Título: Governo quer facilitar parcerias com indianos
Autor: Leo, Sergio
Fonte: Valor Econômico, 04/06/2007, Brasil, p. A6

O governo quer facilitar a associação entre empresas brasileiras e indianas, para aproveitar a firme ligação política entre os dois países, anunciou o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, ao chegar para sua visita de pouco mais de dois dias à Índia. "Estou convencido não apenas das exportações, mas da parceria que pode ser feita entre indústrias indianas e brasileiras", disse Lula, ao comentar que, apesar da forte agenda política da viagem, a visita à Índia tem "um fundo comercial muito grande".

Do ponto de vista político, a visita do presidente brasileiro, além de afinar o discurso dos dois governos, serve para mostrar aos interlocutores na arena global que Índia e Brasil, duas das maiores economias emergentes do mundo, têm um projeto de atuação comum e ambicioso, com repercussões para os interesses dos países ricos, segundo avalia a diplomacia brasileira. A agenda comercial da comitiva é comandada pela meta ambiciosa fixada pelo governo indiano de quadruplicar o comércio entre os dois países e chegar a US$ 10 bilhões em exportações e importações, em cinco anos.

O comércio bilateral duplicou desde a última visita de Lula à Índia, em 2004, e passou de US$ 1,2 bilhão a US$ 2,4 bilhões. Mas a pauta dos dois países é muito concentrada em petróleo, o que, segundo especialistas, exigirá muito esforço para atingir a meta. "Teremos de fazer um esforço especial, mas podemos atingir", diz o ministro do Desenvolvimento, Miguel Jorge. Com uma economia bem mais fechada que a brasileira (tarifas de até 100% no caso do setor automobilístico, alíquota média para produtos agrícolas próxima a 40%), a Índia tem sido mais ativa no empenho para reduzir as barreiras de comércio: só o Brasil não aprovou no Congresso o acordo de reduções tarifárias assinado entre a Índia e o Mercosul em 2004.

Os indianos, porém, não aceitaram a sugestão dos diplomatas brasileiros de incluir, no comunicado a ser divulgado pelos dois presidentes, um parágrafo com ações definidas para incrementar o comércio. O Brasil queria vincular a meta de US$ 10 bilhões a medidas como a cooperação em biocombustíveis e em ciência e tecnologia. Esses pontos permanecem, mas em outros locais do texto.

Lula pretende comprometer-se a aprovar o acordo ainda neste ano, para permitir o início das negociações de uma ampliação do acordo, hoje limitado a cerca de 450 produtos de cada país, com menos de 5% cobertos com redução integral de tarifas.

O governo brasileiro, segundo Miguel Jorge, aposta nas possibilidades de exportações de serviços vinculados à infra-estrutura, como os de engenharia, beneficiados pelos planos do governo indiano de investir US$ 350 bilhões para superar os crônicos problemas de infra-estrutura no país. A Embraer, que já forneceu aviões para uma companhia local, a Paramount, poderia dar peso à balança comercial, com exportações de até US$ 10 bilhões até 2010.

O biocombustível teve espaço reduzido na comitiva empresarial, porque os grandes empresários do setor preferiram ficar no Brasil para a grande feira do etanol na mesma data, em São Paulo. Na comitiva, em Nova Déli, porém, há empresários e consultores interessados em explorar o mercado indiano. O apoio do governo da Índia ao acordo de biocombustíveis, a ser assinado pelos dois mandatários, pode acelerar, segundo acredita o governo, o interesse de investidores indianos na produção de etanol no Brasil.

A concretização dos investimentos, porém, dependerá da formação de um mercado mundial para o combustível, já que o brasileiro é muito pequeno para absorver as usinas já previstas no país. Para o Brasil, a associação com a Índia reforçará as iniciativas de padronização do etanol, passo inicial para transformá-lo em mercadoria de trânsito mundial.

Na agenda comercial Brasil-Índia há sérios interesses importadores, também, e um deles com características peculiares: após três anos de negociações, Lula poderá anunciar, na Índia, a autorização formal para que pecuaristas brasileiros possam importar legalmente sêmen bovino, para dar maior variedade genética ao gado zebu brasileiro, todo ele de origem indiana. A crença na vaca como animal sagrado criou empecilhos adicionais à tramitação do pedido do Brasil, porque alguns dos encarregados no governo indiano relutavam em assinar os papéis.

Quase três anos após a primeira visita de Lula, os laços comerciais entre Índia e Brasil ainda são incipientes, como se podia ver, ontem, entre os quase 100 executivos e consultores da comitiva empresarial, na maioria presentes para sondar as oportunidades no mercado indiano. O governo espera que a aproximação entre os setores privados dos dois países ganhe força com a criação, hoje, de um fórum bilateral de altos executivos, presidida pelo presidente do poderoso grupo Tata, Ratan Tata, e pelo presidente da Petrobras, José Sérgio Gabrielli. A Petrobras assina um dos acordos previstos entre os dois governos, de exploração conjunta de terceiros mercados, com a estatal petrolífera ONGC. Segundo Gabrielli, a Índia se tornará um ponto importante na estratégia da Petrobras para a Ásia.

Nas conversas entre Lula e o primeiro-ministro, Manmohan Singh, está incluída a estratégia para que os dois países atuem em conjunto nas discussões sobre aquecimento global, liberalização de comércio, tratamento diferenciado à agricultura e indústria dos países emergentes, e ampliação do Conselho de Segurança da ONU. Os dois juntos para a reunião do G-8, na Alemanha, nesta semana.