver no horizonte político venezuelano uma figura assim. "O caso não deve ter um efeito para Chávez agora, mas trazer problemas para sua imagem no longo prazo e se somar aos desgastes que sua ações acarretam", diz León.