Título: Uma queda das ações afeta pouco a economia chinesa
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Fonte: Valor Econômico, 28/05/2007, Política, p. A11

Os chineses consideram quatro um número muito azarado (pois, em mandarim, a palavra soa como morte). O número 4.444 é, portanto, muitíssimo azarado. Então, suponhamos que esta semana o índice da Bolsa de Xangai de ações classe A feche o pregão em 4.444 pontos (estava em 4.375 na sexta), o que é bem possível, em vista da alta de 258% desde o início de 2006. Será que isso amedrontaria suficientemente os investidores a ponto de causar um estouro na bolha dos preços das ações no país?

Isso com certeza impressionaria mais os chineses do que o pacote de medidas anunciado pelo banco central em 18 de maio: alta das taxas de juros e do depósito compulsória dos bancos e um alargamento da banda cambial diária do yuan frente ao dólar de 0,3% para 0,5%. Essa decisão foi em boa parte um gesto simbólico, anunciado dias antes do segundo Diálogo Econômico Estratégico entre China e EUA. Isso não significa um ritmo mais rápido de valorização, pois o yuan nunca atingiu seus limites de variação antes; dentro da antiga banda, a moeda poderia ter subido muito mais do que o fez.

Por outro lado, a decisão do BC de elevar os rendimentos dos depósitos mais do que os juros sobre os empréstimos concedidos sinalizou claramente que seu objetivo é esfriar o mercado acionário, tentando desestimular a migração de poupança depositada em bancos para o mercado acionário, em vez de estrangular a economia real. O mercado, porém, mais uma vez ignorou o aperto e se manteve em alta. Isso não surpreende, pois os juros continuam ridiculamente baixos: o juro básico para depósitos de um ano subiu para 3,06%, mas, com isso, o juro real, depois dos impostos, continua negativo.

Algo peculiar sobre o mercado acionário chinês é que autoridades, o BC, a mídia, bancos de investimentos, sem falar em Li Ka-shing, o mais rico magnata de Hong Kong, bem como Alan Greenspan, ex-presidente do Fed (o banco central dos EUA), todos advertiram que os indícios sugerem uma bolha de investimentos. Isso contrasta com a maioria das bolhas, especialmente a da internet e a do mercado habitacional americano, quando a maioria das autoridades e dos financistas continuavam negando e negando, até que o estouro de fato ocorreu. As ações de empresas chinesas parecem, sem dúvida, caras, com uma proporção média preço/lucro (p/l) igual a quase 50 (confrontada com uma evolução histórica dos lucros). Mas, as relações p/l são de difícil interpretação quando os lucros estão crescendo tanto. Nos últimos dez anos, a relação p/l na China foi, em média, 37, ou seja, muito maior que em outros países. Segundo o Goldman Sachs, as empresas com ações negociadas no mercado de ações classe A tiveram crescimento médio de 82% nos lucros no ano até o primeiro trimestre. Vale ainda notar que a recente alta na China veio após muitos anos de declínio. A China teve o pior desempenho entre as economias do Bric (Brasil, Rússia, Índia e China) desde 2003, quando começou o mercado altista global.

Aceitemos por ora que essa alta seja de fato uma bolha de investimentos, e que ela, com o tempo, exploda; qual seria o impacto sobre a economia chinesa? Os jornais estão cheios de matérias sugerindo que todo mundo - de estudantes a aposentados, de faxineiros a taxistas - está jogando na bolsa. Se for verdade, um colapso nos preços das ações arrastaria consigo a economia inteira. Mas o mercado acionário chinês ainda é relativamente pequeno, de modo que as oscilações de preços - para cima ou para baixo - têm menor impacto sobre o consumo do que em outros países. Apesar do forte crescimento nas compras de ações neste ano, só 7% da população está na bolsa, estima Hong Liang, economista do Goldman Sachs, contra cerca de 50% dos americanos.

O valor total das ações negociáveis (ou seja, excluindo as em poder do governo) é equivalente a apenas 25% do Produto Interno Bruto (PIB). A capitalização total do mercado é de quase 80% do PIB. Em comparação, essa capitalização relativa é de 150% nos EUA e superior a 100% na Índia . E, segundo artigo na mais recente edição da "China Economic Quarterly", uma grande parte das ações negociáveis está, na realidade, nas mãos de empresas estatais e agências do governo, de modo que a verdadeira exposição das pessoas físicas é ainda menor.

Oscilações nos preços das ações afetam uma economia de duas maneiras principais. A primeira é pelo "efeito riqueza": a alta nos preços das ações anima os consumidores a gastar mais; eles depois apertam os cintos quando os preços das ações despencam. Quando os preços das ações nas bolsas chinesas perderam 55% de seu valor, entre 2001 e 2005, os gastos dos consumidores e o crescimento do PIB continuaram robustos. Hoje há mais acionistas, mas as participações ainda são pequenas. Ações correspondem a menos de 15% dos ativos financeiros totais das famílias chinesas, contra 50% no caso das famílias americanas (incluindo investimentos em fundos de pensão). Nos EUA, a alta explosiva nos preços das ações no fim da década de 90 fez com que as pessoas pensassem que não precisavam mais poupar, mas na China há escassos sinais, nos últimos 12 meses, de que as pessoas estejam poupando muito menos; o boom nas vendas do varejo praticamente acompanhou o crescimento mais rápido da renda. Se os consumidores não gastaram seus ganhos de capital, então um declínio nos preços das ações também não deverá produzir grande impacto.

O segundo modo pelo qual o preço das ações costuma afetar a economia é o custo do capital. Ações mais caras tornam mais barato, para as empresas, levantar financiamento - e com isso elas investem mais. Mas é pequena a proporção das empresas chinesas com ações em bolsa, e são essas as que mais recorrem a financiamento interno. Cerca de 60% do investimento do setor privado vêm do lucro das próprias empresas; outros 20%, de empréstimos bancários; a emissão de ações responde por só 10% dos investimentos. Um colapso do mercado acionário, portanto, não terá grande impacto nos investimentos empresariais.

O impacto econômico direto de uma queda no preço das ações chinesas seria, assim, pequeno. Alguns efeitos indiretos poderão ser maiores. Por exemplo, o impacto psicológico de uma forte onda de venda de ações poderia comprometer gravemente a confiança do consumidor. As autoridades chinesas estão nervosas com o risco de instabilidade político-social, com estudantes revoltados, que apostaram o dinheiro de suas bolsas de estudos em ações, ou aposentados que nelas torraram as economias de uma vida. Outra ameaça indireta é o impacto de um colapso das ações chinesas em outros mercados. A queda de 9% nas ações chinesas em fevereiro causou uma breve onda de vendas de ações em todo o mundo. Em vista do estado efervescente de muitos mercados financeiros mundiais, um colapso generalizado na China poderia, portanto, causar mais danos no exterior do que internamente. Instabilidade financeira poderá ser o próximo, indesejado, produto de exportação chinês. (Tradução de Sergio Blum)