Título: Para Genro, "existem pessoas que estão sendo atingidas injustamente"
Autor: Costa, Raymundo
Fonte: Valor Econômico, 04/06/2007, Política, p. A8

Acusado por setores da oposição de tecer a estrutura de um Estado policial, o ministro da Justiça, Tarso Genro, defende-se dizendo que só pode atribuir esse tipo de informação ao desconhecimento de como a Polícia Federal opera ou a quem está sendo investigado. " A Polícia Federal tem dado uma demonstração de que é uma polícia republicana", diz o ministro. Ele insinua que parte dos vazamentos de operações da PF podem ter partido de advogados, mas reconhece que podem ter origem na própria PF. Na opinião do ministro "existem pessoas que estão sendo atingidas injustamente, pelo que eu estou observando com as peças que me chegam do inquérito".

Tarso Genro diz que está consolidando uma portaria com orientações a respeito dos vazamentos. Está discutindo também uma revisão sobre a forma como são feitas as prisões - algema, camburão e presença da imprensa, o que as torna espetaculares. Diz que não tem como evitar a presença dos jornalistas, mas considera um direito do preso querer se deixar ou não fotografar. Seguem os principais trechos da entrevista do ministro da Justiça ao Valor.

Valor: Há o Estado policial de que falam setores da oposição?

Tarso Genro: Isso só pode ser entendido como uma metáfora, de pessoas que são democráticas, mas que não têm sensibilidade para comparar efetivamente o que é o Estado policial do que ocorre hoje no país. A existência eventual de desvios de conduta em ações policiais ocorre em todos os países. Em maior grau em países com estatuto democrático mais atrasado e em menor grau nos países com estatuto democrático mais avançado.

Valor: Qual nosso estágio?

Genro: No que se refere à PF, eventuais equívocos cometidos nos procedimentos estão muito longe de se aproximar de países mais atrasados. Pelo contrário, a Polícia Federal tem dado uma demonstração de que é uma polícia republicana, que trabalha dentro da lei, e especialmente neste último inquérito, rigorosamente controlada pela Procuradoria Geral da República.

Valor: Até a fase em que as prisões foram efetuadas. As reclamações são sobre o que ocorreu a partir daí, com as prisões espetaculares, algemas e os vazamentos de informações.

Genro: Na verdade são três tipos de queixas que nós recebemos, mas há de se ressaltar que a Polícia Federal trabalhou um ano neste inquérito sem nenhum vazamento. Quando os advogados recebem os disquetes ou algo semelhante com todo o inquérito, a PF perde o controle da informação. Até porque os advogados, e é natural que o façam, tendem a colocar sua versão na imprensa para defender seus clientes.

Valor: O senhor isenta a PF?

Genro: Pode ter ocorrido também algum vazamento originário de alguma pessoa da Polícia Federal. Não estou isentando e jamais o faria, porque a imperfeição é da natureza do ser humano e da natureza das instituições. Mas a PF não vazou enquanto instituição. E houve uma preocupação, em todo o inquérito, por todos os que trabalharam no inquérito, de que não ocorresse nenhum vazamento.

Valor: Quais as três queixas?

Genro: Primeiro, recolhimento ostensivo dos presos perante a imprensa, com algemas, e colocados em situação desfavorável nos camburões da polícia. Presos e algemas. A segunda questão: advogados com demora de acesso a seus clientes, e a terceira os vazamentos sobre autoridades, parlamentares ou do Poder Judiciário, não objeto de investigação. A questão das algemas tem de ser avaliada. O agente tem direito, escudado em lei, de algemar para proteger-se para fazer a condução. Em relação ao camburão temos que melhor o veículo de recebimento dos presos, mas não somente os presos da PF, de qualquer preso, de qualquer origem social, de qualquer etnia, de qualquer formação cultural. Isso nós já estamos providenciando, até para induzir, a partir daqui, os Estados para que também façam isso. A ostensividade da prisão perante a imprensa, isso é incontrolável para nós. Nós não podemos impedir os repórteres de vigiar as ações da polícia, e de inclusive se apresentar nos lugares onde estão sendo feitas as prisões, seguindo os policiais. Nós temos que ter a preocupação, daqui pra diante, e eu já orientei a minha equipe e a própria PF, para nós trabalharmos nisso: como fazer recolhimentos quando o preso sente a presença da imprensa e não quer ser apresentado ostensivamente. É um direito dele fazer isso. Nós temos que nos preocupar com isso. E em relação aos advogados houve num primeiro momento uma demora, imediatamente corrigida quando recebi a queixa da Ordem dos Advogados do Brasil, inclusive permitindo o contato pessoal dos advogados com os presos.

Valor: E os vazamentos?

Genro: Em relação ao vazamento contra autoridades, judiciais ou parlamentares que não eram objeto da investigação, a PF não tinha nenhum motivo para fazer isso. A PF não tem nenhum inimigo no parlamento e nem no Judiciário. É bom nos lembrarmos que esses vazamentos começaram depois que o inquérito se tornou praticamente público, pelo acesso que os advogados tiveram, e depois que o inquérito já estava no STJ. Mas repito: pode ter ocorrido a colaboração de algum policial. Isto não depõe contra a instituição Polícia Federal. Mas nós também estamos tomando providências a respeito dessa questão, estamos consolidando uma portaria orientando a respeito desse assunto.

Valor: A visão que se tem hoje da PF é dividida em grupos que disputam entre si. O controle externo vai ajudar nessa questão e na mediação entre a polícia e o Ministério Público?

Genro: Primeiro eu quero desmistificar essa história de grupos dentro da PF. Toda estrutura burocrática do Estado tem grupos. Ou seja, tem tensões internas e tem pontos de vista diferentes sobre suas finalidades, sobre seus procedimentos, sobre os contornos de sua legalidade. Isso ocorre no Judiciário, no Ibama, no Ministério da Justiça, em qualquer lugar. Porque é da natureza das corporações terem divisões internas. Então na PF ocorre isso. Não há nenhum tipo de guerra de grupos na PF.

Valor: Há diferenças políticas?

Genro: Estou dizendo que existem diferenças políticas em todas as corporações também, sem exceção. E na PF também. O que nós temos que verificar é se essas diferenças políticas, e eventualmente operacionais, prejudicam o funcionamento do órgão. A PF não é prejudicada por esses diferenças. O que nós temos que fazer é manter essas divergências sob controle e mantê-las politicamente regradas, para que os choques que existem dentro da corporação não violem a legalidade da própria corporação. Se tivesse essa crise dentro da PF que apontam algumas notícias, ela poderia prestar os serviços que vem prestando ao país nesse último período? Sob nenhuma hipótese, não poderia. Há uma expectativa de mudança na chefia da PF, então é natural grupos que se movem na defesa de um ou de outro nome.

Valor: Vai ou não mudar?

Genro: Na verdade não resolvi se vou mudar ou não, e estou muito satisfeito com o Dr. Lacerda (o diretor-geral Paulo Lacerda).

Valor: Na medida em que o senhor deixa em aberto essa questão não estimula ainda mais a disputa?

Genro: Se estimular é porque essas corporações estão dando já um sinal de debilidade, de fraqueza e de interesses mesquinhos. Portanto eu, pela avaliação que tenho feito do trabalho da PF, sei que existem preocupações, tensões e até certos movimentos de defesa de um ou de outro nome, mas nenhuma de tal forma que tire a sobriedade das relações internas da PF e das relações internas da PF com o diretor e o próprio ministro da Justiça.

Valor: A PF reagiu mal à idéia do controle externo?

Genro: O controle externo da PF pelo Ministério Público é um controle constitucional. O que nós temos que analisar nessa resolução é se ela faz uma dedução técnica daquilo que já decorreu de lei complementar ou se ela excede. Eu não tenho ainda um juízo formado. Eu estou examinando, vou examinar com a minha equipe técnica. O Ministério Público tem o dever de fazer o controle, agora esse controle não pode ser um controle de tal forma que a autonomia da PF, conferida em lei para cumprir o seu dever, as suas obrigações, seja substituída por mandamento originado do Ministério Público.

Valor: Se essa análise concluir que há excesso, qual o recurso?

Genro: Será o caminho normal no Estado de Direito. Pedir que o Judiciário tire a dúvida.

Valor: Em que momento as investigações da PF chegam ao ministro?

Genro: Em duas circunstâncias. Quando há uma desconfiança de que está sendo cometida alguma ilegalidade ou quando uma operação tem algum tipo de repercussão forte sobre o Estado brasileiro e o ministro precisa saber. Não quem é que está sendo preso, nem quem está sendo investigado, mas saber da existência desse inquérito no momento em que ele termina e as prisões vão ser efetuadas. O ministro não deve saber quem está sendo investigado, nem quais as provas já colhida contra pessoas. Porque aí essa informações, e eu não o faria, podem ser usadas no interesse de governo, no sentido partidário da questão. A função do ministro é uma função de Estado, portanto não é necessário ter essas informações.

Valor: É do que têm lhe acusado setores da oposição.

Genro: Um motivo, que eu acredito que seja um número ínfimo de pessoas, porque sabem que estão sendo investigadas. De alguma forma. Outra é que não conhece como é que a PF opera, e desconhece que o controle de qualquer violação de sigilo, seja bancário, seja telefônico, seja de correspondência, só pode se dar com pedido do Ministério Público ao Poder Judiciário, ações nas quais o ministro não tem nenhuma intervenção. Quando ocorre uma acusação desse tipo é por desconhecimento ou interesse próprio.

Valor: Desde 2003 a PF fez mais de 350 operações, prendeu mais de seis mil pessoas e não tem ninguém condenado. A AMB pede que seja dada prioridade aos processos que tratam de corrupção. Como o senhor vê essa questão?

Genro: Estão redondamente enganadas as pessoas que pensam que o elemento central do combate à corrupção é o conhecimento, pela população, de que o corrupto está na cadeia. Não é. O elemento mais forte de combate à corrupção é as pessoas saberem que o Estado está agindo, saberem que o Estado está expelindo essas pessoas, saberem que essas pessoas estão sendo processadas. O sentimento de que as pessoas têm que ser punidas é um sentimento real, mas ele não é o principal. É profundamente didático e educativo que as pessoas saibam que intocáveis estão sendo processados, presos e portanto respondendo perante a Justiça. Embora o ideal fosse a condenação rápida.

Valor: Mas quando se ouve as gravações da Operação Navalha a impressão é que as pessoas parecem não ter nenhuma preocupação de estar sendo investigadas.

Genro: Essa é a cultura dominante. Por exemplo essa Operação Navalha e as demais, eu quero dizer que na minha opinião existem pessoas que estão sendo atingidas injustamente, e isso é normal, lamentavelmente normal em qualquer processo criminal...

Valor: Quem, por exemplo?

Genro: Eu não quero mencionar. Mas na minha opinião existem pessoas que estão sendo atingidas injustamente, pelo que eu estou observando com as peças que me chegam do inquérito. Mas repito: o relevante é a existência do processo, que as pessoas estão sendo investigadas e processadas indistintamente. É isso que pode mudar esta cultura, que nos permite dar coerência a esse tipo de inquérito, as pessoas sem o menor sentimento de medo, combinar pelo telefone um assalto ao Estado.