Título: Congresso garantiu ano positivo para as reformas
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 27/12/2004, Política, p. A

O Congresso foi mais moroso que de costume em 2004, mas com o arrastão tradicional de fim de ano, deu ao governo seu beneplácito a reformas importantes. Mas 2005 será um ano preparatório para as eleições presidenciais e a pauta do Congresso estará menos congestionada, embora encontre um ambiente mais polarizado, o que por si só já dificultará a aprovação de medidas polêmicas. Não é exagerado dizer que o grosso das reformas possíveis do atual governo já foi aprovado e que a tarefa de passar pelo Congresso as que faltam será mais lenta, mais sujeita a negociações e de sucesso incerto.

Boa parte das medidas sancionadas pelo Congresso aprimora o marco institucional do país e amplia o grau de confiabilidade nos contratos. A reforma do Judiciário, se aplicada de fato, é o começo da solução para a incrível morosidade da Justiça e um bom sinal para o futuro. Ela vai encurtar o caminho para o julgamento final dos processos e provocar um curto-circuito na indústria de liminares e de recursos que fazem com que se acumule, apenas nas varas federais, milhões de processos na fila das decisões. Na mesma linha, com menor abrangência, vai a nova lei de falências, cujos dispositivos podem encurtar o prazo de agonia de credores de empresas em difícil situação financeira e dar mais chances de que as companhias continuem em operação até que passem para outras mãos e preservem patrimônio e empregos.

Após muitos tiroteios, o projeto de Parceria Público-Privada sobreviveu, com regras muito melhores do que as que o governo originalmente previa. Embora não seja a solução mágica para os investimentos em infra-estrutura, que dependem mais da confiança que empresários e investidores depositem no governo - fácil de perder, muito difícil de conquistar - as PPPs garantem transparência e responsabilidade fiscal, ao fixar normas e limites claros para gastos dela decorrentes.

A agenda para 2005, excetuando-se os projetos em tramitação, é uma incógnita. Dificilmente o governo insistirá na segunda fase da vital reforma tributária, que trata da unificação do ICMS. A probabilidade de que ela prospere, nos preâmbulos da campanha presidencial, é próxima de zero.

O projeto das agências reguladoras está no limbo e enfrenta forte oposição à tentativa explícita do Executivo de domesticá-las e atrelá-las. Parte do governo parece ter consciência de que a centralização pretendida não cria alicerces firmes para o marco regulatório e pode criar insegurança para os investimentos, ao contrário de lhes dar garantias legais. Mas não parece difícil, caso o governo demonstre vontade, aprová-lo no próximo exercício. O importante pacote de leis que complementa a reforma do Judiciário, que trata dos procedimentos penais que visam a agilizar os julgamentos e impedir protelações excessivas, tem um razoável consenso prévio e pode passar pelo Congresso.

Dificilmente esse será o caso de outros projetos, como o da independência do Banco Central, que encontra oposição cerrada dentro do próprio PT. O marco regulatório do saneamento segue o mesmo caminho e deve continuar empacado por mexer no vespeiro de prefeitos e governadores na polêmica questão da titularidade das concessões. O esboço de projeto do Executivo foi considerado insuficiente e não se sabe quando, ou se, um outro será levado ao Congresso.

As reformas no mundo do trabalho terão possivelmente de esperar um novo mandato. O governo desistiu da reforma trabalhista e a reforma sindical, que traz forte majoração nas contribuições sindicais, tem a seu favor o lobby das associações dos trabalhadores, mas é vista sem nenhum entusiasmo pelas organizações patronais, o que promete uma tramitação lenta e significativa oposição parlamentar.

Da mesma forma, será muito difícil que a equipe econômica leve adiante sua proposta de desvincular do salário mínimo os benefícios da Previdência. Além disso, ela provavelmente não precisará da aprovação do Congresso para começar a cortar o crédito direcionado, tido como um dos fatores que mantém o spread bancário elevado, mas a idéia é muito polêmica e precisaria ter pelo menos o governo como um todo a encampá-la, o que está longe de ser algo garantido.

2005 pode ser um ano legislativo pobre, pois parte das reformas relevantes, como a tributária e a trabalhista, estará afastada de cena. O balanço das reformas indica que houve avanços inegáveis, mas ainda insuficientes. O quanto esse processo pode avançar no próximo ano dependerá dos interesses dos partidos, já guiados pelo faro eleitoral.