Título: Legislação para plantio de florestas provoca crise no governo do RS
Autor: Bueno, Sérgio
Fonte: Valor Econômico, 23/05/2007, Especial, p. A16

O Rio Grande do Sul começa a definir em junho, com audiências públicas nas cidades de Pelotas, Alegrete, Santa Maria e Caxias do Sul, as regras de zoneamento ambiental para silvicultura, que serão decisivas para os planos de empresas como Aracruz, Votorantim Celulose e Papel (VCP) e Stora Enso no Estado. Duas propostas antagônicas serão debatidas, uma da Fundação Estadual de Proteção Ambiental (Fepam), criticada pelas empresas, e outra de um grupo de trabalho criado pela Secretaria Estadual do Meio Ambiente (Sema) como resposta às pressões do setor florestal.

A questão transformou-se em crise e já custou a demissão, neste mês, do ex-presidente da Fepam, Irineu Schneider, e da ex-secretária do Meio Ambiente, Vera Callegaro, amiga pessoal da governadora Yeda Crusius (PSDB), ambos desgastados com o episódio. As empresas afirmam que a proposta da fundação torna inviável o plantio de florestas de eucaliptos e pinus, porque reduz a possibilidade de aproveitamento das áreas. Isso impede a construção das fábricas de celulose previstas para o Estado, o que coloca em risco um pacote de investimentos estimado em cerca de US$ 5 bilhões nos próximos anos.

Agora, o novo titular da Secretaria Estadual do Meio Ambiente (Sema), procurador de Justiça Carlos Otaviano Brenner de Moraes, que assumiu o cargo na semana passada, promete buscar a "convergência" entre proteção ao meio ambiente e desenvolvimento econômico. A intenção do novo secretário é resolver a questão até o fim do ano, para evitar a repetição do impasse no período de plantio em 2008, entre março e outubro.

"A tensão faz parte, os interesses são compreensíveis e os mecanismos para fazê-los valer, também", afirmou Moraes quando questionado sobre a ameaça de cancelamento dos investimentos em função da proposta da Fepam. Ele reconhece a importância "inegável" dos empreendimentos previstos, mas afirmou que "nem o Estado pode ficar refém das empresas nem as empresas reféns da omissão do Estado" na definição das novas regras.

Atraídas pelas condições de clima e solo que aceleram o ciclo de crescimento das árvores (7 anos, contra 70 anos na Finlândia, no caso dos eucaliptos, por exemplo), pela disponibilidade de terras e pelos custos competitivos de produção, as empresas de celulose começaram a formar grandes bases florestais no Rio Grande do Sul nos últimos três anos anos. A Aracruz, que em 2003 comprou a fábrica da Klabin em Guaíba, já tem 66 mil hectares plantados e 29 mil de reserva ambiental. A VCP já adquiriu quase 100 mil hectares e a Stora Enso, 46 mil.

"O Rio Grande do Sul quer se configurar como site mundial de silvicultura", afirma Suzana Kakuta, presidente da Caixa RS, agência de fomento do governo gaúcho que coordena o projeto de desenvolvimento do arranjo produtivo local de base florestal. O Estado tem hoje 461 mil hectares plantados com eucalipto, pinus e acácia, segundo estimativa da Associação Gaúcha de Empresas Florestais (Ageflor). A média de consumo atual é de 30 mil hectares por ano e a meta do setor é chegar a 800 mil hectares cultivados em 2013.

Só que, até agora, o Estado não dispõe de um zoneamento ambiental específico para o plantio de florestas e as empresas compraram as terras sem saber se, legalmente, elas poderiam ser utilizadas, comenta o chefe da assessoria jurídica da Fepam, Paulo Régis da Silva. De acordo com ele, quando foi escolhido para o cultivo comercial de eucaliptos, o Rio Grande do Sul já tinha plantações em pequena escala licenciadas pelo Código Estadual do Meio Ambiente, mas a legislação local "não estava pronta" para a silvicultura.

O vácuo legal levou o Ministério Público Estadual (MPE) a firmar com a Fepam e a Sema, em maio de 2006, um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), determinando a realização de estudos de impacto ambiental (EIA-Rima) nos plantios superiores a mil hectares ou inferiores, se houver utilização "significativa" da área em termos percentuais", além de compensações pelos danos ambientais.

O TAC permitiu a manutenção dos licenciamentos no ano, mas valia até 31 de dezembro, quando a proposta de zoneamento da Fepam deveria ficar pronta para ser submetida às audiências públicas e à aprovação do Conselho Estadual do Meio Ambiente (Consema) - presidido pelo secretário do Meio Ambiente - até 31 de março de 2007.

Uma primeira versão do zoneamento foi apresentada ao ex-governador Germano Rigotto (PMDB), em dezembro. O documento gerou uma onda de reações contrárias das empresas de celulose, entidades do setor e políticos da metade sul do Estado, região escolhida para receber os investimentos, o que levou à criação, em fevereiro, do grupo de trabalho na Sema com representantes do governo e de instituições como as federações da indústria (Fiergs) e da agricultura (Farsul), o sindicato das madeireiras (Sindimadeira) e a Ageflor.

A proposta da Fepam e o relatório do grupo de trabalho só chegaram ao Consema em abril e, na falta de um marco legal depois que o TAC havia expirado, os licenciamentos pararam no primeiro trimestre. A saída foi um aditivo ao termo de ajustamento, no início de abril, autorizando a fundação a usar a proposta de zoneamento como parâmetro nos processos, mesmo antes de ser aprovada no Consema. Mas, em função da reação das empresas, ele foi substituído por um segundo aditivo, no início de maio, determinando que também fossem consideradas as conclusões do grupo de trabalho da Sema.

Desde então, a Aracruz recebeu cinco licenças em abril com base no primeiro aditivo ao TAC, totalizando 512 hectares liberados, ante 722,6 hectares solicitados. Em maio, depois do segundo aditivo, recebeu mais duas, com 123,1 hectares (de 130,1 requeridos), informou a Fepam.

No total, 23 dos 128 licenciamentos requeridos neste ano foram concedidos nos dois meses. A VCP deve receber a qualquer momento os três primeiros de 37 licenciamentos solicitados. A Stora Enso reapresentou, na sexta-feira passada, pedido de licenciamentos para 26 áreas que totalizam 11 mil hectares. As requisições haviam sido encaminhadas em 2006, mas caducaram quando o TAC expirou.