Título: Libertação de presos cria polêmica no Judiciário
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 24/05/2007, Política, p. A10

As decisões do ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), que permitiram a libertação de presos na Operação Navalha, da Polícia Federal, provocaram polêmica ontem na mais alta corte do Judiciário.

Ao chegar para sessão do Supremo, o procurador-geral da República, Antonio Fernando de Souza, disse que a ministra Eliana Calmon, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que determinou as prisões, estava mais informada sobre o processo do que Gilmar Mendes.

Gilmar Mendes sugeriu que "algumas pessoas deveriam freqüentar aulas elementares de direito constitucional" antes de emitir opiniões sobre algumas coisas. "Ela (a ministra) está mais bem informada, ela acompanhou o inquérito, mas eu tenho que estar informado apenas do decreto de prisão preventiva. De vez em quando seria recomendável que algumas pessoas freqüentassem aulas elementares de direito constitucional para emitirem opinião sobre algumas coisas".

De acordo com Gilmar Mendes, cabe a ele avaliar se o decreto de prisão tem fundamento. "Não estou emitindo juízo sobre o processo (ao julgar os pedidos de relaxamento de prisão). Não estou absolvendo ou condenando ninguém. Não é disso que se cuida nesses habeas corpus. Tenho de saber se o decreto (de prisão) está bem ou mal fundamentado. Não vamos transpor a discussão para aspectos materiais: fez ou não o crime. Pode ser que a pessoa tenha matado a mãe, a avó, a tia e toda a família. Se não houver um decreto dizendo isso, indicando esses fatos, pode ser que o tribunal conceda a ordem de habeas corpus para dizer que a prisão está desfundamentada e que o decreto é genérico", protestou o ministro.

Perguntado, depois, se o procurador-geral é que deveria freqüentar as aulas, Gilmar Mendes respondeu: "Não vou emitir juízo sobre isso. Até vocês poderiam freqüentar essas aulas. Vamos colocar a discussão em patamares dignos para que a gente não desvie a atenção", declarou.

Mais cedo, Antonio Fernando havia dito que a ministra Eliana Calmon tinha condições de conhecer os fatos melhor do que o ministro do Supremo. "A lei comporta interpretações. A ministra Eliana Calmon, até por estar mais informada por ter acompanhado como relatora o inquérito há muito tempo, tem mais condições de conhecer melhor os fatos, o que permite uma interpretação mais segura. O ministro Gilmar Mendes adotou a posição que tem reafirmado no Supremo e a decisão está sendo cumprida", afirmou Antonio Fernando, ao comentar a libertação dos presos pela Polícia Federal.

Irritado com a declaração do procurador, Gilmar Mendes afirmou que é preciso pôr a discussão em patamares dignos: "Se a doutora Eliana Calmon dormiu com os autos, conheceu todos os procedimentos, isso não tem relevância. O que é importante é o fundamento da prisão preventiva. Aqui a gente não examina intenção, espiritismo, o caráter psiquiátrico das decisões. Nada disso. Somente os fundamentos", afirmou.

O procurador-geral defendeu as prisões preventivas, argumentando que foram bem fundamentadas e que não há nelas nenhuma ilegalidade.

Ontem, a ministra Eliana Calmon ouviu mais dez suspeitos de envolvimento com o esquema de fraudes em licitações públicas. Os suspeitos que permanecem presos estão sendo liberados depois dos depoimentos, por determinação da ministra.

Dos 48 suspeitos que tiveram mandados de prisão expedidos pela Justiça, 28 já haviam sido liberados até o início da noite de ontem. Desse total, sete conseguiram habeas corpus concedido pelo Supremo e 21 receberam alvará de soltura depois de serem ouvidos pela ministra Eliana Calmon.

A assessoria de imprensa do STJ informou que a ministra não vai se pronunciar sobre as declarações do ministro Gilmar Mendes.

Segundo a assessoria, não há razão para manter os investigados presos depois dos depoimentos. O deputado distrital Pedro Passos, que obteve habeas corpus na terça-feira, poderá ser ouvido até quinta-feira da próxima semana, segundo informaram extra-oficialmente seus advogados ao STJ.