Título: Promiscuidade facilita os escândalos de corrupção
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 25/05/2007, Opinião, p. A14

Até agora, de todos os escândalos que aconteceram no país nos últimos dois anos, a Operação Navalha deflagrada pela Polícia Federal foi a que mais comprometeu gente graúda na política e a que mais desnudou um esquema de lobby que é rotineiro no Congresso e no Executivo, antes encarado com enorme naturalidade pelas pessoas que legislam ou decidem sobre o destino do dinheiro público. O mais novo capítulo do episódio são as manifestações de indignação dos parlamentares em relação a que consideram "excessos" da PF, que supostamente pode envolver inocentes, e contra o vazamento das informações, que, na opinião de congressistas direta ou indiretamente envolvidos na investigação, teria o objetivo político de atingi-los.

Em relação à última "suspeita" dos envolvidos, presume-se que o sigilo seja complicado numa operação que culminou com a prisão de 46 pessoas pela PF. Convenhamos que, numa circunstância dessa, a discrição é difícil, embora a PF deva ser responsabilizada caso suas ações tenham sido ilegais.

A outra coisa que complica a vida daqueles que figuram como implicados, mas podem até ser inocentes - ou seja, não receberam propinas ou favores da empreiteira Gautama - é a boca torta pelo uso do cachimbo. Institucionalizou-se na política brasileira como "normal" contatos freqüentes de parlamentares com representantes de construtoras e fornecedores dos governos de seus Estados. Segundo essa norma não-escrita, o político apenas estaria intermediando obras ou serviços de interesse do Estado junto ao governo federal, o que seria parte de sua função como representante eleito. Assim, a atividade institucional com "i" maiúsculo vai para o brejo e o parlamentar torna-se mero mediador de repasses do governo federal para Estados ou municípios - não necessariamente no interesse deles, mas daqueles que anteriormente foram cobrar "providências" do parlamentar em seu gabinete, os lobistas. É quase o papel do vereador, com uma diferença: o motor da ação do parlamentar não é o cidadão com que convive no município, mas os interessados financeiramente na obra.

Do lado dos Executivos, é impressionante também a naturalidade com que um ministro, ou um governador, recebem um empreiteiro ou um lobista - e a facilidade ainda maior com que estes conseguem acesso a suas ante-salas. O empregado da Gautama, Flávio Henrique Candelot, é a prova mais contundente disso. Nas suas conversas telefônicas grampeadas, ele conversa como se ainda tivesse poderes de decisão no Ministério das Cidades e na Caixa Econômica Federal - ele foi diretor de Habitação da Secretaria Especial de Desenvolvimento Urbano no governo FHC, que antecedeu a criação do ministério. Ele formula estratégias de aproximação ou influência junto a outros ministérios e formas de chegar a governadores. Que, aliás, a contar pelas suas defesas públicas, têm igualmente a boca torta.

O governador de Alagoas, Teotonio Vilela Filho (PSDB), por exemplo, disse que conversou com o presidente da Gautama, Zuleido Veras, da mesma forma como conversou com outras empreiteiras. Um governador, ou presidente, se precisa negociar com fornecedores ou contratados, têm uma equipe à sua disposição. Depois de licitados, o acompanhamento dos negócios com o Estado são da atribuição de seus auxiliares diretos. Um distanciamento prudente de empresas com interesses diretos no caixa do Estado - e o mesmo vale para os ministérios ou para a Presidência da República - e que são grandes financiadores de campanhas eleitorais apenas poupa-os do inconveniente de serem citados por um dono de empreiteira numa escuta telefônica.

Muitos outros exemplos podem ser tirados dos fatos que chegam à imprensa e os políticos consideram exagero. Por exemplo: os "mimos" da construtora, o fato de um senador apelar a um amigo empresário para alugar um jatinho para uso seu e de sua família ou uma lancha para o lazer de um governador eleito, Jacques Wagner (PT-BA), e da chefe da Casa Civil da Presidência, Dilma Rousseff. Em países sérios, governantes não se encontram a sós com empresários que têm negócios com o Estado, mesmo para divertimento. O conceito do que é "normal" tem que ser definitivamente revisto, à luz da ética na política.