Título: Leão de olho nos exclusivos
Autor: Monteiro, Luciana e Pavini, Angelo
Fonte: Valor Econômico, 29/05/2007, EU & Investimentos, p. D1

AReceita Federal apertou o cerco aos ganhos com ações de alguns clientes de alta renda que estavam se aproveitando de uma brecha legal para adiar o pagamento de imposto na venda de ações. A operação funcionava da seguinte forma: um cliente tinha ações que comprou há muito tempo a R$ 100, por exemplo, e que hoje valem R$ 150. Ele procurava um banco - ou era procurado - e colocava esses papéis em um fundo de investimento exclusivo. Ao fazer o aporte em ações, e não em dinheiro como é o mais comum, usava o valor de compra dos papéis, ou R$ 100. Depois, o fundo podia vender os papéis por R$ 150 e o imposto só seria pago quando o investidor resgatasse as cotas. Enquanto isso, podia girar a carteira.

A Receita pôs fim a essa brecha na sexta-feira e, por meio de um Ato Declaratório nº 7, deixou claro que os investidores precisam fazer a integralização das ações no fundo de investimento a preço de mercado. Isso quer dizer que os clientes terão de pagar imposto de 15% sobre os ganhos já no momento que colocarem esses papéis no fundo. Se o cliente comprou a ação a R$ 100 e hoje o papel vale R$ 150, ele terá de pagar 15% sobre a diferença, de R$ 50. O problema é que esses clientes tinham grandes volumes em jogo e adiar o pagamento do IR, era um um grande negócio.

Não havia uma regra que vedasse esse tipo de operação, diz Samir Choaib, do escritório Choaib, Paiva e Justo Advogados. "Com o ato declaratório, ficou claro que a integralização das ações em cotas tem de ser feita pelo valor dos papéis hoje no mercado financeiro e, com isso, quem já fez da outra maneira corre o risco de ser autuado", conta o advogado. "E muita gente fez pelo valor de custo", diz.

O ato declaratório não é uma nova lei e sim uma explicação de uma regra que, em tese, já existia, explica Francisco Lemos, do Cepeda, Iglesias, Avino e Bandeira de Mello Advogados. "O risco de quem fez isso pelo custo de aquisição existe e, numa ação de fiscalização, a Receita poderá reclamar os valores num prazo retroativo a cinco anos", diz. Segundo ele, antes, a interpretação era a de que havia duas formas de integralização das ações, a preço de mercado ou de custo, e a opção era do cliente.

Um administrador de recursos conta que estava em pleno processo de transformação das ações de um cliente em fundo de investimento quando recebeu a notícia da Receita. O investidor tinha ações compradas por R$ 4 milhões e hoje esses papéis valem mais de R$ 29 milhões. Só de imposto de renda, portanto, o cliente teria de pagar mais de R$ 3 milhões. "Como as ações já se valorizaram bastante, ele gostaria de se desfazer dos papéis, mas postergar o pagamento de imposto", diz o administrador. Segundo esse executivo, vários escritórios de advocacia deram pareceres favoráveis à operação.

Pelo sim, pelo não, alguns bancos exigiam uma carta assinada pelo cliente assumindo a responsabilidade se houvesse depois imposto ou multa pela Receita. Diversos bancos até ficaram tentados a oferecer a estratégia, mas desistiram diante do risco de desgaste diante do cliente.

A decisão da Receita cria uma situação delicada para o investidor, que pode ter de pagar imposto sobre um ganho que não aconteceu efetivamente, alerta José Eduardo Carneiro Queiroz, do escritório Mattos Filho Advogados. Ele lembra que, ao integralizar as ações no clube ou fundo, o investidor ainda não realizou o lucro. Se mais adiante a ação cair de valor e ele vender, terá pago um imposto sobre um ganho que não obteve. Ele diz que havia muita procura por esse tipo de operação no mercado.

A Receita divulgou também na sexta-feira a Instrução Normativa 742, sobre aluguel de ações, apenas regulamentando as práticas já adotadas pela Companhia Brasileira de Liquidação e Custódia (CBLC), diz Wagner Anacleto, gerente de controle de risco da instituição. "Apenas foram confirmados os procedimentos adotados desde 1996", explica. O texto deixa claro que, sobre o aluguel pago ao investidor, há imposto de renda como de uma aplicação de renda fixa, pela tabela regressiva, de acordo com o prazo, 22,5% até seis meses, 20% de seis meses a um ano, 17,5% de um ano a dois e 15% acima de dois anos. "Quem empresta as ações recebe um juro, hoje na média de 4,27% ao ano, e que pode ser pago em dinheiro mensalmente ou no fim da operação, quando quem tomou as ações emprestadas as devolve ao dono", diz Anacleto. O valor do aluguel é pago já descontado o IR e, em 99% dos casos, somente no vencimento.

A instrução teve o mérito de esclarecer a maior dúvida dos investidores, que era sobre os dividendos e distribuição de juros sobre capital. Quem recebe o dividendo é quem está com a ação quando ele é pago, ou seja, o "inquilino" da ação, explica Anacleto. "O dono original vai receber, no fim da locação, um reembolso equivalente a esse dividendo, que não pode ser tributado", diz.

A expectativa é de que o volume de aluguel de ações dobre este ano em relação ao anterior, diz Anacleto. Em 2006, foram R$ 109 bilhões e, neste ano, R$ 84 bilhões até dia 25 de maio. A grande oferta de ações fez a taxa no aluguel cair de 4,43% em maio do ano passado para 3,17% em abril deste ano, voltando a subir este mês para 4,27%. Hoje, as posições de aluguel em aberto chegam a R$ 16,6 bilhões.