Título: Senado aposta em agenda propositiva para conter desgaste
Autor: Ulhôa, Raquel
Fonte: Valor Econômico, 04/06/2007, Política, p. A10

Uma agenda propositiva para o Senado será apresentada nos próximos dias por um grupo suprapartidário de senadores. O objetivo é melhorar a imagem da Casa, abatida pela crise envolvendo o presidente Renan Calheiros (PMDB-AL). Constam do pacote três itens da reforma política e mudanças na elaboração do Orçamento da União - como o fim da comissão mista do Congresso, apontada como foco constante de corrupção.

As propostas para alterar as regras de elaboração do Orçamento serão preparadas por Sérgio Guerra (PSDB-PE) e Aloizio Mercadante (PT-SP). Além de acabar com a Comissão Mista, irão propor a análise setorial da aplicação dos recursos por comissões permanentes. Ao final, uma comissão fará a sistematização do texto. A idéia não é acabar com as emendas individuais de deputado e senador, mas mudar o modelo, de tal forma que o parlamentar possa sugerir somente o local beneficiado. Programas e custos estarão previamente definidos.

O caso Renan terá capítulo decisivo na quarta-feira, quando o Conselho de Ética e Decoro Parlamentar discutirá a representação do P-SOL. O partido da ex-senadora Heloísa Helena (AL) pede abertura de processo por quebra de decoro contra o pemedebista. A disposição para investigá-lo é nula, mas a pressão da opinião pública poderá levar à abertura de processo, ainda que seja para dar a ele um atestado de inocência.

O P-SOL pede que o conselho investigue se Renan abusou das prerrogativas parlamentares e cometeu ilícitos em suas relações com pessoas ligadas a empresas privadas com interesses no poder público. A representação se baseia em reportagens da revista "Veja" e dos jornais "Folha de S.Paulo" e "O Globo".

A depender de líderes partidários e parlamentares mais influentes, Renan não será punido por causa das acusações já publicadas - uma delas de ter feito pagamentos pessoais com recursos de empresa privada. Mas, se surgir indício forte de prática ilícita, Renan perde até o apoio dos aliados mais próximos. Senadores viveram na semana passada a expectativa de aparecimento do "fato novo".

A solidariedade a Renan deve-se a questões políticas e pessoais e supera a desconfiança nas "lacunas" em sua defesa. É aliado do Palácio do Planalto, mas tem a simpatia da oposição, embora tenha enfrentado o líder do PFL, José Agripino (RN), na disputa pela reeleição. A oposição se dividiu, Renan teve votos no PFL e no PSDB, fora da base aliada.

O partido de Renan, o maior da coalizão governista, não tem interesse no seu enfraquecimento. Segundo um deputado do PMDB, a bancada da Câmara sabe que "meio PMDB não vale nada". A sigla ainda aguarda a nomeação dos indicados para cargos do segundo escalão. Unido, o partido tem mais força de pressão. O presidente, deputado Michel Temer (SP), em jantar na sua casa, na quarta-feira, comemorava com a bancada a "consistência" dos documentos apresentados por Renan naquele dia em sua defesa.

A favor do senador pemedebista pesa o ingrediente pessoal das denúncias, como a paternidade fora do casamento. O assunto constrange os colegas e reforça o cordão de solidariedade em torno dele. Renan tem explorado esse aspecto à exaustão.

A representação do P-SOL pede que o conselho investigue se o pemedebista feriu o decoro parlamentar por suas relações com um lobista da empreiteira Mendes Júnior, Cláudio Gontijo. O senador fez pagamentos pessoais à mãe de uma filha sua de três anos por meio de Gontijo, em valores incompatíveis com seus rendimentos. Renan apresentou documentos que comprovariam que os repasses saíram de suas contas bancárias. A representação também cita a relação de Renan com o empresário Zuleido Veras, sócio majoritário da construtora Gautama, apontado como chefe do esquema de corrupção investigado pela Polícia Federal na Operação Navalha.

A necessidade de construir uma agenda positiva para o Senado foi discutida por nove senadores, na quarta-feira passada, na casa do senador Tasso Jereissati (PSDB-CE). "O almoço não foi para salvar nem amenizar a situação de Renan. O objetivo era discutir como agilizar a a reforma política, mudar o orçamento e adotar medidas de combate à corrupção", disse Jarbas Vasconcelos (PMDB-PE). "O Senado está numa fase ruim, desacreditado. E o episódio de Renan agravou", continuou.

"A reunião não foi para blindar ninguém. Foi para afirmar o Senado com uma pauta construtiva", disse Guerra. Além dele, de Mercadante, Jarbas e o anfitrião, participaram Arthur Virgílio (PSDB-AM), José Agripino (DEM-RN), Pedro Simon (PMDB-RS), Antonio Carlos Magalhães (PFL-BA) e Tião Viana (PT-AC).

Os pontos prioritários da reforma política para o grupo são: o fim das coligações partidárias em eleições proporcionais, a fidelidade partidária e a proposta de emenda constitucional (PEC) de Marco Maciel (DEM-PE) que restabelece a cláusula de desempenho partidário - ou "cláusula de barreira". O grupo decidiu buscar maior entrosamento com a Câmara, para que os projetos do Senado sejam apreciados.

Numa espécie de reação inicial, na semana passada, com Renan no olho do furacão, os senadores votaram uma pauta intensa, encerrando a aprovação das medidas provisórias do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e examinando 23 itens em apenas um dia.

Apesar do feriado dessa quinta-feira, Renan quer manter o ritmo. Tem reunião marcada com o ministro da Fazenda, Guido Mantega, para terça-feira, para tratar da regulamentação das relações trabalhistas entre empresa e pessoa jurídica constituída de uma só pessoa (emenda 3).