Título: Câmbio piora mercado de trabalho para jovem sem experiência
Autor: Salgado, Raquel
Fonte: Valor Econômico, 24/05/2007, Brasil, p. A3

Pouco qualificado e inexperiente, o jovem tem cada vez mais dificuldade de entrar no mercado de trabalho brasileiro. No curto prazo, essa situação pode piorar e mais jovens sem trabalho devem engrossar as estatísticas de desemprego no país. Isso porque as ocupações industriais que mais abrem vagas para pessoas que nunca trabalharam antes são justamente as que estão nas indústrias intensivas em mão-de-obra e afetadas pela valorização cambial: as de móveis, calçados, têxteis e vestuário.

Um estudo do professor João Saboia, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) mostra que esses três ramos respondem por 63,5% das vagas abertas na indústria para pessoas que nunca trabalharam. E, por mais que nem todos os que buscam um primeiro emprego sejam jovens, a grande maioria deles - 69% - tem entre até 24 anos. Esses dados referem-se apenas à indústria de transformação, construção civil, serviços de utilidade pública e extrativa mineral.

Ao mesmo tempo, entre 2000 e 2005, a indústria brasileira passou a absorver menos pessoas sem experiência em seus quadros de funcionários. Enquanto em 2000, 18,3% das pessoas admitidas por esse setor nunca tinham trabalhado anteriormente, em 2005 o percentual caiu para 16,4%. As razões para esse movimento não são muito claras, mas o professor da UFRJ acredita que com a melhora econômica, as empresas optem por abrir vagas para quem já está qualificado, ainda que precisem pagar salários maiores, do que para jovens ainda inexperientes.

E, segundo um outro estudo, esse da pesquisadora Sônia Rocha, do Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade (Iets), os jovens brasileiros ainda estão bem longe de serem qualificados. Em 2005, dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostraram que 29,6% da população entre 18 e 25 anos não tinha completado nem o ensino fundamental, que corresponde a oito anos de estudo. Um porcentual bem grande também não freqüentava a escola: 24,6%. Esses números se referem ao conjunto do país. No setor rural, nada menos do que 58% dos jovens estudaram menos de oito anos e 48% deles não estão na escola. "Fiquei perplexa com esses dados. Não imaginava que a falta de escolaridade entre os jovens era tão alta", afirma a pesquisadora.

Os dados recentes das pesquisas de emprego do IBGE e do Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Sócio-econômicos (Dieese) mostram que não estão sendo abertas vagas para as pessoas com pouca qualificação. A ocupação só cresce para quem tem a partir de oito anos de estudo e o crescimento é bem mais intenso para quem ficou pelo menos 11 anos na escola e terminou o ensino médio. "Pensa-se que as pessoas sem qualificação são as mais velhas, que logo se aposentarão ou deixarão o mercado de trabalho. Mas os números mostram que a quantidade de jovens não qualificados também é muito grande", explica.

Sônia diz que não sabe qual a receita para elevar o nível educacional dessas pessoas. "O desafio é imenso. Ainda mais se lembrarmos que o país já falha na educação de crianças, que não sabem ler, escrever e contar de forma razoável uma história", completa. Para ela, a sociedade agora está atenta a esse déficit educacional, mas o problema não será resolvido no curto prazo. Enquanto os jovens não forem mais qualificados, "estaremos excluindo uma parte muito grande de pessoas do mercado de trabalho", o que poderá reduzir ou até impedir a queda das taxas de desemprego no país.

Entretanto, alguns pontos positivos do mercado de trabalho atual são apontados por Maria Cristina Cacciamali, professora de economia da USP. "A nova geração não convive mais com inflação alta e tende a ser mais qualificada." Por outro lado, enfrenta uma concorrência mais acirrada e se sujeita a formas de contratação com menor proteção.

Mesmo com um diagnóstico preocupante sobre o emprego para jovens, os economistas reunidos no painel "Recuperação do Mercado de Trabalho Brasileiro ou Estagnação?", promovido pelo Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo (IEA-USP), avaliam que o país passa por um período inédito, no passado recente, de recuperação econômica e conseqüente melhora da qualidade e da quantidade de empregos gerados.

Cláudio Dedecca, professor da Faculdade de Economia da Unicamp, no entanto, acredita que o Brasil está deixando passar uma oportunidade de ouro. "Não estamos conseguindo potencializar, do ponto de vista da renda e do emprego, o crescimento que tivemos na economia", avalia Dedecca. Além disso, para o economista, o incremento no rendimento dos brasileiros nos últimos anos foi muito amparado em políticas públicas - valorização do salário mínimo e transferência de renda, como no Bolsa Família.