Título: Os acordos de quotistas nas empresas limitadas
Autor: Creus, Luís Rodolfo e Cruz
Fonte: Valor Econômico, 24/05/2007, Legislação & Tributos, p. E2

Os acordos entre sócios há muito têm sido estudados. Acionistas e seus acordos, que buscam regular o chamado voto em bloco e o poder de controle, vinculam seus votos em assembléias gerais, reuniões de conselhos ou diretorias, no caso das sociedades anônimas. Não podemos deixar de lado, contudo, o estudo e a observação do tema dos acordos vinculativos de votos e sua aplicabilidade às sociedades limitadas - o tipo societário de longe mais utilizado dentre os existentes na legislação brasileira, segundo dados do Departamento Nacional de Registro de Comércio (DNRC).

Temos destacado a importância da análise do instituto do acordo de acionistas e sua aplicabilidade nas sociedades limitadas, à luz do novo Código Civil brasileiro, considerando que o contrato social deve prever expressamente a aplicação supletiva das normas da Lei das Sociedades Anônimas - a Lei nº 6.404, de 1976 - visando preencher as lacunas da lei ou do contrato, além de possibilitar a aplicação do artigo 118 da referida legislação. Nestes termos, naquilo que couber e não contrariar as regras impostas pelo novo Código Civil e puder ser imposto às limitadas, os empresários poderão valer-se da supletividade de normas para desenvolverem e implantarem os acordos de quotistas. Com relação ao universo de possíveis objetos de um pacto parassocial, a professora Rachel Sztajn destaca que "a variedade das matérias objeto de acordos de sócios é, efetivamente, larga, podendo abranger desde voto - de forma ampla ou limitada -, distribuição de resultados, preferência para a aquisição de quota de qualquer sócio que desejar retirar-se, indicação de ou veto a administradores ou o que mais possa compor interesses de grupos membros da sociedade".

O artigo 118 da Lei das Sociedades Anônimas regula o instituto dos acordos de acionistas, que é tido como um pacto parassocial, cuja natureza é contratual, sendo que será sempre acessório, autônomo, e não societário. Apesar de ser um contrato que fixa direitos e obrigações de determinado grupo de sócios de uma sociedade, regulando por vezes o direito de voto e controle da mesma, não se pode atribuir um caráter societário ao pacto, pois estaríamos por reconhecer a existência de uma sociedade dentro de outra sociedade, o que não pode ser admitido. Podemos ter uma sociedade que seja sócia, controladora ou não, de outra sociedade, mas não a situação de identificar a existência de um grupo de sócios (membros do pacto) aos quais pode ser atribuir uma "affectio societatis", que irão compor um grupo interno e com intersecções a outro ainda maior (todos os sócios da sociedade), com os quais igualmente deve existir a "affectio societatis". Ou seja, na inter-relação entre os grupos poderíamos ter o absurdo de uma sociedade dentro de outra, o que não é possível admitir, salvo previsão expressa em lei. É o caso da existência, na esfera contábil e societária, da sociedade em conta de participação, que se confunde com a própria sociedade do sócio ostensivo, para efeitos da consecução dos objetivos aos quais se propõem os sócios. Não podemos confundir centros de poder dentro das relações societárias com contrato de sociedade em si.

Outro ponto importante a destacar é que, em sendo um contrato, o acordo deverá respeitar os preceitos esculpidos no artigo 104 do novo Código Civil, a saber: 1) agente capaz; 2) objeto lícito, possível, determinado ou determinável; e 3) forma prescrita em lei ou não defesa em lei.

-------------------------------------------------------------------------------- É licito aos sócios, quando da elaboração do acordo, contratar quaisquer assuntos relativos aos interesses convergentes --------------------------------------------------------------------------------

Quanto à limitação de matérias que podem ser objeto do acordo, temos na doutrina duas classificações aos acordos de voto: os acordos de vontade e os acordos de verdade. Quanto aos primeiros, são regular e pacificamente aceitos considerando a plena autonomia da manifestação da vontade das partes, de forma independente. Os segundos - os acordos de verdade - encontram limitações e fragilidade, pelo fato de sobrepor-se aos interesses reais a substância do que deverá ser deliberado. Acordos para regular eventuais operações futuras sem que estejam presentes todos os elementos necessários de decisão, ou sem que se tenha uma previsão de custos e benefícios, poderão ser considerados acordos de verdade e assim, passíveis de decretação de sua nulidade.

Por fim, conforme já apontado, é licito aos sócios, quando da elaboração e concretização do pacto parassocial, contratar quaisquer assuntos relativos aos interesses convergentes que os uniram. Entretanto, existe, expressamente, um campo no qual estão impedidos de deliberarem, que, conforme anteriormente apontado, refere-se à transferência e venda de direitos de voto que é tipificada como crime, nos termos do artigo 177, parágrafo 2º do Código Penal.

No mais, o detalhamento de temas e das matérias que os quotistas desejam regulamentar no acordo deve ser cuidadosamente trabalhado, evitando situações futuras de desconforto que podem, inclusive, prejudicar a governabilidade da empresa. Cabe ressaltar que toda relação possui determinado grau de especificidade e inúmeras particularidades que devem ser analisadas caso a caso.

Luís Rodolfo Cruz e Creuz e Creuz é advogado e sócio do escritório Creuz e Villarreal Advogados Associados

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