Título: Interferência política e ritmo de produção emperram Petrobras
Autor: Schüffner, Cláudia
Fonte: Valor Econômico, 04/06/2007, Empresas, p. B2

Uma das empresas mais líquidas do país e uma das gigantes petroleiras do mundo, com valor de mercado de US$ 112 bilhões, a Petrobras está sendo vista com certa desconfiança pelos analistas nos últimos tempos.

Aumentou a percepção de que ela está mais vulnerável a pressões políticas. Frases como a do presidente Luiz Inácio Lula da Silva dando conta que a companhia "é o cartão de crédito da mais alta qualidade em qualquer lugar do mundo" não ajudam. Mas a dianteira tomada pelo Itamaraty nas negociações com a Bolívia e pressões para a empresa suprir gás subsidiado para a Ceará Steel causam mais desconforto.

Some-se a isso o fato de a produção de petróleo e gás ter ficado abaixo das metas anunciadas pela própria companhia nos últimos trimestres. Resultado disso é que ao longo de 2007 a Petrobras viu suas ações descolarem no Índice da Bolsa de Valores de São Paulo (Ibovespa), do qual tem peso de 16,2%.

Estrangeira mais negociada na Bolsa de Nova York no ano passado, ela perdeu o posto no primeiro trimestre para a Companhia Vale do Rio Doce. Nas últimas 52 semanas, o índice de petróleo da American Stock Exchange (Amex), que acompanha as ações das petroleiras americanas, subiu 12,7%. Os recibos de ação da estatal negociadas no mercado americano tiveram valorização de 26% no período. Comparando apenas 2007, o índice das petroleiras subiu 7%, enquanto os recibos da Petrobras ficaram um pouco acima, com 8% de alta. No Brasil, no mesmo período, as preferenciais caíram 4% e as ordinária, 0,9%.

Para o presidente da companhia, José Sérgio Gabrielli, ela sofre no mercado, principalmente o brasileiro, efeitos indesejáveis do seu gigantismo. Ele diz que ela deve ser analisada como seus pares do setor. Mas vê a existência do que chama de "assimetria de movimentos (das ações) com o risco Brasil" que provoca algumas ondas de altas e baixas que prejudicam uma "boa avaliação da empresa, seus riscos e custos".

Segundo Gabrielli, os grandes investidores estrangeiros em papéis da Petrobras têm também nos portfolios títulos da dívida brasileira, além de ações de outras companhias de petróleo. Eles fazem arbitragem. "Toda vez que o risco Brasil se eleva, ficam com o risco e vendem ações da Petrobras. O resultado é que toda vez que o risco Brasil sobe as ações da Petrobras caem. E toda vez que o risco Brasil cai as ações da Petrobras sobem. Quando o risco Brasil cai, as ações da Petrobras colam no comportamento das outras empresas de petróleo do mundo. Elas ficam mais simétricas com o Amex Oil Index", afirma Gabrielli.

"E na medida que o risco cai, a exposição do investidor em dívida é menor, já que o título está pagando pouco. Ele diminuiu a exposição ao risco Brasil e compra ações da Petrobras. A partir daí, as nossas ações se comportam como as das outras empresas de petróleo. Se olharmos o primeiro trimestre do ano, dá para ver que elas descolaram do Ibovespa, e estão em aderência com outras empresas de petróleo do mundo", ressalta.

Contudo, as ações da Petrobras estão abaixo do Ibovespa no momento em que o risco Brasil cai 26% no ano e 49% nos acumulado dos últimos doze meses. "A Petrobras é a blue chip mais atrasada do mercado", constata Mônica Araújo, da Ativa Corretora.

"Isso acontece em função de alguns problemas na parte operacional, como o crescimento da produção abaixo do previsto. A meta de produção média não se configurou no ano passado, ela corrigiu a previsão para baixo e mesmo assim o resultado do quarto trimestre veio abaixo do esperado", lembra Mônica.

O analista Eduardo Rocha, da Gestora Modal, tem a mesma opinião. "Se analisarmos o comportamento da Petrobras no curto prazo, ou mais longe, desde o segundo semestre até agora, claramente o que se vê são problemas da empresa. E é por isso que o mercado está penalizando a companhia", diz Rocha.

A Petrobras, lembra Gabrielli, tem uma característica muito particular. "É a maior empresa entre as listadas na Bovespa. Isso em si já seria um problema, mas não é só. Ela tem quase 40% do seu capital em ADRs [recibos de ação] em Nova York e suas ações são muito líquidas, registrando o maior volume de negociações entre as 400 empresas estrangeiras listadas na Bolsa de Nova York no ano passado", destaca o executivo. "Conseqüentemente, os movimentos de curto prazo, tanto no Ibovespa quanto nos Estados Unidos, afetam muito fortemente a variação das ações."

Apesar de considerarem quase inevitável que a Petrobras sofra influência do risco soberano e de seu próprio gigantismo, os analistas ouvidos pelo Valor acham que o desempenho das ações da companhia reflete hoje problemas relacionados a metas não cumpridas. O maior deles é a produção de petróleo e gás, que não está acontecendo como o esperado. A Petrobras fechou 2006 com produção de 1,778 milhão de barris/dia, 100 mil barris abaixo da meta, que previa chegar a dezembro com produção de 1,88 milhão de barris/dia. Mesmo assim, o volume realizado significou um crescimento de 5,6% em relação ao ano anterior. Isso explica, segundo os analistas, o descolamento das companhia em relação ao Ibovespa.

A meta de produzir uma média de 1,91 milhão de barris/dia em 2007 também ficará abaixo do projetado em 1% ou 2%, adianta o diretor financeiro da Petrobras, Almir Barbassa. Ele lembra ainda que o preço do petróleo caiu 11% desde o início de 2006, enquanto os custos da Petrobras aumentaram 14% no primeiro trimestre comparado ao mesmo período do ano passado, reduzindo a rentabilidade da companhia.

O diretor ressalta que a partir de setembro a companhia vai dar um salto na produção acrescentando 360 mil barris novos, com a entrada das plataformas P-52 e P-54. E acha que o mercado é muito exigente porque a Petrobras divulga metas muito ambiciosas. "Neste ano vamos crescer o equivalente à produção de uma empresa média respeitável. O mercado considera a Petrobras uma das empresas com maior potencial e como temos metas desafiadoras, o mercado vê com frustração o fato de elas não se configurarem", analisa.

Eduardo Rocha, da Gestora Modal, compara o desempenho das ações da Petrobras com as da Vale, também gigante com peso de 12,43% no Ibovespa, e destaca o comportamento distinto das duas. No acumulado de 2007, as ações preferenciais da Petrobras registram queda de 4,2%, contra uma valorização de 39,8% das preferenciais (PNA) da Vale. E nos últimos doze meses, a Petrobras sobe apenas 10,6%, contra uma alta de 71% das ações da Vale. Já o Ibovespa subiu 20,1% no acumulado de 2007 e 41,5% nos últimos doze meses.

"O que explica isso são os fundamentos das duas empresas. A questão da produção tem um peso enorme, e a Petrobras não cumpriu a meta do ano passado, e no segundo semestre, mês a mês, mostrou isso. Ela prometeu reverter o problema neste ano e começou mal. Até abril a recuperação não veio. Outra coisa importante é o sentimento de que o risco político da empresa aumentou. E o problema da Bolívia é um exemplo disso", diz Rocha.

Emerson Leite, do Credit Suisse, vê claramente um aumento da correlação entre as ações da Petrobras e o índice das empresas de petróleo desde a abertura do setor de petróleo no Brasil, em 1998. Mas acha inevitável que ela sofra alguns percalços pelo fato de ser uma das empresas mais líquidas do mercado brasileiro e americano. "Bem ou mal, ela é vista como um 'proxy' [procuração] para investir em Brasil. E por ser uma estatal, consolida um pouco a visão macro dos investidores sobre o país", afirma Leite.

O risco político foi mencionado por todos. Rocha, da Modal, afirma que por ser estatal, a Petrobras "sempre vai carregar um certo risco político que uma empresa privada não corre". Mas avalia que a magnitude do impacto desse risco nas ações, ou melhor, no sentimento do mercado com relação à empresa, depende do governo. "E eu diria que o risco político da Petrobras aumentou no governo Lula, o que não acontecia no governo FHC. O investidor estrangeiro pode comprar ações de qualquer empresa, analisando os fundamentos, os múltiplos de mercado, a perspectiva de crescimento e o resultado, tendo uma certa percepção de risco. E a percepção do risco Petrobras hoje é maior que a das demais empresas de petróleo", diz Rocha.

Mesmo assim, o analista da Modal diz que as ações da empresa têm grandes possibilidade de valorização, na medida que a empresa resolver seus problemas de produção. "É uma ação que pode dar grandes possibilidades no curto e médio prazo. E se ela conseguir se recuperar até final do ano será um grande oportunidade de ganho", afirma.

Na opinião de Emerson Leite, do Credit Suisse, para se livrar da situação em que se encontra a Petrobras precisa continuar trabalhando para criar mecanismos de governança corporativa que blindem a empresa da influência de decisões políticas. "E isso é difícil, dada a importância da empresa", pondera.