Título: Indústria Trilionária
Autor: Luquet, Mara
Fonte: Valor Econômico, 04/06/2007, Caderno Especial, p. F1

Quando esteve no Brasil pela primeira vez, há alguns anos, Marc Chandler, o estrategista de moedas do banco americano Brown Brothers Harriman, disse que se encantou com o Rio de Janeiro e lembra bem da imagem do Corcovado, com o Cristo de braços abertos. "Desta vez, quando cheguei, notei que o Cristo estava com as mãos mais próximas, batendo palmas", diz Chandler com um sorriso.

O Cristo Redentor, um dos cartões postais mais reconhecidos do mundo, está aplaudindo de pé o país e o som ecoa em todo o mundo, na visão desse americano. Chandler faz essa graça na manhã gelada de uma quarta-feira marcada por perdas na bolsa de valores chinesa. Pois nem as perdas na China ocorridas no último dia 30 abalaram a confiança desse investidor, que enxerga no Brasil um dos melhores lugares para se investir neste momento. Nem a dele nem a de ninguém.

A imagem do aplauso do Cristo, utilizada por Chandler, reflete bem o otimismo que deu o tom ao 4º Congresso da Associação Nacional dos Bancos de Investimento (Anbid), que marcou também os 40 anos da entidade. Com as taxas de juros em queda, o país a um passo do grau de investimento, o governo Lula cada vez mais blindado das crises políticas e o cenário externo favorável, o Brasil está muito bem na foto.

Mark Mobius, um dos investidores de maior sucesso no mundo, estava acordado à uma hora da manhã para prestigiar o evento dos gestores brasileiros. De Hong Kong ele apresentou por meio de uma teleconferência números bastante animadores sobre o fluxo de capital para países emergentes para a platéia acomodada no auditório do Hotel Gran Meliá, em São Paulo.

No evento estiveram reunidos por dois dias gestores de carteiras brasileiros e estrangeiros que ouviram especialistas nas mais diversas áreas sobre a nova fase do país. São profissionais que carregam a responsabilidade de encontrar um destino para a economia de milhares de investidores. Não só de brasileiros, mas agora também de estrangeiros, todos investidores médios que guardam parte de sua renda principalmente para financiar o longo período que esperam viver depois de aposentados.

Embora, a questão fiscal seja uma preocupação constante em muitas das apresentações, neste momento, há muita boa vontade com o Brasil e uma enorme expectativa quanto às oportunidades que se abrem no mercado de gestão de ativos de terceiros. Tanto para clientes como para gestores.

De um lado, o dos clientes, é esperado um aumento expressivo da oferta de produtos de investimento e uma queda dos custos para o acesso a esses instrumentos, mesmo por parte do pequeno e médio investidor. De outro, é aguradado um forte ingresso de um novo contingente de investidores empurrados para esse mercado pelas sucessivas quedas nas taxas de juro e, portanto, o fim da generosidade do governo em entregar retornos de mais de 1% ao mês em troca do financiamento de sua dívida.

Há um certo consenso de que os ventos são extremamente favoráveis mesmo entre os mais críticos, principalmente dada a alta liquidez internacional. "É bom fazer quarenta anos num momento de tanto otimismo, que todas as agências de risco elevaram a nota do Brasil", disse até mesmo o economista Armando Castelar, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) no início de sua apresentação, que apontou para sérios problemas de ordem fiscal que podem levar todo esse bom humor por água abaixo num futuro não muito distante. Mas há ainda outros bons motivos. A Anbid completa 40 anos com a indústria de fundos acumulando um patrimônio sob gestão de R$ 1 trilhão.

Para o superintendente da Anbid, Luís Kaufmann, este é um momento aguardado pela indústria de fundos há muitos anos. É um tempo de grandes mudanças, segundo ele.

O resumo dessa ópera é que o país chega a um estágio no mercado de capitais que sempre almejou. "Há um ano, começamos a entrar em uma etapa importante da indústria em que a busca pelo investidor vai ser definida somente pela sua capacidade de agregar valor à aplicação", diz Kaufmann. De acordo com ele, quanto mais baixa a taxa de juros, mais essa questão vai ser colocada. Até hoje, tanto no período em que a questão fundamental era recuperar a inflação e num segundo momento a taxa de juros era enorme, as diferenças na indústria de fundos eram apenas os canais de distribuição, porque os produtos eram os mesmos. "Daqui para frente, o cotista vai querer saber quem está entregando uma maior rentabilidade", diz Kaufmann.

Para o Brasil, neste momento em particular, ter uma indústria de fundos mais amadurecida e com maior transparência, é extremamente relevante. Os fundos são há séculos um importante instrumento de canalização de recursos para o setor produtivo.

Não se trata de uma força de expressão. A primeira vez que se tem notícia de um instrumento financeiro com o conceito de reunir um grupo de investidores com objetivo comum data do século XVIII.

No final dos anos 1700, um comerciante holandês de nome Adriaan Van Ketwich fez uma oferta de cotas de um "trust" para investidores que quisessem ter uma carteira diversificada de ativos. A história está no livro "The Origin of Mutual Funds", de K. Geert Rouwenhorst.

No século seguinte, já há registros de um dos primeiros gestores de fundo americano, Robert Fleming, que formou o Scottish American Investment Trust para fazer investimentos após a Guerra Civil, basicamente para comprar bônus que financiaram a construção de estradas de ferro nos Estados Unidos.

No Brasil, a história dos fundos de investimento começa também com a necessidade de financiamento do crescimento do país. O primeiro fundo de investimento brasileiro nasceu durante o governo de Juscelino Kubitschek, em 1957, no início da euforia desenvolvimentista. Não foi uma coincidência histórica. O Crescinco nasceu porque grandes projetos precisavam de recursos e investidores queriam participar desses projetos. Assim, num dos períodos de maior crescimento da história brasileira, ter esse duto ligando tomadores e doadores de recursos mostrou-se uma prática bastante eficiente para ambos os lados.

A grande febre dos fundos de ações no Brasil, contudo, ocorreu na virada dos anos 60 para os 70. Impulsionados pelo decreto Lei 157, que concedia estímulos fiscais para que as empresas lançassem ações em bolsa e também para que as pessoas físicas investissem nesses papéis, os fundos de ações experimentaram uma captação expressiva.

Mas o fim do decreto Lei 157, a estagnação econômica dos anos 80 e a expressiva alta nas taxas de juro desde 1994, fizeram com que os fundos de ações ficassem de fora do cardápio de investimentos da grande maioria dos brasileiros. Foi um tempo em que os fundos passaram a ser o principal canal para financiar a dívida do governo.

Mas, de novo, está o país precisando de recursos para crescer e os brasileiros, por sua vez, precisam cuidar bem de suas economias e, portanto, de bons projetos para investir. Assim, os fundos de investimento tendem a retornar aos trabalhos de origem, que levam recursos a empresas para expansão da produção, modernização e aumento de produtividade.

Para os brasileiros, sem poder contar com a generosidade dos juros pagos pelo governo, será necessário então ter uma carteira de investimento que contemple aplicações em diversos mercados e dedicar uma fatia inclusive a mercados de maior risco. Neste contexto, as cifras movimentadas hoje na indústria de fundos, que chegam a R$ 1 trilhão, parecem pequenas quando comparadas ao crescimento que está por vir nos próximos anos.

Como bem advertiu Marcelo Trindade, presidente da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), o órgão regulador do mercado de capitais brasileiro, na abertura do congresso, há muita responsabilidade e desafios para os gestores brasileiros nesta fase que se inicia. Trindade considera que agora o gestor precisa ser bom não apenas na compra de títulos do governo, trabalho pelo qual foi muito bem remunerado nos últimos anos. Além disso, Trindade observa que, com a proliferação de produtos diversificados, é também responsabilidade do gestor fazer com que o cliente seja adequadamente informado sobre as características específicas de cada carteira e sobre o risco embutido.

Alfredo Setubal, presidente da Anbid, reconhece que o grande desafio da indústria de fundos ainda é vender ao pequeno investidor. Setubal considerou, durante a abertura do evento, que essa é de fato uma dívida que a indústria de fundos brasileira tem com o pequeno e médio investidor. Segundo ele, a venda no varejo não tem a clareza e transparência necessárias, ainda é necessário que se façam avanços.