Título: Fiesp reclama de lista industrial do Brasil
Autor: Moreira, Assis
Fonte: Valor Econômico, 01/06/2007, Brasil, p. A5

O governo brasileiro quer proteger 880 produtos industriais na Rodada Doha, com corte menor de tarifas de importação. Uma primeira lista submetida por Brasília aos outros países do Mercosul, para harmonizar os produtos do bloco considerados sensíveis, já causa profunda irritação na Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp). A entidade comunicou ao Itamaraty, responsável pelas negociações comerciais, que discorda da lista elaborada pelo Ministério do Desenvolvimento (MDIC), por avaliar que ela cobre apenas seis setores: móveis, têxteis, calçados, máquinas, eletrônicos e químicos.

A entidade aponta "setores prejudicados pela utilização de critérios arbitrários e um cenário irrealista": automotivo, autopeças, alumínio, bicicletas, plástico, couro, pneus, papel, ferramentas, relógios, instrumentos óticos e produtos de higiene. O Itamaraty nega que o setor automotivo, por exemplo, esteja fora da lista de proteção, com negociadores e lembra que esse é o primeiro setor sempre citado para proteção. Fonte do Ministério do Desenvolvimento acrescentou que a lista foi preparada não com base em setores econômicos sensíveis, mas em produtos que podem ter corte real na alíquota pela fórmula que for negociada na rodada.

Carlos Cavalcanti, diretor de relações internacionais da Fiesp, estima que não tem sentido preparar agora uma "lista de sensibilidade", porque ela terá de ser negociada bilateralmente entre os países na OMC, e isso somente ocorrerá depois de definido o coeficiente da fórmula para cortar as alíquotas. O diretor da Fiesp, porém, diz que a entidade concorda com a combinação que está na mesa de negociação em relação à área industrial: efeito da fórmula de corte tarifário, mais acordos setoriais voluntários e "enxugamento da água" (aproximar tarifas consolidadas do percentual aplicado).

Um futuro acordo global deve prever também uma flexibilização para indústrias dos países em desenvolvimento, com períodos de implementação mais longos e menor corte proposto pela fórmula. Há duas opções: a primeira, aplicação de cortes até 50% menores em 10% das linhas tarifárias que não ultrapassem 10% do valor total importado pelo país. A segunda, excluir 5% das linhas tarifárias dos cortes, desde que não ultrapassem 5% do valor importado. O Brasil prefere a primeira opção.

O ministério consultou os setores industriais. Com base numa fórmula com coeficiente 30, pela qual 2,4 mil produtos serão "perfurados" (corte real de tarifa), o setor privado elaborou uma lista de 1,7 mil produtos para os quais pediu proteção - mesmo sabendo que a lista final do Brasil poderá ter apenas 880. Segundo a Fiesp, o ministério usou o critério de só incluir na lista os produtos que sofrerão corte superior a 2% na tarifa aplicada e levando em conta fórmula com coeficiente 30, alto demais e irrealista para permitir um acordo em Doha. Para a entidade, dependendo da fórmula que se considera mais realista na negociação, poderão ser atingidos entre 1,2 mil a 1,415 mil produtos por cortes reais de tarifas.

A Fiesp diz saber, e concordar, que serão usados critérios políticos nas barganhas na OMC para definir os setores industriais sensíveis. Significa que, quanto mais um país aceitar participar de acordos setoriais, que aprofundem a liberalização, mais poderá incluir produtos na lista de sensibilidades. "É claro que não vai ter espaço para todo mundo (ser protegido), e por isso submetemos nossos critérios", afirmou Cavalcanti.

Quatro setores já se declararam voluntários a acordos setoriais, que podem eliminar ou cortar fortemente as alíquotas. Cavalcanti não diz quais são, mas vê possibilidades inclusive em certos produtos químicos e máquinas, onde não há produção nacional ou porque as alíquotas já são baixas.

Em Brasília, o ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, disse ontem estar "bem confiante" em relação a um acordo em Doha. "Vejo que os negociadores estão ficando nervosos, e isso é um sinal de que alguma coisa pode acontecer. É um nervosismo positivo, eles estão telefonando quase todos dias, há uma série encontros", afirmou o ministro. Amorim afirmou que o Brasil vai mostrar flexibilidade na oferta de tarifas sobre produtos manufaturados, especialmente se outros aspectos da negociação, como a agricultura, caminharem bem.