Título: Carência de estrutura compromete setor aéreo
Autor: Jayme, Thiago Vitale
Fonte: Valor Econômico, 25/05/2007, Política, p. A10

O diretor-presidente da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), Milton Zuanazzi, disse ontem que o país vive uma crise de na infra-estrutura na aviação que poderá comprometer a expansão do setor, que tem se desenvolvido de forma robusta nos últimos anos. A advertência foi feita durante depoimento à CPI do Apagão Aéreo da Câmara dos Deputados. "O setor não vive uma crise. Temos é um problema sério de estrutura, mas o sistema está em expansão", disse Zuanazzi em depoimento de quase cinco horas à CPI. "Do ponto de vista das empresas, vê-se crescimento hoje e com perspectivas de continuar assim. Só não acontecerá isso se a estrutura não der vazão à expansão."

De acordo com os dados levados por Zuanazzi à Comissão, houve uma explosão de demanda e serviços a partir de 2003, dois anos depois da crise enfrentada pelo setor por causa dos atentados de 11 de setembro de 2001, nos Estados Unidos. Em movimento de passageiros, dois dos aeroportos mais movimentados do país, e os que mais vêm sofrendo com o apagão aéreo, registraram aumento significativo. Em 2000, Congonhas (São Paulo) recebeu 10 milhões de passageiros. Em 2006, foram 18 milhões. O aeroporto Juscelino Kubitschek (Brasília) recebeu cinco milhões de passageiros em 2000. No ano passado, esse número saltou para 9,6 milhões.

Em todo o país, o crescimento foi expressivo. Em 2003, contabilizaram-se 72 milhões de passageiros nos aeroportos brasileiros, enquanto em 2006 esse número chegou a 102 milhões. Curiosamente, o número de aeronaves caiu de 350 (em 2001) para 265 hoje. Ainda assim, o volume de tráfego aéreo cresceu. Em 2001, os aviões da Varig voavam seis horas por dia e os da TAM, oito horas. Hoje, tanto a Gol quanto a TAM colocam seus aviões no ar por 13 horas diárias.

Integrantes da oposição ao governo apresentaram na CPI números mostrando que o orçamento dos órgãos de tráfego aéreo não acompanha o crescimento da aviação civil. Segundo o deputado Otávio Leite (PSDB-RJ), em 2004, 77% dos recursos para o setor foram executados. Em 2005, apenas 56%. Em 2006, houve nova queda: 50%.

Com menos aviões em circulação compensados por mais horas de vôo das aeronaves, as companhias aéreas, por sua vez, não conseguem diminuir os atrasos. De 2003 até maio de 2007, a média anual de vôos que saíram fora do horário previsto saltou de 14% para 25%. A prática de overbooking também aumentou, segundo o presidente da Anac.

Zuanazzi chegou a justificar a atitude das companhias ao dizer que o overbooking é uma "questão mundial, não só brasileira". Ele lembrou que os passageiros muitas vezes compram passagens e não as utilizam no dia marcado. "No transporte de ônibus, se a pessoa compra a passagem e não embarca, perde o bilhete. Na aviação, ela tem um ano para usá-lo."

Zuanazzi negou que a Anac tenha expedido liberações de horários de transporte em excesso nos últimos anos. "Nenhuma dessas linhas é liberada sem ouvirmos todos os órgãos previstos em lei, inclusive o setor de controle de tráfego aéreo. Todos precisam dar o seu ok", defende-se. Uma das maiores críticas feitas pelos depoentes nos últimos dias na CPI tem sido o elevado número de vôos no mesmo horário para os aeroportos mais movimentados.

O deputado Efraim Filho (DEM-PB) rebateu a afirmação de Zuanazzi com um relatório do Tribunal de Contas da União (TCU), segundo o qual, a liberação de horários de transporte tem sido feita de forma irregular, sem serem ouvidos todos os órgãos. "Ou o senhor está mentindo ou o TCU mentiu em seu relatório", disse o parlamentar. O diretor-presidente da Anac manteve o que disse. "Talvez o relatório esteja falando de períodos anteriores à Anac. Mas a agência nunca fez isso. Aliás, nós quase não expedimos liberações de novos horários."

Antes de Zuanazzi, o major-brigadeiro Ramon Cardoso, diretor do Departamento de Controle do Espaço Aéreo (Decea), prestou depoimento à CPI. O militar reclamou da falta de recursos. "O contingenciamento fez com que houvesse uma redução na implantação dos investimentos que queremos fazer no setor aéreo", disse o brigadeiro. Segundo ele, a Aeronáutica tem um plano de modernização do sistema de tráfego aéreo que teria como data final o ano de 2017. "Os recursos foram suficientes para a manutenção mas não para a implementação dessas melhorias."

A questão mais urgente, dos controladores, será solucionada em 2008. "Recebemos 300 neste ano e vamos receber mais 300 no ano que vem. Teremos, assim, o número correto de controladores em função do nosso tráfego aéreo", afirmou.

Um fato chamou a atenção de deputados da CPI. Pelo segundo dia consecutivo, o deputado Carlos Willian (PTC-MG) fez piada sobre a queda do avião do vôo 1907, fato que provocou a crise do setor aéreo. Ontem, quando Zuanazzi falou das providências tomadas pela companhia nos dias seguintes ao acidente, Willian disse, rindo: "Só faltou informar onde é o necrotério". Nenhum parlamentar respondeu, mas o clima de constrangimento imperou. Na quarta-feira, o mesmo deputado já havia dito em voz alta a um colega de CPI. "Sabe qual é o novo slogan da Legacy (o modelo do avião da Embraer que colidiu com o boeing da Gol)? Derrubamos a concorrência", disse ele.