Título: Farmanguinhos decide exportar para ganhar escala
Autor: Landim, Raquel
Fonte: Valor Econômico, 25/05/2007, Brasil, p. A3

O laboratório estatal Farmanguinhos, principal centro de produção de anti-retrovirais no Brasil, começou a implementar uma série de mudanças, para começar a se aproximar de seus concorrentes na Índia. O objetivo é combater as três fraquezas da indústria nacional: falta de escala, pouca inovação e dependência de importações de matéria-prima.

Segundo o diretor de Farmanguinhos, Eduardo Azeredo da Costa, o laboratório conseguiu autorização legal para exportar e planeja começar as vendas ainda esse ano. Ele explica que é uma maneira de aumentar a escala, reduzir os custos e os preços dos medicamentos.

Também está em fase final de produção um medicamento que reunirá Zidovudina, Lamivudina e Nevirapina. Será o primeiro comprimido triplo fabricado no país - uma tecnologia dominada pelas multinacionais e pelos fabricantes indianos há algum tempo. Costa não revela o provável preço do medicamento. Produzido pela Aspen, o comprimido é vendido a US$ 0,42 nos países da África. A indiana Hetero consegue produzir a US$ 0,36 por comprimido, com pré-qualificação pela Organização Mundial de Saúde (OMS).

A medida de maior impacto para o setor foi tomada no fim do ano passado. Ao invés de importar o princípio ativo da Índia, Farmanguinhos está comprando o serviço de produção da matéria-prima das empresas nacionais. "O objetivo é monitorar o processo", diz Costa.

A lei de licitações obriga os laboratórios estatais a comprar o produto mais barato, o que quase sempre significa origem indiana ou chinesa. Farmanguinhos provou ao Ministério Público que cerca de 30% do produto adquirido chegava com problemas e obteve permissão para comprar a prestação do serviço e não o produto.

Conforme Costa, o princípio ativo sai um pouco mais caro, mas o custo de produção total baixou 20%, pois não há mais problemas com a qualidade do insumo. "É uma maneira de dinamizar a indústria nacional", diz. Para o vice-presidente da Associação Brasileira das Indústrias de Química Fina (Abifina), Nelson Brasil, "Farmaguinhos pode ser um modelo para os laboratórios oficiais".

O Estado responde pela compra de 20% a 25% dos princípios ativos para medicamentos usados no país. A importação do insumo chegou a US$ 1,2 bilhão em 2006 ou 90% do consumo. A produção nacional de princípio ativo está restrita às empresas Nortec, Gen Vida, Alfario, Globe Química e Cristalia.

Para o secretário de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos do Ministério da Saúde, Reinaldo Guimarães, a "chave" para o setor é a escala de produção. "Temos que desenvolver não apenas os laboratórios estatais, mas a iniciativa privada." Ele afirma que o governo pode impulsionar o processo através das licitações e com oferta de crédito para inovação. "Não se trata de reviver uma política generalizada de substituição de importações, mas de escolher itens com impacto na saúde e na economia."

A indústria farmacêutica brasileira começou em 1984, incentivada pelo governo militar e posteriormente pelo ex-presidente José Sarney . O projeto acabou com a abertura da economia promovida por Collor de Mello. Segundo a Abifina, 1.072 unidades de química fina fecharam por conta da concorrência com os importados na década de 90

Segundo Pedro Palmeira, chefe do departamento de produtos químicos e farmacêuticos do BNDES, a orientação do novo presidente do banco, Luciano Coutinho, é encontrar pontos de intersecção entre a política industrial e a de saúde. "A Índia não é mais o 'target' do Brasil, porque o seu resultado depende de um caminho que não se repetirá", diz, referindo-se à oportunidade para produção de medicamentos sem respeitar patentes. "O Brasil tem que encontrar outros rumos e o poder de compra de medicamentos do governo não pode ser desprezado", diz.

Outro instrumento é a linha de financiamento do BNDES conhecida como Pró-Farma. Iniciado em 2004, o programa conta com 48 projetos em carteira hoje, somando investimentos de US$ 1,9 bilhão, sendo US$ 928 milhões financiados pelo BNDES. Desse total, US$ 896 milhões estavam contratados e US$ 677 milhões aprovados. A Cristalia e a Nortec são clientes do Pró-Farma.

De acordo com Palmeira, o objetivo do programa, que deve ser renovado no fim deste ano, é aumentar a competitividade do setor, elevar a qualidade, e fomentar fusões e aquisições para que as empresas tenham fôlego financeiro para investir em inovação. A redução do déficit da balança comercial seria conseqüência do processo, diz Palmeira. De 1994 a 2006, o déficit do setor farmacêutico cresceu de US$ 500 milhões para cerca de US$ 3 bilhões, impulsionado pela valorização do real que barateou os produtos importados. (RL)