Título: Chávez dá novo passo para sufocar qualquer oposição
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Fonte: Valor Econômico, 29/05/2007, Opinião, p. A12

Em seu ritmo atual de ativismo, o presidente venezuelano Hugo Chávez em breve conseguirá o que quer - a onipresença. O fechamento da Radio Caracas Televisión à zero hora de ontem representou não só mais um duro golpe nas forças de oposição a Chávez, mas um maior avanço da estatização dos meios de comunicação, uma das peças básicas do "socialismo do século XXI" que prega o presidente. O Estado passa a contar com cinco redes de TV, enquanto as demais cadeias privadas, uma delas controlada pelo magnata Gustavo Cisneros, resolveram agir como se não valesse a pena correr o risco de desafiar Chávez e atenuaram ou desistiram de realizar qualquer cobertura jornalística crítica.

Chávez transformou os mecanismos formais da democracia em uma caricatura e cortou uma a uma as chances de vir a ter uma oposição política com reais chances de disputar o poder. Esse é o problema real. Como concessão do Estado, a licença da RCTV poderia ser cassada depois de respeitadas as formalidades legais, se fosse o caso. A emissora de TV embarcou, como toda a oposição venezuelana, na estratégia equivocada que culminou com o efêmero golpe de Estado em 2002, que afastou Chávez do comando do país por apenas dois dias. Pode ter havido motivos de sobra para retirar a licença de funcionamento, mas Chávez não se preocupou sequer em cumprir o ritual legal. A Justiça era o foro adequado para dirimir litígios em que um governante cada vez mais forte é parte interessada. A RCTV deveria ter todo o direito prévio de defesa ampla e irrestrita. Nada disso aconteceu.

Chávez criou todas as condições para tornar a oposição decorativa e para pavimentar o caminho de manter-se no governo por mais duas décadas. As rápidas mudanças que realizou nas estruturas de poder colocam a Venezuela na rota praticamente irreversível do caudilhismo dito de esquerda. As supremas cortes contêm maioria de chavistas, da mesma forma que o órgão encarregado de garantir a lisura das eleições. O incrível boicote da oposição ao pleito legislativo a deixou sem representantes no Congresso, inteiramente dominado por Chávez. Com base na esmagadora maioria de apoio político entre os parlamentares, o presidente ganhou o poder de legislar por decreto sobre qualquer assunto que julgar de seu interesse por dois anos. As leis venezuelanas, sob sua administração, tornaram-se extremamente rígidas contra a mídia. Elas transformam em crimes a prática do subjetivo "desrespeito" ao governo, que pode levar jornalistas e donos de veículos de comunicação à prisão. O que a intimidação não conseguir, a estatização o fará, assim como a subserviência ou a conveniência dos demais canais privados.

Admirador do modelo cubano, Chávez incentivou a desapropriação de terras, a extensão das cooperativas de abastecimento, a estatização, com a criação de siderúrgicas, fábricas de automóvel, empresas de aviação etc, e, por último, o partido único - os demais ou apóiam o movimento bolivariano, ou se encontram na oposição, sem representação parlamentar. O amálgama que agrupa o chavismo são as enormes receitas do petróleo, que bancam os vastos programas sociais com que Chávez consolida seu prestígio nas camadas populares e encobrem o grande desperdício econômico com as estatizações de afogadilho, feitas por conveniências políticas e governadas por elas. As conseqüências são uma febre de consumo não atendida pela demanda interna, uma avalanche de importações e a inflação mais alta da América Latina (ao redor dos 20%). A economia cresce a um ritmo quase chinês (8%), mas seus desequilíbrios são evidentes e crescentes.

Chávez segue o exemplo das ditaduras stalinistas. Após criar a infra-estrutura política que lhe garanta a permanência no poder, passa a interferir com mais freqüência na vida privada. Foi assim com a proibição do consumo de cerveja em feriados e com a exigência, em todas as escolas, da doutrinação socialista por algumas horas semanais. As fraquezas do regime de Chávez estão camufladas pelo forte crescimento econômico e substancial distribuição de renda, dependentes apenas da bonança petrolífera. Elas fatalmente aparecerão se a economia mergulhar numa crise inflacionária.