Título: Indústria faz ofensiva na visita de Lula à Índia
Autor: Leo, Sérgio
Fonte: Valor Econômico, 28/05/2007, Brasil, p. A6

Sob a cobertura política da visita de Estado do presidente Luiz Inácio Lula da Silva à Índia, no início da próxima semana, empresários brasileiros começam uma ofensiva ao mercado do país, que foi eleito pelos especialistas da Confederação Nacional da Indústria (CNI) como "prioridade" para o comércio exterior brasileiro. Com um mercado potencial de US$ 100 bilhões, uma economia que tem crescido em média 8% nos últimos três anos e planos para investir US$ 120 bilhões em infra-estrutura entre 2007 e 2012, a Índia passou a ser vista como alvo preferencial para o setor privado brasileiro.

"A retórica geopolítica pode ter encoberto, no Brasil, a percepção da importância econômica que a Índia tem para nós", analisa o secretário-executivo da CNI, José Augusto Fernandes. "Mas, nesses últimos dois anos, a Índia entrou firme no noticiário e tem aumentado o interesse do setor privado por esse mercado", comenta.

Durante a visita de Lula, haverá um seminário e oficinas de negócios para os mais de 80 empresários integrantes da missão presidencial, e será criado um "Fórum de CEOs", um grupo de consulta com os empresários mais importantes dos dois países, para facilitar investimentos e comércio bilaterais. Deverá ser presidido por uma estrela do mundo dos negócios mundial, o presidente do grupo Tata, Ratan Tata, cujas 96 empresas produzem de chá a automóveis, e têm um valor de mercado superior a US$ 57 bilhões.

Do ponto de vista do governo, a viagem de Lula à Índia servirá para confirmar a crescente aliança entre os dois países, em temas que variam da discussão na nova rodada de liberalização da Organização Mundial de Comércio (OMC) à busca por um assento permanente no Conselho de Segurança das Nações Unidas, e iniciativas como o acordo de cooperação entre os dois países e a África do Sul, conhecido como Ibas, que prevê até ação conjunta de ajuda a países mais pobres. "Vamos discutir principalmente nossas alianças políticas e a negociação na OMC", resume o assessor internacional de Lula, Marco Aurélio Garcia.

"Somos parceiros em várias inciativas multilaterais, e temos muitas áreas para trabalhar e cooperarmos", afirma o ministro de Relações Exteriores, Celso Amorim, que inclui uma possível colaboração em tecnologia nuclear de uso pacífico entre os temas que poderão ser tratados pelos presidentes.

A discussão sobre uma possível reativação do acordo de cooperação nuclear entre Índia e Brasil está em um estágio inicial, de sondagens de parte a parte. "O Brasil tem acordos de salvaguarda que respeitará de maneira absoluta", ressalva Amorim. Um acordo de cooperação nuclear entre os dois países foi cancelado pelo governo brasileiro, na gestão Fernando Henrique Cardoso, após a detonação da primeira bomba nuclear pelo governo indiano. O recente acordo nuclear anunciado entre Estados Unidos e Índia abriu caminho, porém, para que outros países rompam o isolamento da Índia nessa área, gradualmente.

"Áreas como medicina nuclear, isótopos para conservação de alimentos são áreas que podem ser exploradas, ninguém fará bomba com isso", comenta o ministro. Qualquer avanço nessa área depende ainda de contatos entre as autoridades nucleares dos dois países, informa ele. Não se espera qualquer decisão ou anúncio sobre o tema durante a visita de Lula.

Já no campo comercial, o Brasil tenta convencer os indianos a ampliar o acordo de preferências comerciais entre Mercosul e Índia, hoje limitado a apenas 900 produtos, com redução limitada de tarifas de importação. Os indianos se queixam de que o Brasil foi o único país, até agora, a não ratificar o tratado no Congresso, o que impede qualquer negociação para ampliar o alcance da liberalização comercial entre os dois países. O Itamaraty fez gestões no Congresso, para tentar a aprovação do acordo antes da viagem de Lula, mas, segundo informam os assessores de Amorim, a pauta de medidas provisórias acumulada no Legislativo, e a crise política frustraram essa expectativa.

"Em relação à Índia, o setor privado brasileiro tem uma agenda de demandas, queremos mais ambição no acordo comercial com eles", comenta José Augusto Fernandes, da CNI. O acordo assinado em 2004 só reduz a zero as tarifas para 3% dos produtos comercializados entre Mercosul e Índia, reduz em 20% as tarifas para 10% dos produtos e em 10% para 87% das mercadorias. "É um número limitado, com margens não muito expressivas de preferências comerciais", avalia o diretor-executivo da CNI. "É insuficiente para ter impacto expressivo no comércio".

Segundo empresários e o Itamaraty, que têm realizado estudos de inteligência comercial sobre as perspectivas da Índia, há fortes oportunidades para comércio de produtos como óleo de soja, minério de ferro, couro, celulose e papel e produtos da indústria automotiva, entre outros. O acordo no setor de biocombustíveis, um dos principais pontos da visita de Lula, abre caminho também para as indústrias brasileiras exportadoras de equipamentos para produção de álcool.

Apesar do forte protecionismo da Índia, país com com uma alíquota média de 36,9% para os produtos agrícolas e uma tarifa máxima de 182%, quase cinco vezes mais que a do Brasil, o comércio entre os dois países teve forte expansão desde 2004, ano em que os indianos receberam a primeira visita de Lula.

A aproximação comercial foi mais favorável à Índia, porém: as vendas do país ao mercado brasileiro expandiram-se continuamente, e saíram de US$ 556 milhões em 2004 para US$ 1,47 bilhão no ano passado; as exportações brasileiras para lá passaram de US$ 652 milhões para US$ 1,14 bilhão em 2005 e caíram para US$ 937 milhões em 2006. O resultado foi um crescente saldo negativo, para o Brasil, de US$ 537 milhões.