Título: Mudança na gestão da FGV provoca polêmica
Autor: Giardino, Andrea
Fonte: Valor Econômico, 28/05/2007, EU & Investimentos, p. D6
A Fundação Getulio Vargas vive um importante momento de reestruturação em seu modelo de governança. Com planos de unificar ainda mais a gestão das seis escolas, consideradas deficitárias, o atual presidente Carlos Ivan Simonsen Leal, decidiu fazer valer suas normas estatutárias, passando a ter maior controle sobre a Escola de Administração de Empresas de São Paulo (Eaesp), uma das mais tradicionais do país. "A fundação é uma só e precisamos acabar com o excesso de corporativismo que existe hoje", afirma.
O fato mais recente e que vem provocando reações acaloradas foi a decisão de acabar com as eleições para diretor na Eaesp, processo utilizado desde 1954 pela Congregação - órgão que reúne professores, alunos e funcionários - com a utilização de uma lista com três candidatos. Após assembléia, em portaria publicada no último dia 17, Leal indicou o nome do professor Francisco Mazzucca, ex-diretor da escola e que exercia a função de representante do presidente da FGV, para substituir Fernando Meirelles, que fica até 15 de junho no cargo. Ele será responsável por conduzir interinamente, por cerca de seis meses, esse processo de transição para o novo modelo de governança.
A partir do próximo ano, a escolha do dirigente acontecerá por meio de um comitê de busca - do qual participarão três representantes convidados pelo presidente da FGV, possivelmente empresários que estudaram na instituição e dois alunos da Eaesp -, modelo adotado em várias universidades americanas. "Vejo com preocupação essa medida", contesta o senador do PT-SP, ex-aluno e professor da escola há 40 anos, Eduardo Suplicy. "Os problemas poderiam ser resolvidos de outra forma, sem deixar esse clima de instabilidade desnecessário entre professores, alunos e funcionários", dispara.
Contrário à decisão, que considera arbitrária por ferir os princípios democráticos, o parlamentar afirma ter sido pego de surpresa, assim como alguns de seus colegas docentes. "Um grupo chegou a visitar o Carlos Ivan Leal e a conversa parecia caminhar para um diálogo razoável. Quando de repente soubemos da portaria".
Ruy Baron/Valor Para Suplicy, que leciona há 40 anos na Eaesp, o fim das eleições é preocupante Na sua opinião, a decisão não deve interferir no padrão de excelência da escola, reconhecida como uma das melhores no ensino de administração do país. "Só acredito que compromete a trajetória histórica que a Eaesp construiu de liberdade acadêmica".
Já para o ex-professor e diretor Michael Paul Zeitlin, que foi demitido ano passado durante um corte de custos, a questão está na estratégia da fundação, mais focada na questão financeira. "Nós sempre nos preocupamos com a qualidade do ensino. Não concordamos com essa proliferação de cursos com a marca FGV por todo o país, da forma que vem sendo feita", critica.
Zeitlin, assim como muitos professores, rejeita a parceria que a FGV tem fechado com uma série de instituições de ensino espalhadas pelo Brasil. "Nem todas são boas. Costumo falar que eles deveriam ter seguido a estratégia do grupo Accor, que para cada público que deseja atingir, adota uma bandeira diferente. Assim, deveria ter sido criada uma marca diferente da Fundação Getulio Vargas".
Outro professor da escola avalia a mudança como um processo que envolve centralização, mas sem grandes efeitos negativos. O fim da eleição, que é uma prática forte culturalmente na história da Eaesp, deve interferir na identidade da organização. "A mudança pode, de uma certa forma, significar modernização. A eleição, na verdade, não é uma prática comum em escolas americanas. Na maioria, o reitor é escolhido", defende. "Apesar de ser comum lá fora, aqui essa prática se choca com a tradição da Eaesp e os mais antigos se ressentem".
Apesar de afirmar que São Paulo tomou um outro caminho, mais orgânico e autônomo, na hora de expandir seus cursos executivos (GVpec), diferente do Rio que cresceu com convênios, ele acha que as mudanças ainda são uma grande incógnita. "Tem muita gente incomodada, mas são coisas que poderiam acontecer em qualquer empresa", avalia. Sem saber ao certo como será o futuro, o diretor do programa de educação executiva da Eaesp, o GVpec, professor Jacques Gelman, não vê entraves na relação daqui para frente. "Sempre acho que mudanças são positivas".
Em meio a esse cenário, caberá a Mazzucca auxiliar a escola nessa reorganização da infra-estrutura de governança da fundação. Sua missão será traduzir as novas diretrizes definidas pelo conselho. De acordo com Mazzucca, a base da reforma é desenhar um plano estratégico envolvendo todas as unidades da FGV, com programas financeiros de médio e longo prazo, produzindo relatórios anuais dos resultados. "Queremos acompanhar o que cada uma faz e quanto precisam para bancar seus projetos relevantes. Assim, conseguiremos mapear as áreas que têm excedente de recursos e realocar os investimentos", explica. "É nossa meta ter uma gestão eficiente".
Hoje, duas áreas geram caixa para a fundação, a de educação executiva e a de consultoria. Juntas, elas respondem por 60% do orçamento da FGV. Elas cobrem a parte deficitária dos programas de geração de bens públicos, como os cursos de "stricto sensu" (mestrado e doutorado) - pouco rentáveis para a FGV- , as pesquisas econômicas feitas pelo do Instituto Brasileiro de Economia (IBRE) e a divulgação de índices financeiros. "A reforma tributária de 1966 acabou com a verba orçamentária que recebíamos do governo. Somos uma instituição privada, sem fins lucrativos, mas que precisa de recursos", ressalta Leal.
A idéia é integrar os programas da Eaesp aos do Instituto de Desenvolvimento Educacional (IDE), unidade que tem como guarda-chuva os cursos corporativos, de pós-graduação lato-sensu (incluindo os MBAs e os de curta duração) e ensino a distância, programas de certificação de qualidade para graduação e a central de qualidade. Sinergia que já acontece entre as escolas de direto e economia de São Paulo e do Rio, segundo Clovis de Faro, diretor da FGV.