Título: Argentina cassa concessão de ferrovia após incidente
Autor: Rocha, Janes
Fonte: Valor Econômico, 23/05/2007, Internacional, p. A13

O governo argentino cassou ontem a concessão de uma das principais linhas ferroviárias de passageiros da capital, a Roca-Belgrano Sul, que pertencia à empresa Metropolitano S.A., do empresário argentino Sergio Taselli. É a segunda concessão de trens cassada no governo Néstor Kirchner e a quarta investida do Estado sobre empresas privatizadas no governo de Carlos Menem (1989-1999).

A Roca-Belgrano Sul leva 11,5 milhões de passageiros por mês, o que equivale a 40% de todo o transporte ferroviário da capital portenha, de acordo com dados informados pela empresa em seu site na internet. A rede abrange mais de 300 km, passando por 102 estações. Sergio Taselli ganhou a concessão em 1994, liderando um grupo de investidores locais.

O cancelamento do contrato de concessão foi anunciado pelo chefe da Casa Civil, Alberto Fernandez, que justificou a medida "em função do tipo de serviço que [a empresa] estava prestando". O ministro do Planejamento, Julio De Vido, disse que "foram violadas as condições de qualidade, conforto e segurança" do serviço.

A medida, determinada pelo próprio presidente Kirchner, já era esperada há uma semana. Na terça-feira passada, passageiros enfurecidos pelos constantes atrasos e cancelamentos de viagens, protagonizaram uma violenta manifestação em uma das estações da linha, a Constitución, destruindo 13 guichês de venda de passagens e incendiando o escritório da Polícia Federal que funcionava na estação. As quatro horas de tumultos e quebra-quebra resultaram em 21 feridos e 16 pessoas detidas.

Desde então Kirchner já havia dado sinais de que pretendia retirar a licença de operação da Metropolitano, que se sustenta com 30 milhões de pesos (cerca de US$ 10 milhões) mensais em subsídios para manter congelada a tarifa para os usuários. O subsídio representa 70% do faturamento da empresa com a linha. Naquele mesmo dia, o presidente havia dito que "alguns sem-vergonhas vão pagar o que devem", referindo-se aos incidentes na estação Constitución.

Ontem, em um discurso na cidade de Quilmes, Kirchner justificou a sua decisão: "Estas concessões foram outorgadas na época menemista, que durante anos foi desestruturando toda a Argentina". E frisou: "Não vou hesitar em tomar as decisões que tenha que tomar". O ministro De Vido garantiu que serão mantidos os funcionários e o valor das tarifas cobradas nas linhas.

A medida de força chega em um momento em que o governo está em uma difícil situação política. Há cinco meses da eleição presidencial, um escândalo de supostos pagamentos de propinas, envolvendo as obras de construção do Gasoduto Norte, ameaça atingir em cheio funcionários públicos subordinados ao ministro De Vido, o mais prestigiado do governo Kirchner.

Quando começaram as investigações, o presidente afirmava que o governo não tinha nada a ver com a história, que seria de "corrupção entre privados". Agora que as investigações já chegaram a alguns nomes e provas, dois altos funcionários públicos foram afastados, enfraquecendo a tese de corrupção entre privados com a qual o governo pretendia se livrar do caso.

Desde que chegou ao poder com um discurso nacionalista, Kirchner já retomou o controle dos Correios (em novembro de 2003), que estava com o grupo Macri; da concessão de controle do espaço radioelétrico (janeiro de 2004) que estava com a empresa francesa Thales Spectrum; da concessionária Aguas Argentinas (março de 2006), que pertencia à também francesa Suez e da linha ferroviária San Martín, que também fazia parte dos ativos da Metropolitano.