Título: Para empresas, projeto original foi feito às pressas
Autor: Bueno, Sérgio
Fonte: Valor Econômico, 23/05/2007, Especial, p. A16

A polêmica sobre o zoneamento proposto pela Fepam para a silvicultura no Rio Grande do Sul opôs ambientalistas e técnicos da fundação que elaboraram o trabalho, de um lado, e as empresas e entidades do setor florestal, de outro. Entre as duas partes, o governo estadual passa por uma situação delicada e semelhante à do governo federal frente à dificuldade para destravar os processos de licenciamento ambiental de obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC).

"Acreditamos que o bom-senso vai prevalecer", afirma o diretor de operações da Aracruz, Walter Lídio Nunes. De acordo com ele, o projeto da Fepam é "extremamente defeituoso", baseado em "literatura ultrapassada" e foi exposto prematuramente à discussão pública. "A transição (de governo) atrapalhou e não houve uma condução firme das discussões", diz o executivo, para quem o relatório do grupo de trabalho formado pela Sema "repôs o equilíbrio" no debate.

Conforme Nunes, os planos da empresa para o Estado incluem 100 mil hectares de florestas plantadas (66 mil já estão sendo cultivados) e a construção de uma nova unidade ao lado da fábrica de Guaíba, com capacidade adicional de 1,3 milhão de toneladas de celulose para exportação por volta de 2010. O investimento chega a US$ 1,7 bilhão, mas depende do desfecho da crise. Os 34 mil hectares que faltam para completar a base florestal necessária estão sendo negociados, mas a empresa está "segurando" as compras até ter um quadro definitivo das novas normas ambientais, diz o executivo.

A sueco-finlandesa Stora Enso, que estuda investir cerca de US$ 1,2 bilhão na instalação de uma fábrica de 1 milhão de toneladas por ano de celulose de fibra curta no Estado também espera a definição do zoneamento até o fim do ano. "A proposta original foi feita a toque de caixa e não atendeu às expectativas do setor", disse o diretor-florestal para a América Latina, João Borges. A Stora Enso já tem licenciado o plantio de 5 mil hectares, mas tenta regularizar, no Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), a posse das terras adquiridas no Estado, em áreas de fronteira nacional.

"Esperávamos repetir neste ano os 90 mil hectares plantados em 2006, mas isso não será mais possível porque perdemos um bom período de plantio", afirma o presidente da Ageflor, Roque Justen. Na viveirista Tecnoplanta, de Barra do Ribeiro, o impasse sobre os licenciamentos levou à destruição de 8 milhões de mudas desde março, em função do cancelamento de encomendas. O prejuízo foi de R$ 3 milhões e provocou a demissão de 180 dos 750 funcionários, relata o diretor Eudes Marchetti.

As ONGs ambientalistas, que têm apenas quatro das 28 cadeiras do Consema, prometem defender a proposta original da Fepam, mas têm poucas esperanças de que ela prevaleça no estabelecimento das normas definitivas. "Dá para brigar um pouco nas audiências públicas, mas não é fácil", admite o coordenador do Instituto Gaúcho de Estudos Ambientais (Ingá), Cristiano Hickel. Os próprios técnicos da fundação se sentem desprestigiados. "Tentaram dar a Fepam por incompetente", diz um servidor.

Para a coordenadora do Núcleo Amigos da Terra (NAT), Carla Villanova, o trabalho da fundação foi elaborado em cima de "metodologia e bases científicas sérias". A ONG chegou a tentar anular, na Justiça, a constituição do grupo de trabalho formado pela Sema que elaborou o relatório contrário à proposta original de zoneamento, mas não obteve sucesso. "O grupo de trabalho foi uma imposição do governo para ajustar o zoneamento aos interesses das empresas", diz Hickel, do Ingá. Procurada, a Votorantim Celulose e Papel (VCP) não quis comentar o assunto. (SB)