Título: Impacto de queda da taxa de juro sobre dólar é controverso
Autor: Lamucci, Sergio
Fonte: Valor Econômico, 04/06/2007, Brasil, p. A4

O impacto de uma queda mais forte dos juros sobre o câmbio continua uma questão controversa entre os economistas. Em relatório recente, o ex-diretor do Banco Central (BC) Eduardo Loyo, agora economista-chefe do UBS Pactual, estima que uma redução imediata da taxa Selic de 12,5% para 10% ao ano provocaria uma desvalorização mínima do real, concluindo que o desejo de afetar o câmbio não deve ser um dos principais objetivos da política monetária daqui para frente, uma vez que ela pouco pode fazer nesse sentido.

Mas a avaliação de Loyo está longe da unanimidade. Vários economistas avaliam que reduções mais significativas dos juros contribuiriam de fato para corrigir a valorização excessiva da taxa de câmbio, ao mesmo tempo em que não causariam pressões inflacionárias indesejáveis.

Os cálculos de Loyo sugerem que cortar a Selic com força não é o melhor caminho para mudar a tendência do dólar. Também ex-diretor-executivo do Fundo Monetário Internacional (FMI), ele toma como base o cenário projetado pelos analistas ouvidos pelo BC para a trajetória da Selic, que aponta um juro básico de 11% no fim deste ano e de 10% no fim do ano que vem. Em seguida, estima o que ocorreria com a taxa de câmbio se o BC reduzisse os juros numa tacada só para 10%, mantendo-os depois até o fim de 2007. O resultado de suas estimativas é que o corte de 2,5 pontos percentuais da Selic provocaria uma desvalorização imediata de apenas 1,5% do câmbio, na comparação com o cenário básico, construído com as projeções dos analistas de mercado.

Loyo faz então uma outra simulação, dessa vez considerando que a Selic fechará 2007 em 11% e 2008 em 8%, e a compara com o que ocorreria se o BC reduzisse a Selic de uma vez para 8%. Mais uma vez, o resultado tenderia a ser pífio, com uma desvalorização imediata de apenas 3,7%.

O ex-diretor fez as estimativas com base na chamada equação da paridade dos juros, que mede o diferencial entre as taxas internas e externas, levando em conta a expectativa de desvalorização do câmbio e o risco-país. "A paridade da taxa de juros estabelece o valor da taxa de câmbio no mercado à vista para que, dados os diferenciais entre juros externos e internos e o risco-país, a expectativa de desvalorização cambial faça desaparecer o diferencial entre retornos em moeda nacional e estrangeira", diz Loyo.

O economista-chefe do Itaú, Tomás Málaga, diz que a estimativa de Loyo parece conservadora. Para ele, reduções um pouco mais fortes dos juros tendem a desvalorizar o câmbio por dois motivos. O primeiro é que, obviamente, diminuiria o retorno para quem se aproveita do diferencial entre os juros internos e externos. O segundo é que traria algum risco para essa operação.

Segundo Málaga, a política de cortes graduais da Selic, de 0,25 ponto percentual a cada reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), traz uma "certa garantia" de ganhos elevados e com pouco risco, o que ajuda a explicar a intensificação da valorização do câmbio a partir de janeiro. O dólar, que terminou o ano em R$ 2,14, fechou sexta-feira em R$ 1,906, o menor nível desde outubro de 2000. "Está claro que o diferencial de juros afeta o câmbio", afirma ele.

O professor Rogério Mori, da Escola de Economia de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas (FGV), diz que acelerar a queda dos juros é um bom caminho para tentar desvalorizar o real. Ele reforça, como Málaga, que taxas menores tornam menos atraente as aplicações financeiras denominadas em reais. Além disso, diz, uma Selic mais baixa estimularia ainda mais a atividade econômica, o que levaria a um aumento de importações e, com isso, a uma maior demanda por dólares.

Mori lembra que outras ações da autoridade monetária para conter a queda do dólar não têm surtido o efeito desejado. As compras de dólares efetuadas pelo BC no mercado à vista e no mercado futuro, por exemplo, têm no máximo atenuado o processo de valorização da moeda, observa ele.

Málaga diz, no entanto, que o BC não pode pautar a política monetária pelo impacto que ela pode ter sobre o câmbio, mas sim pelo efeito que pode causar sobre a inflação, dado que o país adota o regime de metas inflacionárias e tem um sistema de câmbio flutuante. A questão é que, como as perspectivas no front inflacionário são muito positivas, há espaço para aumentar a intensidade de queda da Selic, hoje de 12,5% ao ano.

Mori vê um tanto de preciosismo nessa discussão. O BC pode baixar os juros com mais força dizendo que há espaço devido ao quadro inflacionário, mas a inflação está comportada em grande parte devido à valorização do câmbio, nota ele. Mori diz ainda que, se o BC não se preocupasse com o nível do dólar, não faria intervenções tão intensas no mercado.

Tanto Málaga quanto Mori acreditam que o BC cortará os juros em 0,5 ponto na reunião do Copom desta semana, aumentando o ritmo em relação aos encontros anteriores, e vêem espaço para uma aceleração para 0,75 ponto nas reuniões seguintes.

O economista-chefe do HSBC, Alexandre Bassoli, não vê com bons olhos cortes mais fortes dos juros para afetar o nível do dólar. Para ele, o nível dos juros têm sim um impacto sobre o câmbio, mas a questão é que, se o BC quiser provocar uma desvalorização significativa do real, seria necessária uma redução muito forte da Selic que, tudo indica, seria incompatível com o cumprimento da meta de inflação.

O ponto, segundo Bassoli, é que não é possível atingir dois objetivos diferentes - a meta de inflação e o nível da taxa de câmbio - usando um só instrumento - a taxa de juros. Como o país adota o regime de metas de inflação, a política monetária deve ter como objetivo o cumprimento da meta de inflação. O relevante a perguntar, hoje, é qual o impacto do dólar barato sobre os índices de preço, diz ele.

Para Bassoli, se o objetivo é ter uma taxa de câmbio mais desvalorizada, o mais adequado seria ter uma política fiscal restritiva, focada em redução dos gastos públicos, diminuindo a demanda do governo. Isso abriria ainda mais espaço para cortes dos juros com menor risco inflacionário, contribuindo para um dólar mais forte.