Título: Anac debaterá participação externa nas aéreas
Autor: Rittner, Daniel
Fonte: Valor Econômico, 31/05/2007, Brasil, p. A4

A Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) deve apresentar, em 30 dias, uma proposta detalhada de modernização das leis que regem o setor aéreo. Irá mexer em questões ignoradas pelo Código Brasileiro de Aeronáutica, válido desde 1986, como a prática de "overbooking", e entrará na discussão de um ponto polêmico: o limite de capital estrangeiro nas empresas brasileiras, hoje fixado em 20%.

A idéia é que o trabalho sirva de base para uma nova Lei Geral de Aviação Civil, que não substituiria o Código de Aeronáutica, mas restringiria a legislação vigente à aviação militar.

Ainda em marcha lenta, o tema começa a esquentar dentro do governo. Na próxima quarta-feira, o Conselho Nacional de Aviação Civil (Conac) se reunirá pela primeira em quase quatro anos e discutirá o assunto. Os seis ministros que fazem parte do Conac, instância máxima do governo para o setor, deverão dar sinal verde à conclusão de um anteprojeto de lei do Ministério da Defesa para a aviação. Trata-se de um projeto sem relação com o trabalho da Anac - este conduzido pela diretora Denise Abreu.

As duas propostas vão abordar aspectos semelhantes e controversos. A maioria dos diretores da Anac rejeita o aumento da participação estrangeira nas aéreas brasileiras para 49%, como admitem, por exemplo, o presidente da agência, Milton Zuanazzi, e o ministro das Relações Institucionais, Walfrido Mares Guia. Esse aumento também encontra oposição no Comando da Aeronáutica, mas foi defendido abertamente pela maior companhia nacional. "Somos favoráveis à participação de 49%", comentou anteontem o presidente da TAM, Marco Antonio Bologna, durante depoimento à CPI do Apagão Aéreo da Câmara.

Para seus defensores, a maior abertura do setor pode significar uma oportunidade de capitalização das empresas - não apenas as grandes, mas gerando investimentos nas aéreas menores e o conseqüente aumento da competição. Para os críticos, mudar o teto da participação estrangeira tende a concentrar ainda mais o mercado nas mãos de TAM e Gol, as principais candidatas a receber aportes externos. Hoje, as duas transportam cerca de 94% dos passageiros domésticos, somando-se a fatia da VRG Linhas Aéreas, comprada em março pela Gol. Os opositores lembram que, mesmo nos Estados Unidos, a participação estrangeira está limitada a 30% do capital.

Outros pontos prometem gerar divergência no governo. Um deles é a tentativa do Ministério da Defesa, em seu anteprojeto de lei, de deixar mais claros os dispositivos para prevenir a prática de "dumping" das empresas maiores sobre as pequenas do setor.

Não se trata de interferir na liberdade tarifária das companhias, garantida pela lei de criação da Anac e reforçada pelo Cade, que já aprovou as promoções de passagem a R$ 50 feitas pela Gol. A preocupação da Defesa é encontrar mecanismos que impeçam as grandes de impor tarifas artificialmente baixas em rotas de baixa densidade, onde a concorrência começa a surgir.

Essa prática é alvo de reclamações constantes de empresas como BRA e Rico. Elas costumam dizer que, no momento de implementação de novos vôos, as companhias maiores baixam os preços somente nas rotas e horários em que há competição nascente. Para o Ministério da Defesa, é possível estabelecer regras mais rígidas que inviabilizem esse tipo de conduta. Em reuniões preparatórias do Conac, o Ministério da Fazenda posicionou-se contra a inclusão de tais dispositivos na nova lei da aviação, segundo o registro obtido pelo Valor da reunião da Comissão Técnica de Coordenação das Atividades Aéreas (Cotaer), realizada em 10 de maio.

A nova lei também definirá punições específicas para problemas que incomodam os passageiros, como o "overbooking" e o extravio de bagagem, e trará uma tipificação melhor das práticas de "aerodesporto" - atividades que devem ser fiscalizadas pela Anac, mas não estão definidas com clareza. Isso abrange equipamentos como ultra-leves, balões e asas-delta.

No Ministério da Defesa, a intenção é que todas as modificações da legislação que rege o setor aéreo sejam submetidas à consulta pública antes de ir ao Congresso. Trata-se de uma forma de atenuar as divergências e evitar o prolongamento das discussões no Legislativo. A Anac pretende consultar as empresas aéreas, o Ministério Público, a OAB e entidades de defesa do consumidor ao fim dos 30 dias, quando concluir sua proposta.