Título: Dívida do BC cresce R$ 83 bilhões
Autor: Lucchesi, Cristiane Perini
Fonte: Valor Econômico, 23/05/2007, Finanças, p. C1

O total de empréstimos de curto prazo tomados pelo Banco Central por meio de operações compromissadas - venda de títulos com compromisso de recompra - é hoje cinco vezes maior do que no final de 2005. Saltou de R$ 22,86 bilhões em dezembro do ano retrasado para R$ 105,94 bilhões em março deste ano, um aumento de R$ 83 bilhões. Foi uma das formas encontradas pelo BC para enxugar a liquidez resultante da compra de dólares no mercado de câmbio, segundo notou o estrategista da Goldman Sachs, Paulo Leme.

A operação compromissada funciona da seguinte forma: o banco compra um título público por R$ 100 e entrega dinheiro ao BC, que por sua vez garante recomprar o mesmo título por R$ 112,50 após um ano, pagando a taxa básica de juros Selic: 12,5% ao ano. O BC precisa fazer um volume grande dessas operações, pois, ao comprar os dólares que entram no país, injeta reais na economia. Com isso, aumenta a base monetária, ou a quantidade de dinheiro em circulação na economia, o que pode ter efeitos inflacionários, dificultando a política de metas de inflação do próprio Banco Central.

Diferentemente do que acontece com outros países emergentes com superávit no balanço de pagamentos, como a Rússia ou Argentina, o BC brasileiro tem optado por esterilizar 100% dessas injeções de reais. Tanto que a base monetária, que era de R$ 101,247 bilhões em dezembro de 2005, cresceu apenas 6% até março, para R$ 107,236 bilhões. "É normal que a base monetária cresça de 5% a 10% em ano, por causa do crescimento da economia", diz Paulo Leme.

As compras de dólares do BC vão engrossar suas reservas internacionais, o seu caixa em moeda estrangeira. De dezembro de 2005 a março último, nosso período de comparação, as reservas passaram de US$ 53,799 bilhões para US$ 109,531 bilhões, um aumento de US$ 55,732 bilhões, que em reais resulta em crescimento de R$ 112 bilhões considerando-se o câmbio de R$ 2. O último número divulgado, para o dia 2 de maio, mostra reservas de US$ 122,4 bilhões, ou R$ 250 bilhões, mais do que o dobro da base monetária.

Paulo Leme alerta para "ineficiências" na estratégia do BC, que ficam mais evidentes à medida que as reservas se ampliam. Uma delas é a diferença de prazos: as operações compromissadas, um passivo do BC, são de curto prazo. Segundo o BC, em março, 39,3% dessas operações de R$ 105,94 bilhões eram de até duas semanas, enquanto o restante 64,281% têm vencimento acima de quatro meses, mas raramente superior a um ano. O BC tem um acordo implícito de deixar os prazos mais longos para os títulos do Tesouro.

Enquanto as operações compromissadas, um passivo do BC, são de curto prazo, as reservas internacionais, um ativo do BC, são de longo prazo. "Se os vencimentos das operações compromissadas não forem rolados, poderemos ter pressão sobre a base monetária e sobre a inflação", diz Paulo Leme. Além disso, ao tomar muito crédito no curto prazo, o BC acaba causando uma distorção na curva de juros, puxando as taxas de curto prazo para cima em relação às longas.

Outra "ineficiência": os ativos do BC, as reservas internacionais, são em dólar, e os passivos, as operações compromissadas, são em reais. Se o dólar se enfraquecer mais 10%, por exemplo, as reservas internacionais, os ativos do BC, que representam cerca de R$ 250 bilhões hoje, vão valer menos, ou R$ 225 bilhões, quando convertidas para reais. Haverá uma perda de ativos, com impacto contra o capital do banco. "É importante lembrar que, em economia, não há almoço grátis", brinca.

Há ainda o custo de carregar reservas por causa da diferença entre o custo de captação dos recursos pelo BC por meio das operações compromissadas - a taxa Selic -, e os ganhos com aplicação das reservas - os juros internacionais. Basicamente, são 7,5% ao ano - a Selic está em 12,50% ao ano e os juros americanos, em 5% ao ano. "Os países asiáticos, como a China ou Cingapura, carregam reservas maiores em relação ao PIB do que o Brasil, mas pagam juros internos menores e o custo de carregamento das suas reservas muitas vezes é negativo", diz Paulo Leme.

O impacto é semelhante nos swaps cambiais reversos, por meio dos quais o BC compra dólar no mercado futuro - o BC paga os juros em reais e a valorização do real e recebe a valorização do dólar e o cupom cambial (juros em dólar no mercado interno). Em março, o BC estava com exposição líquida de R$ 25,3 bilhões aos swaps reversos, o que resultou em um resultado negativo de R$ 1,024 bilhão no mês, quando o BC teve um déficit nominal de 0,38% do PIB.