Título: Fundamento da bolsa
Autor: Pavini, Angelo
Fonte: Valor Econômico, 24/05/2007, EU & Investimentos, p. D1

Quem se assusta com o Índice Bovespa na casa dos 50 mil pontos questiona se não há um exagero, uma daquelas ondas especulativas que levam o mercado às alturas e cujo fim é o prejuízo de quem entrou quando a "bolha" estava prestes a estourar. A questão se torna ainda mais preocupante quando o assunto bolsa começa a se tornar conversa de botequim, chegando até a programas de televisão populares como o da Ana Maria Braga nesta semana.

A leitura da maioria dos especialistas do mercado, porém, é que há razões econômicas para essa alta dos preços, baseadas nos fundamentos das empresas, ou seja, em seu lucro e seu crescimento. Além disso, o cenário internacional, de crescimento mundial, daria suporte para a valorização das ações. Mas a recomendação sempre é de cuidado e, quem quiser entrar agora no mercado, deve fazê-lo com parcelas pequenas e gradualmente.

Um estudo da Máxima Asset Management traz dados importantes que mostram a relação entre o desempenho das empresas e os preços de suas ações. Eles revelam que a lucratividade acompanha de perto a alta das ações. No período de 1994 - desde o Plano real - a 2006, o lucro das empresas que hoje compõem o Índice Bovespa cresceu 1.121%. No mesmo período, a alta do valor de mercado dessas companhias foi de 1.112%. Na comparação, a Máxima usou o peso de cada empresa no índice para chegar ao total ponderado do lucro. Assim, no caso de Petrobras, que representa 16,1% do Ibovespa, foi calculado 16,1% do lucro anual da estatal, e assim por diante.

Isso mostra que a alta foi impulsionada pela melhora no desempenho das empresas, explica Saulo Sapir Sabbá, diretor executivo da Máxima Asset e autor do estudo. A idéia surgiu quando o Ibovespa bateu 50 mil pontos e todos se perguntavam para onde o mercado iria. Por isso, ele pegou as empresas que hoje compõem o índice e viu como foi seu desempenho nos últimos 13 anos. "Fizemos isso porque o investidor compra as empresas do Ibovespa de hoje", explica. Mais adiante, estimando um lucro de 15% para as empresas este ano, avalia Sabbá, o crescimento dos ganhos alcançaria 1.304%, para 1.122% do valor de mercado até o último dia 18. Um espaço de alta de mais 16% para o índice, caso o valor de mercado acompanhe o lucro, ou 60 mil pontos. "Mas são estimativas", alerta Sabbá.

Sabbá avalia que o mercado brasileiro ainda se mostra atrativo quando comparado a outros mercados. A relação Preço Lucro do Ibovespa - indicador que dá uma idéia em anos do retorno do investimento em uma ação -, de 10, 8 vezes, está abaixo da de países com rating melhor que o nosso, caso da Rússia, com P/L de 12,1, do Índice Dow Jones da bolsa americana, com 17,8, do México, com 20,8, e da Índia com 24,4 vezes. "São países que já tem uma taxa mais baixa de juros, que beneficia as empresas e aumenta seu retorno", diz. Além disso, o menor risco permite que o investidor aceite um prazo de retorno maior. Com o "investment grade", o Brasil pode talvez caminhar para um P/L de 15, 16 vezes, acredita Sabbá. A China, com P/L de mais de 60, é vista como ponto fora da curva e um mercado que deve passar por uma correção.

Sabbá lembra ainda que, levando em conta a manutenção dos cortes dos juros, a atratividade da bolsa também aumenta. Hoje, o investidor conseguiria dobrar o capital na renda fixa em oito anos, o dobro de tempo que levaria há dois ou três anos. "E, com os juros caindo mais, esse prazo vai aumentar e torna um P/L de 11 anos das ações mais atrativo", diz ele, lembrando que essa é uma média e que há papéis que tem P/L menor e projetam retorno bem antes desse prazo.

Na situação atual do mercado, é difícil encontrar algum pessimista com a bolsa. "O mais pessimista acha que o mercado pode cair agora para retomar com mais força adiante", afirma Walter Mendes, responsável pela área de renda variável do Banco Itaú. Segundo ele, olhando os cenários externo e interno, é difícil ver um desastre para a bolsa mais adiante. "As coisas melhoraram muito lá fora, o nível de incerteza com a economia dos Estados Unidos caiu bastante e as notícias aqui no Brasil melhoraram muito", afirma ele, citando a expectativa de aceleração da queda dos juros locais, a melhora da avaliação de risco do país, a queda do dólar sem afetar a balança comercial e a inflação dando sinais cada vez maiores de estar sob controle.

O que se poderia enxergar de risco seria o fato de que o Ibovespa subiu muito em relação aos mercados emergentes em dólar, com alta de 27,81%. Em 12 meses, 66,40%. "No ano, só perdemos da China, que disparou mais de 60%, enquanto nós estamos em 30%, mais perto dos demais emergentes", diz. Como a alta foi muito rápida os gráficos indicariam que há espaço para uma realização de lucros. "Mas está difícil de isso acontecer, pois o mercado está sendo sustentado por um fluxo forte de estrangeiros e agora também de locais, tanto pessoas físicas quanto institucionais", diz.

O Brasil, explica Mendes, é um caso de convergência para "investment grade" que não estava tão evidente alguns meses atrás, o que despertou a atenção recente dos estrangeiros. "Agora o país deve ir para grau de investimento a partir de 2008", avalia. O risco-Brasil - adicional de juros pago pelo país em relação aos títulos americanos - caminha para o nível de grau de investimento, caindo de 130 pontos-base para 100 pontos, e a isso se junta o juro local caindo, o crescimento econômico se acelerando e tudo isso é muito bom para a bolsa, resume Mendes. "Estávamos atrasados em relação aos outros emergentes, praticamente só Brasil e Turquia não têm 'investment grade'", diz.

Um risco para o investidor seria um problema no exterior, na economia americana especialmente, ou no mercado chinês, que já subiu demais este ano - fatores que foram levantados ontem pelo ex-presidente do Fed, o banco central americano, Alan Greenspan. "Tem um risco maior na China, de realização mais forte, mas nunca se sabe quando e se isso vai acontecer, e é um mercado pequeno", afirma Mendes. Já nos EUA, o risco de uma recessão vai diminuindo cada vez mais.

Mendes relativiza também a avaliação de que é apenas a grande sobra de dinheiro no mundo que puxa as bolsas. Diferente de outras bolhas de liquidez, hoje temos um forte crescimento mundial, de 5% ao ano. Ou seja, a liquidez não é fruto de uma redução das taxas de juros internacionais, que estão até subindo, caso da Europa e Japão, mas do crescimento econômico.

A liquidez vem, por exemplo, do crescimento dos lucros das empresas americanas, de 15,5% em média no primeiro trimestre, afirma Mendes. No Brasil, a receita das empresas antes de impostos e depreciação, o Ebitda, importante indicador de desempenho, mostrava um crescimento de 14,5% no primeiro trimestre em uma mostra de cem empresas que formam o IBrX. Já o lucro cresceu 46% sobre o mesmo período de 2006.

Para Mendes, se o Ibovespa cair será saudável e, mais que isso, uma oportunidade para quem quiser entrar no mercado. Mas ele lembra que, mesmo que isso não ocorra, o investidor não estará entrando em um mercado especulativo, lembrando que a relação Preço/Lucro continua baixa em relação a outros mercados. Ele reviu para cima a previsão para o Ibovespa, de 54 mil pontos para 56 mil até o fim do ano, o que significaria um potencial de alta de 8% em relação ao fechamento de ontem.

O cenário para bolsa continua positivo apesar da alta recente, afirma Augusto Lange Vieira, gestor de Renda Variável da Neo Investimentos. Mas o mercado brasileiro não é isolado do mundo e, se houver uma queda forte na bolsa da China, por exemplo, os emergentes em geral também cairiam, incluindo o Brasil. Ou no caso de um aumento de risco via alguma crise política internacional. "Mas nosso cenário continua positivo, estamos migrando para situação que nunca se viu antes, com juro baixo e crescimento econômico", afirma Vieira. "Dá para imaginar o impacto no setor imobiliário de um juro real de 5% ao ano?", diz. Ao mesmo tempo, há a questão da escolha, pois não há como saber qual empresa do setor vai se dar bem ou quebrar por problemas gerenciais, por exemplo.