Título: Compreendendo a valorização cambial
Autor: Kinoshita, Samuel e Stefani, Patricia
Fonte: Valor Econômico, 25/05/2007, Opinião, p. A14

Hipótese comumente levantada a fim de explicar a desconexão entre a valorização brasileira e a de seus pares diz que uma fonte essencial de valorização do real se encontra no enorme diferencial de juros que existe entre o Brasil e os demais países. Alguns textos, entretanto, posicionaram-se de maneira contrária a essa idéia, argumentando que o efeito esperado de uma diminuição no diferencial de juros é uma depreciação do real. Assim sendo, haveria uma incompatibilidade entre a redução do diferencial de juros e a apreciação cambial observada, incompatibilidade esta que só pode ser reconciliada ao se admitir a dominância exercida pelo fator commodities. Ou seja, o efeito do aumento de preços das commodities teria sido suficientemente forte para suplantar o efeito depreciativo que a taxa de juros exerceu sobre o câmbio nesse período. Os partidários deste argumento, ao lembrar que a Selic vem caindo de maneira concomitante à apreciação cambial, procuram refutar a hipótese de que a taxa de juros possa ser uma fonte importante no processo de apreciação de nossa moeda.

No restante do artigo, argumentaremos que a hipótese de que a taxa de juros é uma variável fundamental na valorização cambial se sustenta, já que a crítica à mesma peca ao omitir fatores essenciais: as "expectativas" e o risco envolvidos nas decisões dos investidores. A volatilidade implícita, uma medida da volatilidade esperada contida em derivativos financeiros, pode ser utilizada para medir o grau de variabilidade esperada pelo mercado para uma determinada moeda.

A partir da análise do gráfico 1, pode-se entender o grande negócio que a moeda brasileira oferece: retorno extremamente alto com baixa volatilidade esperada. Ainda que o imaginário popular seja povoado por Hedge Funds empregando programas de decisão ultra-sofisticados, heurísticas que se valeriam de redes neurais e técnicas oriundas da física quântica, o investidor não precisa ser nenhum gênio para notar a oportunidade que se apresenta.

Nota-se, também, outro fato interessante: hoje se espera que o real tenha uma volatilidade inferior à do dólar neozelandês, chegando muito próximo da volatilidade do franco suíço. É curioso que o Brasil seja abençoado com essa baixíssima volatilidade esperada. Mesmo após ostentar oito moedas desde a Segunda Guerra Mundial e possuir governantes pouco afeitos à idéia de intervenção mínima na economia, o real é considerado uma aposta segura. A explicação para esse fenômeno está nas intervenções no mercado à vista feitas pelo BC: seu desejo latente em manter uma cotação menos apreciada torna-se garantia de que a trajetória do real será a mais suave possível. O problema é que, ao oferecer um retorno muito alto com baixa volatilidade, o BC acaba por criar "um negócio da China".

Se a exploração do diferencial de juros é um jogo prospectivamente tão vantajoso, não estariam os fluxos de capitais inundando o país? Uma inspeção do balanço de pagamentos é a primeira idéia que vem a mente, mas essa atitude pode não dar uma noção clara da força da taxa de juros como um fator de atração por dois motivos: a grande imprecisão do sistema de balanço de pagamentos e a existência de mercados futuros de reais operando fora do país.

Uma possibilidade que se abre com a existência desses mercados é que um investidor estrangeiro que deseja explorar o diferencial de juros brasileiro não precisa trazer os dólares para o Brasil. O economista Márcio Garcia, em artigos no Valor , mostrou como é possível ocorrer apreciação cambial sem se verificar grandes movimentos no balanço de pagamentos. Através de estratégia que usa uma "brecha" na relação de paridade descoberta de juros, como mostrado por Burnside e outros autores em artigo recente do NBER, é possível usar os futuros de moedas estrangeiras para se aproveitar diferenciais de juros.

Mas, como saber se essa possibilidade teórica é o que, de fato, ocorre? A recente literatura acadêmica sobre a microestrutura do mercado de câmbio, desenvolvida pelo descontentamento com os paupérrimos resultados da abordagem macroeconômica na explicação das variações de curto prazo da taxa de câmbio, vem apresentando resultados muito promissores. A sugestão contida em um trabalho do Federal Reserve de Nova Iorque pode ser uma primeira tentativa de se averiguar a ocorrência do fenômeno teórico exposto acima. Nesse artigo, Klitgaard e Weir mostram que as variações semanais nas posições líquidas de especuladores no mercado futuro oferecem grande valia para se compreender as variações de preço no mercado à vista.

Em nosso trabalho (disponível sob requisição aos autores), adotamos a posição líquida dos investidores estrangeiros no contrato de dólar futuro da BM&F como representativa da posição dos investidores estrangeiros de maneira global na moeda nacional. Deste modo, conseguimos captar uma parcela importante do efeito total sobre a taxa de câmbio.

A inspeção ocular do gráfico 2, que apresenta a taxa de câmbio spot e a posição líquida dos investidores estrangeiros na BM&F (número de contratos de dólar futuro comprados menos número de contratos vendidos), pode ser aprimorada por uma análise estatística dos dados diários.

Os resultados de nosso estudo são bastante impressionantes. Não obstante a baixa freqüência dos dados, mostra-se causalidade no sentido de Granger da variação nas posições líquidas dos investidores estrangeiros sobre o câmbio "spot". Em outras palavras: variações nas posições líquidas dos investidores estrangeiros antecipam as variações na taxa de câmbio. Segundo nosso modelo, um aumento de 50.000 contratos na posição vendida líquida dos investidores estrangeiros está relacionado, em média, a uma apreciação de 1,2% na taxa de câmbio à vista. Se admitirmos a posição dos investidores estrangeiros em dólares futuros na BM&F como sendo representativa de suas posições globais em moeda brasileira, esse resultado pode ser tido como uma evidência favorável ao mecanismo exposto acima.

Algumas ressalvas se fazem necessárias. Não estamos discutindo se a política monetária atualmente posta em prática é ótima ou não. Apenas tentamos mostrar sua conseqüência sobre um dos preços fundamentais da economia. É importante ressaltar, também, que o mercado futuro está simplesmente arbitrando, e de maneira eficiente, uma excelente oportunidade de ganho, não sendo o criador da distorção. O que se pode colocar em questão é quais as mudanças estruturais que podem tomar curso na economia brasileira caso a velocidade de ajuste da política monetária seja lenta.

Podemos, também, em um exercício mais próximo do "wishful thinking" que do pragmatismo que deve marcar analistas econômicos, concluir que este seria um momento ideal para uma série de micro-reformas na economia, como diminuição da carga sobre as empresas, desoneração dos impostos sobre exportadores, dentre tantas outras. Infelizmente, a razão supera a emoção. O que se deve assistir é uma gradual convergência das taxas de juros e um real valorizado ao longo do percurso.

Samuel Kinoshita e Patricia Stefani são economistas da Idéias Consultoria.