Título: Um lar para chamar de meu
Autor: Caprioli, Gabriel
Fonte: Correio Braziliense, 28/12/2010, Economia, p. 12

Presidente eleita promete construir e reformar dois milhões de moradias durante o seu mandato, mas o país precisará de pelo menos 34 milhões de casas para abrigar as famílias que se formarão nas próximas duas décadas

O trecho de um ditado popular sugere: quem casa quer casa. Nunca essa realidade esteve tão próxima dos brasileiros agora, em que a estabilização econômica e o incremento da renda têm permitido a muitas famílias, especialmente as das classes C e D, sonharem com a moradia própria. ¿Mãe¿ do programa Minha Casa, Minha Vida, a presidente eleita, Dilma Rousseff, que tomará posse no sábado, promete construir e reformar 2 milhões de casas e apartamentos em seus quatro anos de mandato. Quase nada diante da realidade que se apresenta para o Brasil, que viverá seu auge produtivo nos próximos 20 anos.

Além de a primeira etapa do programa governamental ter sido um fiasco, o deficit habitacional continua elevado, estimado em 5,2 milhões de moradias ¿ 80% entre as famílias com renda mensal de até três salários mínimos. Mas não é só: o país formará 1,7 milhão de famílias por ano a partir de 2011, ritmo que, se mantido pelas próximas duas décadas, resultará em 34 milhões de novos lares. Para atender a tanta demanda, será preciso mão de obra qualificada, insumos e matérias-primas, cuja escassez já assombra empresários e dói no bolso dos consumidores: os custos dos imóveis estão em disparada Brasil afora.

A depender de como o país vai encarar esses desafios, a expansão da construção civil, alavancada pelo mercado imobiliário, será excepcional. Melhor: movimentará uma cadeia enorme de setores, como os de móveis, decorações, eletrodomésticos e eletroeletrônicos, que tendem a crescer pelo menos duas vezes mais do que os 5% anuais estimados para o Produto Interno Bruto (PIB). Na base de tamanha pujança está o crédito habitacional farto, que, segundo dados do Banco Central, vem crescendo, em média, 50% ao ano.

Animação Cientes desse potencial, em especial entre a classe média emergente (com renda mensal de até R$ 5 mil), instituições financeiras e empresas passaram a desenvolver produtos específicos para tal clientela. Na avaliação da Câmara Brasileira da Indústria da Construção Civil (CBIC), são essas famílias que manterão o mercado aquecido. A presidente da Caixa Econômica Federal, Maria Fernanda Ramos Coelho, não esconde a animação. Responsável por 70% dos financiamentos, a instituição pública vai liberar R$ 70 bilhões neste ano contra R$ 47 bilhões de 2009. ¿Com a reserva de recursos que temos, podemos operar com tranquilidade até o fim do ano que vem (2011)¿, afirma.

O total de unidades financiadas com recursos do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) e da caderneta de poupança deve chegar a 950 mil neste ano, pelas contas da CBIC. Se confirmado, o volume será 39,5% superior ao de 2009 e mais de quatro vezes que o registrado em 2002.

O bancário Leandro Oliveira Álvares, 25 anos, é um dos brasileiros que conseguiu realizar o sonho e, em breve, vai morar no próprio imóvel. Ele comprou um apartamento na planta, com dois quartos e previsão de entrega para o fim de 2011. ¿Antes de pronto, o imóvel é mais barato. Como vou me casar na mesma época da entrega, deu tudo certo. Vou financiar no prazo máximo possível¿, diz. Hoje, pode-se pagar as prestações em até 30 anos ¿ algo impensável há cinco anos.

¿Não tenho dúvida de que o mercado imobiliário será responsável por uma profunda mudança no perfil do crédito no país. A tendência é diminuirmos a participação dos financiamentos mais curtos, voltados para o consumo e aumentar as linhas disponíveis para aquisição patrimonial¿, afirma José Henrique Silva, gerente de crédito imobiliário do Banco do Brasil. Para ele, o alongamento dos prazos e a redução das taxas de juros devem tornar os parcelamentos mais atraentes. ¿A base da mudança está no aumento dos níveis de emprego e renda. Os bancos, por sua vez, estão melhor respaldados juridicamente contra os mau pagadores e, portanto, mais dispostos a emprestar.¿

Atualmente, o crédito imobiliário responde por cerca de 4% do Produto Interno Bruto (PIB) e, para Silva, essa proporção pode chegar a 10% nos próximos cinco anos. ¿No caso do BB, devemos dobrar a carteira em 2010, de R$ 1,5 bilhão para R$ 3 bilhões, e a previsão para 2011 é de duplicarmos novamente e chegar aos R$ 6 bilhões¿, prevê.

Apesar da aceleração de empreendimentos de infraestrutura, o mercado imobiliário ainda é o segmento que lidera a construção civil. O presidente da CBIC, Paulo Safady Simão, estima que ele represente 40% das obras. Há ainda uma parcela importante de projetos tocados pelos próprios donos dos imóveis. Não à toa, a Associação Brasileira da Indústria de Materiais de Construção (Abramat) estima que o segmento avançará pelo menos 10% ao ano nas próximas duas décadas. Mesmo sem ainda estar morando em sua casa, Leandro Álvares já prevê gastar R$ 30 mil com reformas.

O sócio da incorporadora Coelho da Fonseca, Rubens Correia, diz que não será apenas o mercado de imóveis novos a impulsionar a economia. Também as moradias usadas serão demandadas. ¿Os dois segmentos caminharão juntos¿, acredita. Ele ressalta, porém, que uma das poucas ameaças ao setor imobiliário é a escassez de mão de obra qualificada. Após quase 30 anos sem investimentos de grande porte, o Brasil se desaparelhou e, atualmente, tanto as construtoras quanto as pessoas físicas têm dificuldade em encontrar profissionais preparados. O reflexo disso é o aumento dos custos das obras que, quando ficam paradas à espera de trabalhadores, saem mais caras.

PREÇO DA ESCASSEZ Pesquisa realizada pela consultoria de Recursos Humanos Wiabiliza estima que, somente por causa da escassez de mão de obra, o encarecimento média dos imóveis em 2010 será de 15%. Um mestre de obras júnior está cobrando R$ 4,7 mil por mês, enquanto um mestre de obras sênior recebe até R$ 8,6 mil. Entre os profissionais da engenharia civil, em que a quantidade de trabalhadores qualificados é ainda menor, o salário chega a R$ 11,5 mil mensais. Além da mão de obra, faltam insumos e matérias-primas, também motivo da alta dos preços das moradias.