Título: Como São Paulo pretende reduzir emissão de carbono
Autor: Goldenstein, Stela
Fonte: Valor Econômico, 23/05/2007, Opinião, p. A14

Nós, cidadãos do mundo inteiro, assistimos às discussões científicas sobre as medidas a serem adotadas para minimizar os efeitos dramáticos das mudanças climáticas na escala global. Mais à distância, assistimos perplexos às discussões entre nações sobre responsabilidades e encargos na adoção das medidas possíveis. Evidencia-se que os governos das cidades são, de fato, as instituições com potencial para realizar avanços.

Um conjunto de gases produzidos de forma intensa pela atividade humana é indutor de mudanças no balanço entre a energia recebida e absorvida pela Terra, e há evidências de que mantemos na atmosfera quantidades crescentes de energia, resultando em aumento de temperaturas. O metano é um dos mais relevantes desses gases: uma tonelada de metano equivale à cerca de 21 toneladas de dióxido de carbono na formação do efeito estufa.

É pouco sabido que a cidade de São Paulo já contribui efetiva e significativamente para a redução global das emissões de gás metano, sendo que as maiores fontes na cidade estão sob controle.

Esse ganho ambiental foi obtido com intervenção sobre o problema que acreditávamos estar resolvido há muito tempo, a disposição dos resíduos sólidos urbanos, o lixo doméstico. Essa é questão ambiental complexa e conflituosa, mas em São Paulo os resíduos domésticos são coletados e afastados das vistas da maior parte da população, e o tema só se faz presente se há falhas na coleta domiciliar.

Para além da face visível do problema, complexa rede de serviços e investimentos permite gestão segura dos resíduos, que são afastados do contato humano e dispostos em aterros sanitários. Estes, ao contrário dos lixões, são áreas com proteção ambiental, que evitam a contaminação humana, do solo e do lençol freático. A cidade de São Paulo mantém dois bons aterros sanitários: o Bandeirantes e o São João, construídos e mantidos com a segurança necessária. Como tudo na cidade, os volumes são assombrosos: no Norte da cidade, o aterro Bandeirantes recebe a cada dia 7 mil toneladas de lixo, além de lodo de tratamento de esgoto da Sabesp.

Ganhou novo significado nos últimos anos o gás produzido pela lenta decomposição do abundante material orgânico presente no lixo. O biogás, mistura gasosa de origem orgânica, rico em metano, atravessa as camadas de material que recobrem os aterros e libera-se para a atmosfera, contribuindo para o efeito estufa e as mudanças climáticas globais. O controle rigoroso desse biogás se dá com a sua coleta e queima, usando tecnologia conhecida e testada, mas dispendiosa.

A cidade já efetivou o controle do biogás no aterro Bandeirantes. Um sistema de captação e compactação evita que o gás seja liberado na atmosfera, além de permitir que 80% do biogás coletado seja utilizado como combustível na geração de energia elétrica em usina térmica de 22 MW. O biogás excedente é destruído por combustão. O ganho ambiental é duplo: além da captura do gás, minimiza-se a necessidade de novas fontes de energia.

O investimento foi viabilizado com os inventivos mecanismos financeiros do Protocolo de Kyoto: os países de industrialização mais antiga têm suas metas de redução de emissões de gases de efeito estufa e devem atingi-las seja no seu território, seja financiando investimentos nos países emergentes.

-------------------------------------------------------------------------------- O aterro Bandeirantes tem a maior certificação de controle de aterro no mundo: são 1.150.144 toneladas de carbono --------------------------------------------------------------------------------

O projeto foi submetido à aferição e recebeu do órgão técnico responsável junto à ONU a certificação da efetiva redução nas emissões. Assim, foram emitidos Certificados de Emissão Reduzida (CERs), os créditos de carbono, que devem ser comprados por empresas e instituições de países com metas de controle de emissões a cumprir e que, ao comprá-las, estarão financiando o controle ambiental aqui já efetivado.

O aterro Bandeirantes já tem certificação de controle do equivalente a 1.150.144 toneladas de carbono, algo próximo à soma dos créditos de carbono já obtidos por todos os demais projetos certificados no país. É a maior certificação de aterro sanitário no mundo. É também o projeto que resulta em maior percentagem de ganho para o poder público, pois que 50% dos créditos pertencem à prefeitura e outros 50% à Biogás Energia Ambiental S/A, concessionária da cidade para os investimentos de exploração desse gás.

Os créditos pertencentes à empresa concessionária já foram vendidos, em iniciativa de sua competência e interesse privado. Os pertencentes à prefeitura serão, em breve, vendidos em leilão público de alcance internacional, a forma transparente e segura para um ente público obter o melhor preço na venda, com garantias institucionais necessárias a todos os envolvidos.

É o primeiro caso de inversão de uma equação clássica: usualmente investidores e brokers de países com metas de controle de carbono a cumprir ofertam financiamento em troca da venda a termo dos créditos a serem eventualmente emitidos. A cidade está em posição confortável e, tendo viabilizado via concessionários os investimentos e procedimentos de certificação, agora dá a potenciais compradores segurança suficiente para obter melhores preços pela entrega dos certificados.

A prefeitura aplicará o valor arrecadado no leilão na melhoria urbana e ambiental do entorno do aterro Bandeirantes, que vivencia diretamente o seu impacto. Os bairros Perus e Pirituba receberão parques, praças e outras ações discutidas em reuniões públicas. Como o controle do metano no aterro se dará de forma contínua, em breve teremos mais créditos para vender, sempre por meio de leilão público, com aplicação social dos resultados. Os aterros são ativos da cidade, a serem mantidos, valorizados e explorados ao longo do seu ciclo de vida.

Em poucos dias, no extremo Leste da cidade, será inaugurada a captação e queima de gás no outro aterro, o São João, ampliando a contribuição para o controle dos gases de efeito estufa. A certificação do projeto e a venda de novos créditos de carbono também garantirão investimentos sociais e ambientais na região de entorno daquele aterro.

Com isso, alcançaremos uma redução de cerca de 20% do carbono equivalente emitido pela cidade. Trata-se de ganho ambiental que poucos podem ostentar e que qualifica a capital de São Paulo para, com a cabeça erguida, ser participante de respeito nos debates internacionais.

Stela Goldenstein é secretária adjunta de Governo da Prefeitura Municipal de São Paulo.