Título: Lições do "milagre" econômico brasileiro de 1968 a 1973
Autor: Veloso, Fernando
Fonte: Valor Econômico, 04/06/2007, Opinião, p. A12

O período 1968/1973 ficou conhecido como o do "milagre" econômico brasileiro em função das extraordinárias taxas de crescimento do PIB verificadas (11,1% a.a.). Uma característica notável do "milagre" é que o rápido crescimento veio acompanhado de inflação declinante e relativamente baixa para os padrões do país, além de superávits no balanço de pagamentos.

As interpretações sobre os determinantes do "milagre" podem ser agrupadas em três grandes grupos. A primeira interpretação enfatiza a importância da política econômica do período 1968/73, com destaque para as políticas monetária e creditícia expansionistas e os incentivos às exportações. Uma segunda linha de interpretação atribui grande parte do "milagre" ao ambiente externo favorável, devido à grande expansão da economia internacional, melhoria dos termos de troca e crédito externo farto e barato. Já uma terceira explicação credita grande parte do "milagre" às reformas institucionais do Paeg (1964/66), em particular às reformas fiscais/tributárias e financeira, que teriam criado as condições para a aceleração subseqüente do crescimento.

Em um artigo escrito em co-autoria com André Villela e Fabio Giambiagi -"Determinantes do 'Milagre' Econômico Brasileiro (1968-1973): Uma Análise Empírica", disponível no site do Ipea como Texto para Discussão nº 1273 -, procuramos quantificar a importância dos possíveis determinantes do "milagre".

Os resultados indicam que o "milagre" decorreu em grande medida do efeito defasado das reformas associadas ao Paeg. Outros possíveis determinantes, como o ambiente externo e a política econômica no período, explicam uma parcela relativamente pequena da aceleração do crescimento brasileiro, verificada a partir de 1968.

Os resultados indicam que, diante da situação de descontrole inflacionário, déficits crônicos no balanço de pagamentos e colapso do investimento herdados do governo anterior, verificou-se um sacrifício temporário do crescimento econômico brasileiro no período 1964/67. Por outro lado, em função do ajuste macroeconômico e das reformas institucionais associadas ao Paeg, foram criadas as condições que tornaram possível a aceleração do crescimento no período 1968/73.

Algumas lições podem ser extraídas desses resultados. A primeira é que episódios de grande aceleração do crescimento, como o "milagre", envolvem a combinação de condições objetivas para o crescimento com uma boa dose de competência por parte das autoridades de política econômica no sentido de aproveitar as oportunidades criadas. Embora enfatizassem a importância das reformas institucionais do Paeg para o "milagre", os principais formuladores desse plano, Roberto Campos e Mário Henrique Simonsen, escreveram em 1974 que "saber colher é também uma arte, e os responsáveis pela política econômica nos últimos anos vêm revelando extraordinária maestria na técnica de impulsionar o crescimento do produto real, sem agravar tensões inflacionárias e de balanço de pagamentos".

-------------------------------------------------------------------------------- Os episódios de grande aceleração do crescimento envolvem competência por parte das autoridades de política econômica --------------------------------------------------------------------------------

O "milagre" é um dos poucos episódios na história econômica brasileira em que essa combinação foi observada. Em geral, predominaram as tentativas de acelerar a taxa de crescimento econômico em situações nas quais as condições objetivas necessárias não estavam presentes, o que resultou invariavelmente em crises de balanço de pagamentos e/ou acelerações inflacionárias.

Uma segunda lição é que o efeito das reformas no crescimento econômico está, em geral, associado a defasagens significativas, especialmente quando as reformas são implementadas em situações de crise econômica, como freqüentemente ocorre. Isso coloca um dilema sob o ponto de vista de economia política, na medida em que os efeitos positivos das reformas não são inteiramente capturados pelos responsáveis pela sua adoção, o que reduz o incentivo para que elas sejam implementadas. Isso é agravado pelo fato de que as reformas têm importantes implicações redistributivas, que geram resistências de diversos tipos.

Uma terceira lição é que mudanças importantes de política econômica e reformas institucionais que não reflitam um consenso mínimo da sociedade não são sustentáveis, e tendem a ser descaracterizadas ou abandonadas ao longo do tempo. Vários temas presentes no debate atual de política econômica no Brasil, como a importância de uma reforma tributária e de um ajuste fiscal baseado em redução dos gastos do governo em relação ao PIB, foram objeto de reformas na segunda metade da década de sessenta, que acabaram sendo revertidas posteriormente.

Portanto, as lições do "milagre" econômico brasileiro continuam bastante relevantes. De fato, em certa medida, é possível traçar algumas semelhanças com a situação econômica atual do Brasil. O período recente tem se caracterizado por importantes resultados sob o ponto de vista macroeconômico, como a manutenção de uma baixa taxa de inflação, superávit em transações correntes e redução do prêmio de risco. Esses resultados têm sido atribuídos, com diferentes pesos, à situação externa favorável, à política econômica do governo atual e à estabilização macroeconômica e reformas institucionais da década de 90.

De forma análoga à verificada no episódio do "milagre", existem fortes indicações de que os bons resultados macroeconômicos atuais refletem, em grande medida, a estabilização monetária e as reformas da década de 90. No entanto, em função das defasagens existentes entre a sua implementação e seus efeitos, essas reformas não tiveram o devido crédito no Brasil, como ficou evidenciado no debate eleitoral passado.

Isso nos remete à diferença mais óbvia e importante entre a situação atual e o "milagre" econômico, que diz respeito ao baixo crescimento econômico nos últimos anos em relação ao período 1968/73. Uma outra diferença importante, associada ao baixo crescimento, é que, ao contrário dos anos do "milagre", o período recente tem se caracterizado por uma grande elevação dos gastos do governo e da carga tributária.

A ausência de uma percepção clara da importância das reformas na sociedade brasileira torna difícil o enfrentamento de questões fundamentais para o crescimento futuro, como a reforma previdenciária. Sem isso, é improvável que o "milagre" se repita. Não deve ser à toa que os "milagres" têm essa denominação.

Fernando Veloso é PhD em Economia pela University of Chicago e professor do Ibmec/RJ.