Título: Índia cresce com infra-estrutura precária
Autor: Leo, Sergio
Fonte: Valor Econômico, 04/06/2007, Brasil, p. A7

O risco de apagão elétrico, que perturba os planos de investimentos de empresários no Brasil, é o cotidiano para os empreendedores indianos. Apontada pelos especialistas como forte candidata a terceira ou quarta maior potência mundial até 2030, e já confirmada como um mais atraentes receptores de investimento direto no mundo, a Índia convive com faltas de energia diárias, linhas telefônicas deficientes (em contraste com a excelente qualidade das conexões entre o país e o resto do mundo) e cortes no fornecimento de água. Cerca de 60% das empresas têm gerador próprio. No Brasil, só 17% das firmas usa esse recurso para evitar apagões.

As interrupções freqüentes no fornecimento de energia cortam até 8,5% do produto anual dos industriais indianos, segundo estudo da Economist Intelligence Unit. Os cortes no abastecimento de água fazem com que nenhuma cidade tenha fornecimento contínuo: a capital tecnológica da Índia, Bangalore, tem água disponível apenas duas horas e meia por dia.

"Temos tanto crescimento em nossa economia, que mesmo com os constrangimentos, os investimentos aumentam", comenta o economista Ashok Ummat, vice-secretário-geral da Federação de Câmaras de Comércio e Indústria da Índia, com o prazer habitual dos indianos ao falar dos índices de crescimento da economia no país, que no ano fiscal de 2006 (encerrado em março de 2007) superou as previsões e chegou a 9,4%. Os planos do governo de investir US$ 350 bilhões em infra-estrutura nos próximos cinco anos são recebidos com confiança pelos empresários. "Os investimentos vêm porque, quando superarmos os problemas, cresceremos muito mais."

"O Brasil está à frente da Índia, inclusive na questão regulatória, mas o investimento acaba vindo para cá, porque tem muitas oportunidades", concordou o presidente da Associação Brasileira da Indústria de Base (Abdib), Paulo Godoy, durante o primeiro encontro informal de empresários indianos e brasileiros, ontem, no luxuoso Hotel Taj Mahal Singh, em Nova Déli. Em outros pontos, a Índia é mais atraente para os empresários: as exigências ambientais são menores e o custo de mão-de-obra, com poucos competidores. Um engenheiro com três anos de formado ganha cerca de US$ 300 mensais, o que gerou até a criação de empresas especializadas em exportar à vizinhança esse tipo de mão-de-obra qualificada.

Nos planos do governo indiano, dos US$ 350 bilhões a serem investidos em infra-estrutura, 70% devem ser financiados e 8% do total virá de fontes públicas. As instituições multilaterais deverão financiar cerca de 8%, ou US$ 28 bilhões, e 22% deverão vir do setor privado. Segundo o consultor Amit Kapur, contratado pela Confederação Nacional da Indústria para explicar, em Nova Déli, as perspectivas indianas aos empresários brasileiros, esses recursos (dos quais US$ 130 bilhões se destinam só para energia) abrem oportunidades para fornecedores de capital, recursos naturais, como carvão e etanol, serviços de engenharia e outras áreas de infra-estrutura e soluções tecnológicas.

Godoy comentava, impressionado, aspectos desconhecidos da Índia que promete ser uma potência do século XXI enquanto convive com situações do século XIX. "Aqui há enorme dificuldade de cobrar impostos das pessoas físicas, porque não têm documentos, o governo não localiza os contribuintes", notou, ainda impressionado com as centenas de ligações clandestinas de eletricidade nas casas de Déli, o centro antigo da cidade.

As deficientes estradas indianas e o atraso dos portos são também contabilizados como ponto fraco do país, que, no entanto, como aponta o professor Amit Shovon Ray, da Universidade Jawaharlal Nehru, tem sido bem sucedido na atração do capital privado para investimentos antes feito pelo setor público.

O mundo aposta na Índia: o país, que havia recebido US$ 38,9 bilhões em investimento direto entre agosto de 1991 a março de 2006, registrou, só no último ano fiscal, encerrado em março de 2007, US$ 15,7 milhões, um aumento de 184% em relação ao ano anterior, segundo o ministério da Indústria e Comércio da Índia. No primeiro trimestre de 2007, os investimentos diretos chegaram a US$ 6,7 bilhões. Segundo informações do governo indiano, os setores com maiores parcelas desse investimento foram o de equipamentos eletroeletrônicos (inclusive computadores), com quase 19% do total, e o setor de serviços, com cerca de 18% do total. A Unctad aponta a Índia como o segundo melhor destino mundial de investimentos diretos, e o terceiro maior - atrás dos Estados Unidos e China - para investimentos ligados a pesquisa e desenvolvimento.

O forte desempenho do país no setor de serviços é o maior promotor desse crescimento, que pulou de aproximadamente 2,5% anuais nos 30 primeiros anos após a independência para 6% após as reformas liberalizantes dos anos 90, e, nos quatro últimos anos, tem crescido a uma taxa média superior a 8,5%.

Três anos após a primeira visita do presidente Luiz Inácio Lula da Silva à Índia, as grandes construtoras brasileiras, embora atraídas pelas perspectivas para o setor, ainda estão na fase de sondagens. A única que deve anunciar, nesta semana, a designação de um representante para cuidar de seus interesses na Índia é a Andrade Gutierrez, que pretende explorar as possibilidades do mercado.

A Odebrecht, segundo seu diretor Rubio Fernal, não planeja atuar lá tão cedo, mas não fecha as portas: "Somos especializados em soluções tecnológicas, e, se nesses investimentos, surgir oportunidade em que formos competitivos, podemos entrar", disse. A Camargo Correa, segundo o presidente do conselho da empresa, Vitor Hallak, está ocupada em consolidar as operações da empresa na África e América do Sul, mas não descarta futuras operações no país. "Não é no curto prazo, mas a Índia está em nosso radar", afirmou, ao Valor.