Título: Força concentrada
Autor: Ribeiro, Ivo
Fonte: Valor Econômico, 28/05/2007, Caderno Especial, p. F1

Basta dar uma breve olhada nos balanços dos últimos anos das companhias siderúrgicas para perceber a exuberância de seus resultados. A pergunta é: essa bonança da indústria do aço, que movimenta 1,2 bilhão de toneladas e receita na casa de US$ 800 bilhões por ano, vai perdurar por quanto tempo? O setor, no mundo, vive um dos mais longos ciclos de alta de demanda e dos preços de seus produtos, desde meados da década de 70.

Alguns exemplos estão aqui mesmo no Brasil. E um retrato disso é a valorização das ações das empresas. Com sua volta ao lucro, os papéis da Acesita, fabricante de aços especiais, subiram 250% desde o fim de 2005. A empresa tinha elevada dívida; hoje praticamente não deve nada e é uma das mais rentáveis no negócio de aço inox da Arcelor Mittal. As ações da Usiminas tiveram alta de 202% no mesmo período por conta de sua recuperação. Em 2002, seu nível de endividamento consolidado atingia sete vezes o resultado operacional. Agora, é zero.

Os papéis de Arcelor Brasil (CST e Belgo) subiram 191%; os da Gerdau, que têm feito contínuas aquisições de ativos nas Américas, 166%, e os da CSN, 220%. As ações da Aços Villares alcançaram expressivos 299% de alta.

A China é apontada como o motor dessa locomotiva. Impulsionado pelo forte crescimento da sua economia, o país surgiu, de forma mais visível a partir de 2003, como um consumidor voraz de matérias-primas de toda ordem: do aço à soja, passando por celulose, cobre, alumínio, níquel, minério de ferro, carvão, entre outras, para suprir suas indústrias e atender seu boom imobiliário e de infra-estrutura. Os preços desses produtos alcançaram níveis históricos de altas e a perspectiva é que a demanda do país vai se manter firme por mais um bom tempo.

Esse cenário trouxe novo alento à indústria do aço, que estava mergulhada em profunda crise nos Estados Unidos - com dezenas de casos de concordata - e com dificuldades de competir em outras regiões do mundo. A Europa deu o primeiro passo no processo de consolidação de ativos, desde meados dos anos 90, na busca de fortalecimento de suas empresas.

A capitalização das siderúrgicas a partir de 2003 deslanchou nova onda de fusões e aquisições no setor e esse processo, que trouxe algumas surpresas, é irreversível, avalia Luiz André Rico Vicente, presidente do Instituto Brasileiro de Siderurgia (IBS) e vice-presidente executivo da Gerdau Açominas. A maior das surpresas foi a oferta hostil de compra da Arcelor, segunda no ranking mundial, pela agressiva Mittal Steel, a líder, numa operação superior a US$ 30 bilhões. "Mudou o paradigma da indústria do aço no mundo", diz Rico Vicente.

Há, na avaliação dos empresários, uma forte justificativa para esse movimento, cujo último grande negócio foi a aquisição da Corus pela indiana Tata Steel por US$ 13 bilhões em janeiro: o desequilíbrio de forças frente ao de seus fornecedores de minério de ferro e carvão e seu principal cliente, a indústria automotiva. Rinaldo Campos Soares, presidente da Usiminas, que amanhã assume o comando do IBS, lembra que as três maiores mineradoras de ferro (Vale do Rio Doce, Rio Tinto e BHP Billiton) dominavam, até 2005, 78% do mercado mundial desse produto, enquanto as cinco maiores montadoras representavam quase 60%. "Os dez maiores do aço tinham só 27%", aponta.

Para Soares, a tendência é que o setor vai continuar a buscar mais consolidação para se fortificar. Com o caixa acumulado nos últimos anos, as empresas estão com bala na agulha, embora o encarecimento dos ativos seja evidente a cada nova transação. O jogo fica cada vez mais acirrado, comenta André Gerdau Johannpeter, presidente do grupo Gerdau, que na sexta-feira fechou mais uma operação, ainda que pequena, dessa vez na América Central.

"Não está fácil, porque os ativos estão escasseando e muito caros". André Gerdau informa que os valores pagos - os chamados múltiplos de Ebtida, indicador do resultado operacional de uma companhia - duplicaram nos últimos três anos. "Pagava-se quatro ou cinco múltiplos; agora, já chegam a nove".

Com base em dados compilados por várias fontes, como o banco Morgan Stanley, Soares informa que o uso do caixa acumulado pelos dez maiores grupos em 2005 foi superior a US$ 130 bilhões.

A análise é que o maior uso de caixa pelos grupos intensificará o processo de fusões e aquisições, levando os dez maiores grupos a deter por volta de 40% da produção mundial em 2010. Pelo menos duas gigantes teriam capacidade de produzir cada uma acima de 100 milhões de toneladas/ano e quatro acima de 50 milhões. Esse movimento, que pulveriza geograficamente os ativos, teria ainda a vantagem de fazer uma regulação da oferta em períodos de alta de estoques e queda de demanda nos principais mercados.

É uma forma de evitar a depreciação dos preços do aço que, na visão de Soares e de outros empresários e executivos do setor, não mostram sinais de voltar a níveis críticos, como em 2001 e 2002.

Como fica o Brasil nesse cenário? Para o especialista Germano Mendes de Paula, professor-doutor da Universidade Federal de Uberlândia, a posição da siderurgia brasileira é razoavelmente confortável, dado os baixos custos, a boa capacitação gerencial e os esforços já realizados em termos de internacionalização. No médio prazo, com a tendência da redução das taxas de juros praticadas no Brasil, esse fator tende a minorar uma das maiores fragilidades competitivas do setor: os custos financeiros mais elevados do que os pagos por suas congêneres.

O especialista lembra, entretanto, que apesar de as empresas brasileiras terem feito o "dever de casa" no período pós-privatização, não há como negar que será necessário aprofundar suas estratégias de internacionalização. "O grande desafio é colocar um pé na siderurgia asiática, que vale a pena lembrar, tem sido pouco receptiva aos investimentos estrangeiros provenientes de outras regiões", afirma.

A possibilidade de união de empresas no Brasil existe mas é uma questão em aberto, porque depende principalmente dos interesses de seus controladores e de possíveis restrições dos órgãos de defesa da concorrência, avalia o presidente da Usiminas, que em muitos momentos defendeu essa posição como solução para o país ter um grupo forte. O que ocorre é que tanto Gerdau, Usiminas e CSN estão capitalizadas e cada uma delas tem sua própria estratégia, seja no Brasil ou no exterior.

A produção de aço no país, que tem patinado no patamar de 30 milhões a 33 milhões de toneladas, conforme informações do IBS, poderá alcançar 50 milhões de toneladas em 2010, com projetos anunciados por novos entrantes. É o caso do grupo alemão ThyssenKrupp, que constrói uma usina de 5 milhões de toneladas no Rio. Há ainda expansões de capacidade na Gerdau Açominas, Usiminas, Aços Villares e novas usinas anuncias pela CSN (Itaguaí) e grupo Votorantim (Resende), ambas no Rio, e pelo grupo francês Vallourec - nova fábrica de tubos em Minas.

De 2006 a 2010, o setor prevê investir US$ 15,2 bilhões, de acordo com números do IBS, fornecidos e anunciados pelas empresas. Desde a privatização, em 1994, o total soma US$ 34 bilhões - nos dez primeiros anos foi prioritariamente concentrado na modernização das empresas.

Um desafio a ser superado no Brasil, lembra Rico Vicente, é a elevação do consumo de aço, ainda muito baixo (100 kg por habitante). Foram 18,5 milhões de toneladas em 2006. "Só com crescimento econômico sustentado e investimentos em infra-estrutura e na construção civil vamos conseguir isso", diz. Caso contrário, o país corre risco de ser um fornecedor mundial de produtos semi-acabados e dependente da exportação. Hoje, eles já representam 40% do total produzido.