Título: Oferta de etanol prestes a superar demanda nos EUA
Autor: Balthazar, Ricardo
Fonte: Valor Econômico, 29/05/2007, Agronegócios, p. B12

A produção de etanol dos Estados Unidos está prestes a superar a demanda do mercado doméstico pelo combustível. É provável que a mudança seja temporária, mas os investidores, que nos últimos anos apostaram alto na expansão da indústria, estão começando a ficar preocupados com suas consequências.

Com o aumento da oferta, os preços do etanol estão caindo. Como os custos de produção do combustível permanecem elevados, a lucratividade das empresas está diminuindo. Isso poderá inibir o investimento em novas usinas e dificultar a realização das metas lançadas pelo governo para aumentar o uso de combustíveis mais limpos nos EUA.

As implicações para os usineiros brasileiros também são importantes. Com álcool sobrando no mercado interno, os americanos não precisarão mais importar etanol produzido no Brasil e no Caribe, que no ano passado exportaram grandes volumes do combustível para atender ao súbito aumento na demanda das refinarias dos Estados Unidos.

O país produziu no ano passado 18,4 bilhões de litros de etanol e importou 2,5 bilhões de litros, dos quais mais de dois terços tiveram origem no Brasil. Neste ano, a produção americana deve atingir 25,8 bilhões de litros, segundo o banco de investimentos Lehman Brothers. Será mais do que o necessário para suprir a demanda interna, estimada em 24,4 bilhões de litros.

A produção americana está crescendo porque estão entrando em operação agora as usinas que começaram a ser construídas nos últimos dois anos. Mas o consumo de etanol não cresceu no mesmo ritmo, por causa da falta de infra-estrutura adequada para transportar o combustível produzido na zona rural para os grandes centros urbanos.

O etanol é usado nos EUA principalmente como aditivo na composição da gasolina. Poucos postos de combustível estão preparados para distribuí-lo como substituto da gasolina e carros com motores flexíveis, como os vendidos no Brasil, são uma raridade. Na falta de dutos, o álcool é levado por caminhões e trens às refinarias, o que aumenta os custos para transportá-lo.

O impacto sobre a lucratividade da indústria já é visível. Eric Brown, analista do Bank of America, calcula que a margem operacional das usinas americanas, que era de quase 54% no ano passado, é de 37% atualmente e cairá para 14% até 2009. Ele prevê que os preços do milho, principal matéria-prima usada para fazer etanol nos EUA, continuarão em alta nos próximos anos.

Empresas como a Pacific Ethanol e a VeraSun, que lançaram ações nas bolsas de valores nos últimos anos para aproveitar o interesse que a febre do etanol despertou nos investidores, também sentiram a diferença. Suas ações são negociadas hoje em dia por menos da metade do que chegaram a valer no ano passado.

"O medo é que isso iniba a construção de novas usinas daqui para frente", disse ao Valor o economista Wallace Tyner, um especialista da Universidade Purdue. Há hoje nos EUA 119 usinas de etanol em operação e 86 em construção ou em expansão, conforme a principal porta-voz da indústria do país, a Associação dos Combustíveis Renováveis (RFA, na sigla em inglês).

O mais difícil é prever quanto tempo a situação atual vai durar. Teoricamente, os EUA poderiam dobrar seu consumo de etanol nos próximos anos sem precisar instalar novas bombas nos postos ou modificar os motores dos carros, simplesmente misturando o álcool à gasolina até o limite aceito pela legislação, de 10% da composição do combustível.

Para que as refinarias tenham interesse em fazer isso, os preços do etanol precisam cair mais. Hoje o álcool é mais caro que a gasolina nos EUA e nada obriga as refinarias a misturar os dois combustíveis. Se o preço do petróleo continuar em alta e o do etanol diminuir mais, a diferença passará a ajudar as usinas.

Isso também poderá estimular investimentos que reduzam as deficiências existentes hoje na área de infra-estrutura. "Os gargalos tendem a desaparecer quando as empresas perceberem que ganharão dinheiro se livrando deles", afirmou o economista Bruce Babcock, da Universidade Estadual de Iowa.

A ação do governo também pode acelerar as coisas. A legislação em vigor nos EUA determina que o consumo de combustíveis de origem renovável como o etanol alcance 28 bilhões de litros em 2012. O governo defende a ampliação da meta para 132 bilhões de litros em 2017, e um projeto atualmente em discussão no Senado manda atingir esse mesmo objetivo em 2022.

O Brasil vendeu 3,5 bilhões de litros de etanol para o exterior no ano passado e metade foi para os EUA. Os preços estavam tão bons que os usineiros brasileiros puderam fazer negócios lucrativos mesmo pagando as tarifas que os americanos cobram para deixar entrar o álcool importado. Em setembro, as exportações para os EUA começaram a cair.

Para os usineiros brasileiros, o excesso de oferta no mercado americano representa mais uma barreira para seu avanço no mercado externo. A União da Indústria de Cana-de-Açúcar (Unica) estima que o Brasil terá condições de exportar 5,5 bilhões de litros de etanol daqui a cinco anos. Se a situação continuar difícil nos EUA, será preciso encontrar clientes em outro lugar.