Título: Cobrado por aliados, Tarso Genro reconhece vazamentos da PF
Autor: Lyra, Paulo de Tarso
Fonte: Valor Econômico, 25/05/2007, Política, p. A6

O ministro da Justiça, Tarso Genro, reconheceu ontem, no Rio, o possível vazamento de informações sigilosas pela Polícia Federal do inquérito da Operação Navalha, que desarticulou uma suposta quadrilha que fraudava licitações para realização de obras públicas. A conduta da PF na operação foi criticada pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Gilmar Mendes. "Se houve algum equívoco, algum vazamento, e é possível que tenha havido, se houver alguma lesão ao direito individual de alguém, isso deve ser corrigido", disse Tarso ontem no Rio depois de visitar a Central Única de Favelas (Cufa), na Cidade de Deus, ao lado do rapper MV Bill, um dos fundadores do movimento.

Mendes diz que foi constrangido pelo suposto vazamento de informações da PF que tiveram o objetivo de intimidá-lo após ele ter concedido habeas corpus que soltaram vários dos 48 presos pela Operação Navalha. Entre as supostas ocorrências de vazamento estariam conversas de um homônimo de Mendes com a máfia. O ministro teve o seu nome divulgado como um dos beneficiados com presentes da Construtora Gautama, pivô da operação.

Na noite de quarta-feira, Mendes acusou a PF de utilizar métodos "fascistas" na Operação Navalha. Ele disse ser uma "canalhice" o vazamento de informações pela PF e responsabilizou Tarso pela ocorrência dessa irregularidade. O ministro evitou comentar as críticas de Mendes.

"Eu não vou me manifestar porque esse é um assunto de relacionamento entre os dois poderes: o Judiciário e o Executivo. E não é recomendável que os dois poderes façam debate público, debate para jornal. Já disse ao ministro Gilmar Mendes e ele vai me fazer uma representação que me aponte onde houve vazamento, que vamos tomar providências", afirmou Tarso.

O ministro da Justiça disse que irá cumprir "rigorosamente" as determinações do presidente Luiz Inácio Lula da Silva de investigar possíveis excessos da PF na Operação Navalha. "No momento que recebermos a denúncia formal, ela será investigada. Isso é simplesmente rotina. Essa determinação do presidente será cumprida rigorosamente. Aliás, nós já estávamos tomando algumas providências."

O ministro descartou ainda a possibilidade de que a coalizão política montada em torno do governo do Lula possa sofrer prejuízos por conta dos arranhões provocados pela operação. "Não acredito que qualquer ação policial possa desmontar uma coalizão. Se uma ação policial perturbar uma coalizão é porque ela está fundada em bases equivocadas, o que não é o caso da nossa", disse o ministro. Tarso também negou que a ação da PF possa ter sido conduzida com o objetivo de beneficiar o PT. "Não acredito nisso. Isso seria de uma insanidade exótica. Se alguém disso isso, é uma demonstração de ignorância total do inquérito", conclui Tarso.

Pela manhã, em Brasília, na primeira reunião do Conselho Político após a deflagração da Operação Navalha, Tarso Genro, ouviu duras críticas de líderes e presidentes de partidos da coalizão governista sobre a atuação da Polícia Federal no episódio. Aliados reclamaram do vazamento de informações, da "pirotecnia" dos agentes, dos boatos sobre uma possível lista de parlamentares abonados com "mimos" pela construtora Gautama. Genro tentou se defender, prometendo abrir uma sindicância para apurar possíveis excessos. Lula chegou atrasado à reunião, mas endossou o choro dos aliados. "A PF tem que tomar cuidado com os excessos. Investigar sim, mas às vezes pessoas de bem são envolvidas sem ter condições de se defender", declarou o presidente, segundo relato de aliados.

O ministro da Justiça foi convidado a participar da reunião para debater a reforma política, tema que acompanha desde os tempos de Ministério da coordenação política. Resolveu, no entanto, iniciar o encontro fazendo um balanço sobre a Operação Navalha. Abriu o flanco para ouvir as críticas dos aliados, que se inscreveram para reclamar da PF. A líder do governo no Congresso, Roseana Sarney (PMDB-MA) foi a primeira. Segundo ela, há uma "inquietação muito grande no Parlamento" por causa dos boatos de uma possível lista de diversos parlamentares presenteados pela Gautama.

Genro teve que desmentir as estórias, afirmando que "não existe qualquer lista envolvendo deputados ou senadores". A explicação não acalmou os ânimos. A líder do PT no Senado, Ideli Salvatti (SC), questionou o vazamento indiscriminado de informações para a imprensa. "Todos alegam que a ação da PF está sobre segredo de justiça. Como, se tudo está sendo escancarado para todo mundo?", cobrou ela.

As queixas se sucediam. Ninguém na sala, em qualquer momento, sugeriu a suspensão das investigações. O foco da crise era a forma como os agentes se portaram. "Não pode ficar derrubando a porta com o pé só para fazer um showzinho para as câmeras", reclamou um político da bancada governista. Chamado ao debate, o presidente do PMDB, deputado Michel Temer (SP), constitucionalista renomado, lembrou que a liberdade de informação não "pode sobrepor-se aos preceitos constitucionais que asseguram os direitos individuais dos cidadãos".

O líder do governo na Câmara, José Múcio Monteiro (PTB-PE), em tom de brincadeira, mas expressando outra preocupação dos aliados, expôs a insegurança de todos em relação aos grampos telefônicos. "Eu mandei tirar os telefones lá da liderança do governo. Vai que entra alguém lá e faz uma ligação proibida? Está todo mundo grampeado mesmo". Constrangido, Genro acrescentou: "Não tenho garantias de que eu também não esteja grampeado", afirmou o ministro.

Lula ainda não tinha chegado quando o grupo resolveu iniciar a discussão sobre a reforma política. Antes do debate, no entanto, o líder do PSB no Senado, Renato Casagrande (ES), defendeu que o debate não pode minimizar a crise atual. "A reforma política tem que envolver um debate mais amplo, sério. Não pode surgir apenas como uma resposta à crise política que se sucedem", criticou o senador.

Quando o presidente chegou ao encontro, por volta das 10h10, agradeceu aos aliados a votação do PAC na Câmara e no Senado e lembrou a importância de se aprovar também os projetos do Plano Nacional de Desenvolvimento da Educação (PNDE). Ouviu de alguns que essa instabilidade política fragiliza a coalizão governamental. Lula buscou acalmar os presentes. Cobrou de Genro apuração rigorosa de eventuais excessos. Mas acrescentou que a Polícia Federal, o Ministério Público e a Receita Federal são instituições "republicanas e autônomas e precisam ter autonomia para trabalhar".(Com agências noticiosas)