Título: Relatório da Anac prevê colapso em aeroportos
Autor: Rittner, Daniel
Fonte: Valor Econômico, 04/06/2007, Brasil, p. A3

O sistema de infra-estrutura aeroportuária brasileira pode entrar em colapso caso não sejam acelerados investimentos e encontradas soluções para terminais que já superaram a capacidade de operação ou estão à beira da saturação, o que já acontece com Congonhas e Brasília e, no horizonte até 2015, atingirá 19 dos 28 principais aeroportos do país.

A capacidade de abrigar passageiros nesses aeroportos será superada pela demanda por transporte aéreo, que cresce a taxas chinesas - próximas de 20% nos últimos quatro anos. Até 2025, também os pátios de aeronaves estarão comprometidos em 20 aeroportos. O diagnóstico - que não menciona explicitamente um colapso no sistema - faz parte de relatório da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) que está em fase de preparação e cuja versão preliminar foi entregue à CPI do Apagão Aéreo da Câmara.

Nem mesmo os recursos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) serão suficientes para fazer frente ao aumento da demanda. A Infraero aponta a necessidade de investimento total de R$ 5,069 bilhões, entre 2007 e 2010, nos 28 aeroportos analisados. Para a Anac, há necessidade de recursos adicionais de R$ 1,771 bilhão. Adequar os aeroportos à nova realidade da aviação no país, porém, esbarra na falta de orçamento.

Em receita própria, a Infraero terá apenas R$ 3,044 bilhões para investir no quadriênio. Esses recursos serão complementados pelo PAC, que destinará mais R$ 2 bilhões do Orçamento Geral da União para 20 aeroportos. O problema é que, mesmo assim, o dinheiro não chega nem perto do total necessário: R$ 6,8 bilhões, segundo as estimativas da Anac.

"Há um claro e preocupante descompasso entre o crescimento da demanda por transporte aéreo e os investimentos realizados para fazer frente aos desafios de um setor altamente dinâmico", diz a Anac no estudo, que dará subsídios para a elaboração de um Plano Aeroviário Nacional, em 2008. O PAN vai orientar os investimentos de longo prazo na infra-estrutura aeroportuária.

A situação mais dramática está em São Paulo. Além da absoluta saturação do terminal de passageiros de Congonhas, que já recebe mais de 17 milhões de pessoas para uma capacidade instalada de 12 milhões, o relatório adverte que as condições de segurança operacional no aeroporto "encontram-se com os parâmetros recomendados comprometidos em diversos critérios, como faixa de pista e áreas de transição e aproximação".

Com a malha urbana em torno de Congonhas limitando a expansão, a única possibilidade de melhoria é no pátio de aeronaves, que hoje abriga 34 movimentos por hora em 25 posições - 12 pontes de embarque e 13 na área remota (por ônibus). Segundo projeções da Anac, será preciso ampliar a área do pátio de estacionamento em dez posições.

Em Cumbica (Guarulhos), o pátio de aeronaves dará conta da demanda até 2025, mas todo o resto indica que o aeroporto está perto da saturação. As duas pistas atuais permitem 55 movimentos (pousos e decolagens) por hora, o que será suficiente para atender à demanda projetada para 2010 (54 movimentos na hora-pico), mas não para 2015 (66 movimentos na hora-pico).

Os dois terminais de passageiros, habilitados para receber 16,5 milhões de pessoas por ano, estão à beira do limite. A construção de um terceiro terminal (em licitação) aumentará a capacidade para 28,5 milhões de passageiros, o que dará um fôlego temporário, mas a demanda ultrapassará de novo a capacidade entre 2010 e 2015 - ano em que se estima a movimentação de 30,7 milhões de passageiros. Ou seja: tudo leva a crer que, no médio prazo, Cumbica vai ser um aeroporto tão desconfortável quanto Congonhas atualmente.

Para expandir a infra-estrutura aeroportuária em São Paulo, deve-se considerar que "a proximidade e orientação entre as pistas de pouso e decolagem dos atuais aeródromos (...) complicam o gerenciamento do espaço aéreo", afirma a Anac. A agência lembra que "as condições impostas pelo relevo e ocupação de entorno de Guarulhos (...) limitam a futura terceira pista a no máximo 2.100 metros" - extensão relativamente curta para um aeroporto de padrão internacional.

Para não levar a infra-estrutura do setor ao caos, o estudo sugere a construção de um terceiro aeroporto em São Paulo - cujos custos iniciais de implantação são estimados em R$ 500 milhões, desconsiderando o valor de desapropriações e instalações complexas - ou a ampliação de Viracopos (Campinas), mediante reformas, que precisaria de "acesso condizente com as necessidades e anseios de seus usuários, capaz de ligar aquele aeroporto à cidade de São Paulo, a fim de viabilizar uma integração rápida e eficiente à capital".

Outras cidades têm situação bastante preocupante. É o caso de Brasília, que se tornou um importante "hub" (centro de distribuição de vôos) para o Centro-Oeste e Norte do país. A segunda pista de pouso e decolagem permite o atendimento da demanda até 2010 e, com ajustes para redução do incômodo causado pelo ruído, talvez até além de 2015.

No entanto, o grande problema do aeroporto Juscelino Kubitschek é o terminal de passageiros, com capacidade para 7,4 milhões de pessoas, mas que já atende cerca de 10 milhões, "estabelecendo um baixo nível de serviço aos usuários", conforme reconhece a Anac.

A construção de um segundo satélite (com "fingers" e sala de embarque) e o prolongamento do viaduto do terminal devem aumentar a capacidade para 11 milhões de passageiros. A obra está no PAC e é orçada em R$ 149 milhões, mas dá pouco fôlego: antes de 2010, quando receberá 14,6 milhões de pessoas, o aeroporto já estará novamente saturado.

Embora a agência não faça menções a isso, uma possibilidade é realocar vôos para o Rio de Janeiro, onde os aeroportos do Galeão e Santos Dumont têm relativa folga.

O estudo indica que os aeroportos de Vitória e de Porto Seguro também já estão com os seus terminais de passageiros saturados. Em 2010, vão juntar-se a eles os aeroportos de Salvador, Curitiba, Fortaleza e Cuiabá.

No relatório, a Anac critica o "desmonte das estruturas de planejamento de longo prazo que viabilizam os investimentos no setor de transporte aéreo e sua infra-estrutura". E conclui, provocando aqueles que não admitem a entrada de empresas na administração dos aeroportos: "As restrições do setor público para realizar investimentos em infra-estrutura podem também ser minimizadas através de uma maior participação do setor privado."