Título: Aprovadas as três primeiras súmulas vinculantes do país
Autor: Teixeira, Fernando
Fonte: Valor Econômico, 31/05/2007, Legislação & Tributos, p. E1

Dois anos de discussão sobre os textos das primeiras súmulas vinculantes do país não foram suficientes para uma aprovação fácil de seus exemplares inaugurais no pleno do Supremo Tribunal Federal (STF). Durante a sessão que aprovou os três primeiros enunciados do gênero na tarde de ontem, a presidente do Supremo, ministra Ellen Gracie, revelou que fez a primeira sugestão de súmula ainda em maio de 2005, quando o instrumento, criado pela Emenda Constitucional nº 45, que estabeleceu a reforma do Judiciário, tinha apenas cinco meses de vida. A lista de temas candidatos a súmulas vinculantes chegou a oito projetos no início deste ano, mas foi paulatinamente reduzida para evitar o surgimento de diferenças entre os ministros. Ainda assim, a votação final incluiu discussões sobre redação, procedimentos e aprovação por maioria - com divergência do ministro Marco Aurélio de Mello.

Os constantes adiamentos das discussões sobre as primeiras súmulas vinculantes no Supremo e o vaivém de redações e novas propostas revelam o peso atribuído ao novo instrumento no meio jurídico. Junto com a criação do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), a súmula vinculante é vista como uma das grandes responsáveis pelos 14 anos de tramitação da reforma do Judiciário no Congresso Nacional, a despeito do esforço concentrado do governo federal e do então presidente do Supremo, Nelson Jobim nos dois anos anteriores à entrada em vigor da Emenda Constitucional n 45. O instrumento foi alterado para acomodar pressões dos juízes de primeira instância - passou a vincular também o poder público -, ganhou regulamentação em 2006 - até então considerada desnecessária - e ainda assim cria apreensão sempre que vem à tona.

A primeira dificuldade da aprovação das primeiras súmulas na tarde de ontem apareceu quando a Associação Brasileira das Loterias Estaduais pediu para participar do processo de análise do enunciado que trata dos bingos como "amicus curie", fazendo inclusive sustentação oral. A Súmula nº 2 estabelece que leis estaduais não podem autorizar o funcionamento de loterias e jogos de bingo. A ministra Ellen Gracie entendeu que o Supremo já tinha posição definitiva sobre a disputa - foram julgadas sete ações diretas de constitucionalidade (Adins) sobre o tema - e que não cabia reabrir a discussão, até porque a associação já tinha participado em três dessas ações. O ministro Marco Aurélio defendeu o direito da associação, mas foi derrotado na votação.

A súmula sobre os bingos ganhou projeção no mês passado por causa da Operação Furação, da Polícia Federal, que desmantelou um esquema de compra de liminares da Justiça que autorizavam o funcionamento de bingos. Com a edição da súmula vinculante, a concessão de liminares se torna muito mais difícil - uma vez emitidas, terão vida curta, pois podem ser cassadas imediatamente pelo Supremo.

No julgamento do mérito da súmula sobre bingos, o ministro Marco Aurélio também decidiu sair vencido: anunciou que voltaria atrás no entendimento que manifestou quando a súmula passou pela comissão de jurisprudência do Supremo, da qual é presidente, e foi contra sua aprovação. Ele disse preferir manter sua posição anterior, quando foram julgados os precedentes, segundo o qual o veto ao funcionamento de loterias fere o pacto federativo.

No caso da súmula sobre o direito à ampla defesa em processos no Tribunal de Contas da União (TCU), o Supremo ainda se debruçou sobre uma nova proposta de redação levada pela ministra Ellen Gracie ao pleno em substituição ao texto saído da comissão de jurisprudência e ainda precisou analisar uma contraproposta apresentada pelo ministro Marco Aurélio. Acabou prevalecendo o texto de Ellen Gracie, vencido o ministro. A proposta é voltada às ações movidas por servidores contra decisões do TCU que cortam adicionais salariais, sobretudo em aposentadorias, sem chamar os servidores a se manifestar. Isso ocorre porque o TCU convoca à defesa apenas o órgão público onde o servidor trabalha, e também porque a Instrução Normativa nº 44, de 2002, do TCU, cria uma espécie de efeito vinculante das suas decisões, levando a cortes automáticos nos vencimentos de todos os servidores em situações semelhantes assim que decide um caso particular.

Das propostas aprovadas, a única que não teve problemas para ser aprovada foi a primeira na ordem da pauta, a súmula sobre o acordão do FGTS. Esta também foi a primeira súmula proposta, em maio de 2005, pela ministra Ellen Gracie. Segundo a ministra, a nova súmula tem um grande impacto potencial de redução da demanda na Justiça Federal. O texto estabelece que o acordo proposto em 2003 pela Caixa Econômica Federal para parcelar os expurgos nas contas do FGTS reconhecidos pelo Supremo não poderia ser questionado na Justiça. Ou seja, uma vez firmado o acordo, o correntista não poderia desistir e cobrar de novo o débito judicialmente. Como há 32 milhões de correntistas que aderiram ao acordo, diz Ellen, o estabelecimento de posições em contrário teria um potencial "explosivo" sobre a Justiça. Estima-se que uma ação judicial contra o acordo traz um acréscimo de até 50% no valor recebido pelo correntista, além de ser à vista - o parcelamento foi feito em sete anos.

Ao fim da sessão, a ministra Ellen Gracie adiantou que novas súmulas vinculantes já estão a caminho. Além das cinco propostas já conhecidas, mas deixadas para trás neste primeiro pacote de enunciados - como as súmulas sobre Cofins, crimes hediondos e competência da Justiça do Trabalho para ações de danos morais em acidentes de trabalho -, ela diz que já há um grupo de temas inéditos em análise para integrar o segundo pacote.