Título: A notificação dos atos de concentração
Autor: Vicentini, Pedro Conde Elias
Fonte: Valor Econômico, 04/06/2007, Legislação & Tributos, p. E2

O cenário econômico vivido pelo Brasil neste primeiro semestre tem impulsionado as operações de fusões e aquisições no mercado. Dados do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), órgão responsável por aprovar essas operações, dão conta de que até meados do mês de abril deste ano já haviam sido protocolados cerca de 200 atos de concentração - o que representa quase a metade de todos os pedidos protocolados no Cade no ano passado.

A Lei nº 8.884, de 1994, que trata do assunto, estabelece a necessidade de notificação ao Cade sempre que, das fusões, aquisições, joint-ventures e contratos em geral, resultar uma participação no mercado relevante que seja igual ou superior a 20% ou, ainda, sempre que as empresas envolvidas apresentem um faturamento bruto anual no Brasil que seja igual ou superior a R$ 400 milhões no último exercício, aí incluído o grupo econômico a que pertencem.

Nestes casos, as empresas devem ficar atentas ao prazo da notificação. A Lei nº 8.884 prevê que os atos de concentração devem ser apresentados para exame do Cade "previamente ou no prazo máximo de 15 dias úteis de sua realização", conforme dispõe o parágrafo 3º do artigo 54. Muito se discute a respeito de qual seria o termo inicial pretendido pela lei com a expressão "15 dias úteis de sua realização".

As discussões sobre tema são variadas. Alguns entendem que este prazo deve se iniciar somente após o arquivamento da alteração social na junta comercial, vale dizer, quando a operação se torna formalmente pública. Outros defendem a tese de que o prazo inicia-se na data em que a operação foi fechada, ou seja, na data da assinatura do contrato. No entanto, o Cade fixou o entendimento de que esses 15 dias devem ser contados a partir da assinatura do "primeiro documento vinculativo". É essa a expressão utilizada pela Portaria nº 15, de 1998, do plenário do Cade. O que a portaria não deixou claro é justamente o que se deve entender por documento vinculativo. A expressão é ampla e pode dar margem a interpretações ainda mais abrangentes. Por conta disso, muitas empresas optam pela notificação ao Cade a partir da assinatura de um simples memorando de entendimentos.

As multas decorrentes da intempestividade da notificação variam de R$ 63.846,00 (60 mil Ufirs) a R$ 6.384.600,00 (6 milhões Ufirs). O cálculo da multa dependerá de alguns critérios: (1) a situação econômica da empresa; (2) de quão intempestiva é a notificação; (3) se a empresa é ou não reincidente, dentre outros previstos na Resolução nº 44, de 2007, do Cade. Para se ter uma idéia, fixada a multa-base dentro dos parâmetros mencionados acima, acrescentar-se-á R$ 638,00 (600 Ufir) para cada dia de atraso, a partir do segundo dia em que o ato de concentração deveria ser notificado (artigo 1º da Resolução nº 44). Em um mês, isso significa um acréscimo à multa-base de quase R$ 20 mil.

-------------------------------------------------------------------------------- Por conta da imprecisão da lei, o Cade se depara com situações duvidosas sobre o início da contagem do prazo da notificação --------------------------------------------------------------------------------

Em matéria de notificações intempestivas, a jurisprudência do Cade mostra que o órgão não tem a menor piedade na aplicação das multas. São comuns as sanções entre R$ 200 mil e R$ 300 mil. O destaque fica para a multa no valor de R$ 766.050,71, aplicada às empresas E.I. Du Pont e Griffin Corporation, na notificação da joint venture Griffin L.L.C (Ato de Concentração n° 08012.003315/2004-13), uma das maiores multas por intempestividade já aplicadas até hoje.

A discussão sobre o termo inicial para a contagem do prazo da notificação rompeu as barreiras do Cade. No Poder Judiciário, são inúmeras as empresas que ingressam com ações visando afastar as pesadas multas impostas pelo órgão da concorrência por notificações intempestivas. Recentemente, a Justiça Federal do Distrito Federal julgou improcedente uma ação movida conjuntamente por três empresas, em razão de uma multa por intempestividade no valor de R$ 89.785,00. As empresas defendiam a tese de que o prazo da notificação só começaria a fluir a partir do arquivamento da alteração social na junta comercial. No entanto, o juiz da 21ª Vara Federal entendeu que o prazo começa a fluir a partir do primeiro documento vinculativo, acolhendo os argumentos do Cade. A decisão ainda condenou as empresas ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, no valor de R$ 2 mil.

Já no Congresso Nacional, tramita um projeto de lei - que inclusive faz parte do Plano de Aceleração do Crescimento (PAC) - visando alterar o artigo 54 da Lei nº 8.884, que trata da matéria. A intenção do governo federal é a de que os atos de concentração sejam obrigatoriamente apresentados antes que a operação seja concretizada, o que, em tese, reduziria os casos de notificações intempestivas. Essa é a regra que há muito tempo vigora na grande maioria dos países do mundo, especialmente nos Estados Unidos e na União Européia.

Aliás, esta alteração corrigirá um dos grandes inconvenientes da lei brasileira em relação às leis desses países, especialmente nos casos de fusões e aquisições de abrangência global. É que como as legislações desses países determinam que as notificações sejam feitas antes do fechamento das operações, e isto gera um descompasso entre a análise dos atos de concentração feita pelo Cade e a análise feita pelos órgãos concorrenciais de outras jurisdições.

A verdade é que, por conta da imprecisão de nossa lei, o próprio Cade ainda se depara com algumas situações duvidosas quanto ao termo inicial para contagem do prazo da notificação. É o caso da celebração de contratos entre empresas, especificamente para o fim de participarem conjuntamente em licitação. No dia 24 de maio, terminou o prazo da consulta pública sobre o teor de uma súmula que irá tentar pacificar a questão. A idéia é que, especificamente para esses casos, o prazo para a notificação se inicie a partir da data da celebração do contrato de concessão. Até que esta ementa e os projetos de lei que fazem parte do PAC não saiam do papel, é prudente que os atos de concentração sejam notificados a partir do primeiro documento assinado entre as partes.

Pedro Conde Elias Vicentini é advogado do escritório Mattos Muriel Kestener Advogados

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