Título: Trabalho de equipe
Autor: Zaparolli, Domingos
Fonte: Valor Econômico, 29/05/2007, Caderno Especial, p. F1

A velha expressão "a união faz a força" está em voga entre milhares de micro e pequenos empresários que aderiram a pelo menos um dentre os 957 Arranjos Produtivos Locais (APLs) em atividade no país. Reunidos em comunidades empresariais, eles compartilham seus problemas e buscam soluções conjuntas. E todos saem ganhando.

Inspirado nos chamados clusters italianos, os APLs são decorrentes de uma política pública implementada a partir de 2003 que tem no Ministério do Desenvolvimento seu idealizador.

A estratégia consiste em unir esforços governamentais e de universidades, sindicatos, federações industriais e instituições como o Sebrae e o Senai com o objetivo de estimular a cooperação de pequenos empresários de um mesmo ramo de atividade instalados numa única região.

"O que se pretende é estabelecer uma governança entre os empresários com o objetivo de aproveitar as sinergias locais em busca de maior competitividade", diz José Ricardo Roriz Coelho, diretor do departamento de Competitividade e Tecnologia da Fiesp, instituição que apóia oito APLs no interior paulista, aos quais estão associadas 150 empresas.

Não é uma tarefa simples estabelecer a governança. Na prática, demanda fazer com que antigos concorrentes aceitem discutir suas principais deficiências, detectar pontos comuns e, a partir deste diagnóstico, realizar ações conjuntas para superar os gargalos. Num estágio mais avançado, a união permite o estabelecimento de estratégias comuns para a conquista de novos mercados.

Quando a desconfiança mútua é quebrada, abre-se um amplo leque de oportunidades. É o que constatou Giovanni de Carvalho Costa, sócio-diretor da fábrica de calçados Di Marjam, de Jaú, no interior paulista. A cidade paulista é um pólo de produção de calçados femininos, com 250 indústrias do setor, que geram oito mil empregos diretos e respondem por 2% da produção nacional de calçados.

Outras 1.100 empresas na cidade vivem no entorno destes fabricantes, prestando serviços, fornecendo matéria-prima ou comercializando sapatos. Mas, até recentemente, Jaú não contava com nenhuma escola profissionalizante no setor.

A situação começou a mudar com a criação de um APL, relata Silvia Alzira Furio, consultora do Sebrae designada para acompanhar o APL de Jaú. A necessidade de formar mão-de-obra qualificada, tanto para o chão-de-fábrica quanto para a administração, foi um dos primeiros problemas detectados pelos empresários. A solução veio por meio de parcerias com a Fatec, o Senai e o Sebrae que se dispuseram a criar cursos técnicos, de gestão e de empreendedorismo na cidade.

Outro problema diagnosticado foi a falta de personalidade da produção local. "A maioria das empresas de Jaú vive de produzir para terceiros, sem marca nem estilo próprio, disputando mercado pela oferta do menor preço", diz Alzira Furio.

Uma preocupação da APL em 2006 foi contratar a consultoria de estilistas conceituados, como Valdemar Iódice e Beth Sales, com o objetivo de estimular a criação de design próprio e aumentar o valor agregado da produção local. Os custos foram rateados.

Os benefícios não tardaram a aparecer. Em fevereiro de 2006, as empresas de Jaú comercializaram 2 milhões de pares de calçados, com o preço médio de R$ 33,37. Um ano depois, o volume comercializado passou para 2,6 milhões e o preço médio subiu para R$ 37,84.

A Di Marjam é uma das empresas que contabilizam bons negócios com a inovação. Em 2006, a empresa vendeu 40 mil pares de calçados de sua coleção inverno. Carvalho Costa informa que, neste ano, já vendeu 55 mil pares e a expectativa é superar a marca de 60 mil até o final do inverno. "O mais importante, terei lucro com a coleção deste ano, o que não ocorreu em 2006", diz o empresário.

Uma história de sucesso também é o que tem para contar Eugênio Rosseto, proprietário da Paraíso Bordados, empresa instalada em Terra Roxa, no oeste paranaense, "a capital nacional da moda bebê", como definem os empresários locais.

O APL de Terra Roxa foi formado em 2004 e soma 48 empresas. Rosseto relata que os empresários desenvolveram um planejamento que prevê o compartilhamento de iniciativas que visam a qualificação da gestão, o treinamento de mão-de-obra, o aprimoramento dos produtos e a participação em feiras e eventos no Brasil e no exterior. Em marketing, as iniciativas envolvem ainda a criação de um site e de um catálogo conjunto de moda bebê com distribuição nacional.

Desde a criação do APL, a produção total das empresas do setor cresceu 50%, alcançando 300 mil peças mensais. As confecções de Terra Roxa faturam em conjunto aproximadamente R$ 3 milhões mensais e respondem por 30% da economia da cidade. O setor gera dois mil empregos, o que é bastante significativo em uma cidade com 17 mil habitantes.

Após a adesão ao APL, a produção da Paraíso Bordados passou de 50 mil para 70 mil peças mensais. Além disso, relata Rosseto, a empresa, que completa 15 anos de atividade em 2007, mudou a forma como se apresenta ao mercado. A Paraíso desenvolveu, com o apoio de designers, um estilo próprio para seus produtos. "Antes, nossas roupas não se destacavam. Agora são reconhecidas como produtos da Paraíso pelos lojistas do país inteiro", afirma o empresário.

Roriz Coelho relata que entre as empresas que participam dos APLs apoiados pela Fiesp em parceria com o Sebrae, registrou-se nos últimos anos um salto significativo de produtividade. As empresas ligadas aos APLs de Tambaú e Vargem Grande do Sul, especializados em cerâmica, por exemplo, tiveram um ganho médio de produtividade de 9,5%.

Em Marissol, pólo moveleiro, o ganho de produtividade médio foi de 38%, enquanto as empresas ligadas ao APL de jóias de São José do Rio Preto, a produtividade cresceu 42,5% e a geração de emprego aumentou em 25%.

"O grande mérito dos APLs é permitir ganhos de competitividade individuais por meio de ações de aprendizado coletivo", define Carlos Américo Pacheco, secretário adjunto de desenvolvimento de São Paulo, Estado onde estão instalados 30 APLs.

Já Enio Verri, secretário de planejamento do Paraná, Estado onde estão 22 APLs que agregam 2,6 mil empresas, vê ainda um mérito social nos arranjos produtivos. Eles reduzem a mortalidade das pequenas empresas e contribuem para a geração de vagas no mercado de trabalho. O Paraná contabiliza 40 mil empregos vinculados aos APLs "É um desenvolvimento sadio, que fortalece os municípios e reduz as demandas da sociedade por políticas assistenciais", afirma o secretário.

O Paraná é um dos Estados que tem se destacado no apoio aos APLs. Em abril, o Estado fechou um acordo com o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) com o objetivo de financiar ações conjuntas realizadas pelas empresas ligadas aos APLs. No total, serão destinados US$ 16,7 milhões, sendo US$ 10 milhões do BID, US$ 1 milhão do governo estadual e US$ 5,7 milhões da Federação das Indústrias do Paraná e do Sebrae. É um acordo semelhante ao realizado em 2006 pelo governo da Bahia com o BID e já pleiteado também por São Paulo e Minas Gerais.

O governo paulista, informa Américo Pacheco, prepara para o segundo semestre o envolvimento do Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT) no apoio aos APLs do Estado, por meio dos programas Progex, de adequação técnica a exportação, e Prumo, com unidades móveis que levam suporte tecnológico ao pequeno empresário, onde ele estiver instalado.

O Ministério do Desenvolvimento acompanha 142 dos 957 APLs instituídos no país e a meta é ampliar gradativamente o número de arranjos produtivos acompanhados, podendo dobrar o número já em 2008.

Segundo Cândida Cervieri, diretora do Departamento de Micro, Pequenas e Médias Empresas do ministério, outra meta é estimular os empresários ligados aos arranjos produtivos a desenvolverem estratégias de longo prazo. O estágio atual na maioria dos APLs, segundo a executiva, é o de buscar soluções pontuais. "O próximo passo é pensar o que eles querem ser em 10, 20 anos", afirma.

Uma das principais vantagens disponíveis para uma micro ou pequena empresa que adere a um bem estruturado Arranjo Produtivo Local (APL) é contar com maior facilidade no acesso ao crédito. Três bancos se destacam nas operações com os APLs: Bradesco, Banco do Brasil e Caixa Econômica Federal.

O Bradesco tem parceria com 173 arranjos produtivos, nos quais atende 15.744 empresas. A meta é ampliar esta parceria em 30% ao ano, informa o diretor de empréstimos e financiamentos do banco, Josué Augusto Pancini.

Com experiência na concepção e planejamento de APLs, o economista e administrador Silas Lozano Paz, especialista em projetos de competitividade da Fiesp, afirma que a ordem é enxergar o vizinho como colega - e não como inimigo - e aproveitar a união para atrair para a região fornecedores e distribuidores especializados, escolas técnicas para capacitação de mão-de-obra e elaborar projetos conjuntos que favoreçam toda cadeia produtiva. "O APL é a melhor ferramenta de desenvolvimento industrial regional que existe. Por um lado, ela estimula o crescimento e a competitividade das Micro e Pequenas Empresas (MPEs), que ganham experiências, flexibilidade e escala produtiva. Por outro, ajuda a gerar emprego, salário e renda, respeitando as vocações e competências da região".

Se a inspiração continuar sendo os clusters italianos, os arranjos produtivos brasileiros podem aspirar a um futuro promissor. Na Itália, os pequenos empresários reunidos em clusters respondem por 10% do PIB e um terço das exportações do país.