Título: Lições chinesas para o Banco Mundial
Autor: Sachs, Jeffrey D.
Fonte: Valor Econômico, 25/05/2007, Opinião, p. A15

O jornal "China Daily" publicou recentemente uma reportagem com chamada na primeira página relatando como Paul Wolfowitz recorreu a ameaças e vulgaridades para pressionar altos funcionários do Banco Mundial. O jornal comentou que o comportamento de Wolfowitz lembra um personagem mafioso da série de TV "Os Sopranos". Ao mesmo tempo em que o escândalo Wolfowitz se desdobrava, a China era sede de um encontro do Banco Africano de Desenvolvimento (BAD), que realizou a reunião de seu Conselho em Xangai. Essa é uma metáfora vívida do mundo atual: enquanto o Banco Mundial está enredado em corrupção e controvérsia, a China amplia habilidosamente sua presença geopolítica no mundo em desenvolvimento.

O crescente poder chinês é, evidentemente, fortemente baseado em seu extraordinário sucesso econômico. A reunião do BAD aconteceu no distrito de Pudong, área do mais notável desenvolvimento em Xangai. De terreno praticamente ocioso, uma geração atrás, Pudong tornou-se um pólo de explosiva construção de arranha-céus, hotéis de luxo, parques, indústrias e vastas extensão de edifícios de apartamentos. A economia de Xangai como um todo está crescendo em torno de 13% ao ano, portanto dobrando a cada cinco ou seis anos. Por toda parte há empresas recém-criadas, inovações e jovens empreendedores famintos por lucros.

Tive a oportunidade de participar desses encontros de alto nível entre autoridades chinesas e africanas na reuniões do BAD. O conselho que os líderes africanos receberam de seus interlocutores chineses foi sensato, e muito mais prático do que as diretrizes que lhes são normalmente impostas pelo Banco Mundial.

As autoridades chinesas enfatizaram o papel crucial de investimentos públicos, especialmente em agricultura e infraestrutura, para estabelecer as bases para um crescimento puxado pelo setor privado. Numa economia rural esfaimada e pobre, como era a China dos anos 1970 - e como é a maior parte da África atual -, um ponto de partida crucial é fazer crescer a produtividade agrícola. Os camponeses agricultores necessitam dos benefícios de fertilizantes, irrigação e sementes de alto rendimento, que fizeram parte fundamental na decolagem econômica chinesa.

Os outros investimentos críticos são também necessários, pois sem rodovias e eletricidade não pode haver uma economia moderna. Sem estradas, os agricultores poderiam ter condições de ampliar sua produção, mas ela não conseguiria chegar às cidades, e as cidades não teriam condições de assegurar os insumos necessários ao interior do país. Os chineses enfatizaram o grande esforço feito pelo governo da China para assegurar que as redes de eletricidade e de transportes chegue a cada vilarejo chinês.

Evidentemente, o que os líderes africanos mais apreciaram foi o seguinte: a China está disposta a ajudar a África de maneira substancial em agricultura, rodovias, energia elétrica, saúde e ensino. E os líderes africanos já sabem que essa não é uma afirmação vazia. Em toda a África, a China está financiando e edificando infraestrutura básica. Durante o encontro, os líderes chineses enfatizaram sua disposição para dar também apoio a pesquisas agrícolas. Eles referiram-se a novas variedades de arroz de alto rendimento, que os chineses estão dispostos a compartilhar com seus interlocutores africanos.

-------------------------------------------------------------------------------- Diferentemente do chineses, o Bird freqüentemente esqueceu as lições de desenvolvimento básicas, preferindo impor suas diretrizes aos países pobres --------------------------------------------------------------------------------

Tudo isso ilustra o que está errado com o Banco Mundial, mesmo deixando de lado o mandato de Wolfowitz em sua fracassada presidência. Diversamente do chineses, o banco freqüentemente esqueceu as mais básicas lições do desenvolvimento, preferindo impor suas diretrizes aos países pobres e obrigando-os a privatizar sua infra-estrutura básica, em vez de ajudar os pobres a investir na infraestrutura para outros setores fundamentais.

Os insucessos do banco começaram no início da década de 1980, quando, sob a influência ideológica do presidente Ronald Reagan e da primeira-ministra Margaret Thatcher, a instituição tentou fazer com que a África e outras regiões pobres reduzissem ou zerassem os investimentos e serviços governamentais. Durante 25 anos, o Banco Mundial tentou tirar os governos da agricultura, deixando os camponeses pobres defendendo-se sozinhos. O resultado foi um desastre para a África, ao provocar estagnação na produtividade agrícola durante décadas. O banco também pressionou pela privatização de sistemas nacionais de saúde (SNS), empresas de distribuição de água e redes de rodovias e de eletricidade, e investiu muito menos do que necessário nesses setores críticos.

Essa ideologia extremada de livre-mercado, também denominada "ajuste estrutural", é antagônica às lições práticas dos êxitos desenvolvimentistas na China e no restante da Ásia. Uma estratégia de desenvolvimento prática tem clareza de que investimentos públicos - em agricultura, saúde, educação e infraestrutura - são necessários para complementar os investimento privados. O Banco Mundial, em vez disso, considerou, erroneamente, que tais investimentos públicos vitais são um inimigo do desenvolvimento do setor privado.

Sempre que a ideologia extremada de livre mercado do banco fracassou, a instituição atribuiu a culpa aos pobres - citando corrupção, mau gerenciamento ou falta de iniciativa. Essa foi também a abordagem de Wolfowitz. Em vez de centrar a atenção do Banco Mundial em ajuda para que os países mais pobres melhorassem sua infraestrutura, ele desfechou uma cruzada contra a corrupção. Irônica, e naturalmente, sua posição tornou-se insustentável quando sua própria conduta imoral veio à luz. O Banco Mundial pode reconquistar sua importância somente se tornar-se novamente prático, voltando a centrar seu foco no financiamento de investimentos públicos em setores prioritários, assim como a liderança chinesa está disposta a fazer.

A boa notícia é que governos africanos estão compreendendo a mensagem sobre como estimular o crescimento econômico, e também recebendo ajuda crucial da China e de outros parceiros menos apegados à ideologia radical de livre-mercado do que o Banco Mundial. Muitos governos africanos presentes ao encontro em Xangai declararam sua intenção de ousadia, investindo em infraestrutura, modernização agrícola, saúde pública e educação.

A debacle de Wolfowitz deveria servir como brado de alerta ao Banco Mundial: a instituição não deveria ser mais controlada por ideologia. Se isso acontecer, o banco poderá ainda fazer justiça à ousada visão de mundo compartilhado e próspero que estimulou sua criação após a Segunda Guerra Mundial.

Jeffrey D. Sachs é livre-docente de Economia e Diretor do Instituto Terra na Universidade Colúmbia.© Project Syndicate/Europe´s World, 2007.www.project-syndicate.org