Título: Consolidação ajuda a evitar depreciação excessiva de preços
Autor: Ribeiro, Ivo
Fonte: Valor Econômico, 28/05/2007, Caderno Especial, p. F10

A siderurgia brasileira é uma das mais competitivas do mundo, com parque industrial moderno, tem bom acesso às matérias-primas básicas e uma situação econômico-financeira confortável. O problema, avalia Rinaldo Campos Soares, presidente do grupo Usiminas, é que precisa exportar 40% da produção devido à estagnação da demanda brasileira em níveis baixos. Isso tem levado muitos grupos a investir fora do país para buscar novos mercados ou fazer o acabamento de material bruto feito no Brasil a custos mais competitivos, afirma o executivo, que trabalha na Usiminas desde 1971, assumiu o comando da empresa em 1990 e amanhã assume a presidência do Instituto Brasileiro de Siderurgia (IBS), para uma gestão de dois anos. Nessa entrevista ao Valor, Soares aborda, entre vários pontos, os efeitos da consolidação da siderurgia mundial, o papel da China como grande produtor e como exportador de aços e de produtos transformados.

Valor: Qual sua avaliação sobre o cenário da siderurgia mundial hoje, as mudanças nos últimos anos e como caminha para o futuro?

Rinaldo Campos Soares: A siderurgia mundial vive hoje um bom momento após quase 30 anos de muita instabilidade na qual foi, em grande parte, uma indústria destruidora de valor. Esse período foi de 1975 a 2001, quando ocorreram os dois choques do petróleo, a fragmentação do bloco soviético e houve estagnação ou decréscimo no mercado de aço das regiões desenvolvidas. Foi um período de intensas flutuações de demanda e preços, no qual havia excesso de capacidade de produção, os subsídios distorciam a competição e as barreiras comerciais limitavam o comércio. Esse processo foi revertido a partir de 2002 devido ao forte crescimento da demanda e preços alavancados principalmente pelo acelerado crescimento da China. Estamos agora no sexto ano desse novo tempo. Embora o momento mais favorável possa já ter passado, não há indicações de uma reversão significativa nos próximos anos. As estimativas do IISI [International Iron and Steel Institute] indicam, para 2007 e 2008, crescimento do consumo de 5,9% e 6,1%, respectivamente, o que elevará a demanda global para 1,25 bilhões de toneladas em 2008, 138 milhões acima do nível de 2006. No longo prazo, pelo perfil cíclico desta indústria, certamente haverá novos períodos de queda mas dificilmente retornando aos patamares de preços anteriores em razão das mudanças de estrutura tanto da siderurgia quanto dos seus fornecedores.

Valor: Qual o papel da consolidação de ativos e os efeitos dos ganhos de escala? O que deve predominar?

Soares: A consolidação dos ativos na siderurgia já vinha ocorrendo, mas se acelerou nos últimos anos. O setor tem ainda uma estrutura bastante fragmentada na comparação com seus principais fornecedores e clientes, além de produtores de alguns materiais concorrentes. Busca melhorar seu posicionamento num cenário de competição globalizada. Os ganhos de escala constituem importante motivador desse processo, mas há outros como a utilização de sinergias entre empresas, a diversificação geográfica da produção e das vendas que reduzem a exposição aos efeitos cíclicos do mercado, a especialização das usinas, além de maior capacidade de investimentos e de desenvolvimento tecnológico.

Valor: Os novos patamares de produção são gigantes. Arcelor Mittal faz 120 milhões de toneladas e já fala em 150 milhões. Como ficam os grupos em níveis bem abaixo?

Soares: O mercado de produtos siderúrgicos é bastante diversificado em termos de produtos, características regionais e estrutura dos setores consumidores. Nesse contexto, operar na faixa de 30 milhões de toneladas ao ano ou menos não compromete necessariamente a competitividade da empresa. A estrutura produtiva das empresas, sua localização face às matérias-primas e mercados e sua competência gerencial continuarão determinantes para sua competitividade e seus resultados.

Valor: Esse processo deve continuar? Qual a cara dos novos grupos por volta do ano 2010?

Soares: Sim, vai continuar. Estudo elaborado pela consultoria McKinsey, em 2004, indicava que em 2010/2012 o mundo teria no mínimo duas empresas de mais de 100 milhões de toneladas ao ano, quatro de mais de 50 milhões, cinco de mais de 30 milhões e pelo menos 10 com capacidade acima de 15 milhões de toneladas. A aceleração do processo nos últimos dois anos indica que o número de grupos em cada uma dessas faixas pode ser bem maior.

Valor: Qual sua avaliação sobre o papel da China? A Índia poderá também influir no setor no futuro?

Soares: A China vem exercendo um papel extremamente importante. O acelerado crescimento da produção e demanda de aço do país o elevou rapidamente ao posto de maior produtor mundial, com cerca de 33% do total do aço fabricado no mundo. Isso acarretou mudanças significativas não só na siderurgia como nos setores fornecedores das principais matérias-primas da produção do aço. A Índia apresenta também crescimentos expressivos e deve ocupar posição de maior destaque no cenário siderúrgico mundial, com planos de passar do atual nível de 44 milhões de toneladas para cerca de 150 milhões em 2020. Como fatores de destaque para o desenvolvimento da siderurgia nesses países cabe menção à elevada população, baixo consumo per capita de aço, taxas elevadas de crescimento econômico, boa base produtiva siderúrgica e políticas diferenciadas de apoio ao setor. No caso da Índia, devemos ressaltar ainda a disponibilidade do minério de ferro de boa qualidade.

Valor: O excedente de aço chinês no mercado é uma ameaça?

Soares: Há uma grande preocupação não só do Ocidente mas de todo o mundo quanto à posição futura da China no mercado internacional do aço. Num primeiro momento, entre 2002 e 2004 eles foram grandes importadores, contribuindo em muito para a alta dos preços no mercado. Já em 2005, começou a haver uma mudança de posição e, em 2006, ela tornou-se o maior exportador mundial, com 43,5 milhões de toneladas de produtos acabados. Diante da reação dos grandes mercados importadores, como União Européia, EUA e México, o governo chinês vem adotando medidas restritivas com eliminação de incentivos à exportação e o anúncio de políticas de médio e longo prazos para limitá-las a cerca de 8% a 10% da produção. É possível que essas medidas sejam eficazes. Mas, nos primeiros meses deste ano o que se viu foram novos recordes de embarques. Alguns países como EUA e México já entraram na OMC com queixas contra os subsídios da China e têm anunciado a possibilidade de imposição de outras sanções. A UE está negociando uma espécie de restrição voluntária. A longo prazo, a China deverá efetivamente avançar no processo de reestruturação de sua indústria e, embora continue a ser exportadora relevante, não deverá ser necessariamente um predador do mercado, limitadas por questões estruturais de sua economia. Quando se avança na cadeia produtiva, para os produtos de maior grau de transformação, há uma ameaça mais forte devido às elevadas escalas de produção e consumo do mercado chinês, ao baixo custo de sua mão-de-obra, às boas condições de financiamento do investimento e da produção além da crescente capacitação tecnológica do país.

Valor: Quais as perspectivas para o aço nos próximos três a cinco anos? O setor vive, o melhor e mais longo ciclo de demanda e preços.

Soares: As avaliações mais recentes, feitas pelo IISI e OCDE indicam boas perspectivas. Os preços podem cair um pouco mas não de forma acentuada. As mudanças estruturais observadas no setor, particularmente a consolidação, propiciam às empresas maior capacidade de ajuste da produção aos níveis da demanda, evitando assim excessiva deterioração dos preços.

Valor: Como fica a siderurgia brasileira nesse cenário?

Soares: Está bem posicionada no cenário mundial: as usinas operam com escalas e tecnologias consistentes com o estado da arte e dispõem de uma boa condição de suprimento das matérias-primas básicas. A situação econômico-financeira das empresas também é confortável o que lhes permite enfrentar em boas condições os novos desafios da consolidação e da competição global.

Valor: Como ficam as empresas que produzem no Brasil no contexto mundial, globalizado, de escalas de produção cada vez mais elevadas?

Soares: As empresas brasileiras não estão entre as maiores no ranking mundial mas suas usinas, na quase totalidade, operam nas escalas adequadas. Montar bases no exterior é uma alternativa a ser perseguida em função das vantagens comparativas que o país dispõe para produção de semi-acabados e as limitações do mercado interno para os produtos acabados. Nosso consumo aparente interno atingiu 18,5 milhões de toneladas de produtos em 2006 e tem mostrado crescimento modesto nos últimos anos. As exportações do setor representam mais de 40%.

Valor: Quais os principais entraves à competitividade no país?

Soares: São os já bem conhecidos e amplamente apontados no setor: a elevada tributação dos investimentos, os gargalos logísticos, em especial portos e ferrovias e incertezas na área ambiental e na oferta futura e preços de energia.