Título: Tesouro estimula mudança de perfil da dívida pública
Autor: Balbi, Sandra
Fonte: Valor Econômico, 04/06/2007, Caderno Especial, p. F2

De janeiro de 2005 a abril deste ano, a parcela da dívida pública em poder dos fundos de investimento caiu de 47% para 46%. Parece uma queda pequena, mas sobre uma dívida de R$ 1,1 trilhão, é muito dinheiro trafegando no sentido inverso do financiamento ao governo e rumando para outros ativos que financiam as empresas e estimulam o crescimento da economia. Hoje, 70% do patrimônio trilhardário dos fundos está aplicado em papéis do Tesouro. "Se nos próximos cinco anos os fundos chegarem a ter 30% do seu patrimônio aplicado em títulos públicos, como ocorre em outros países, isso significará que muito dinheiro estará sendo destinado ao crescimento econômico", diz Marcelo Trindade, presidente da CVM (Comissão de Valores Mobiliários).

O papel dos fundos de investimento como impulsionadores do crescimento econômico foi um dos temas do 4º Congresso Anbid, realizado nos dias 30 e 31 de maio, em São Paulo. Para Carlos Eduardo Sussekind, superintendente de relações com investidores institucionais da CVM, com a queda dos juros existe hoje uma tendência de migração dos investidores para aplicações de maior risco como ações e títulos emitidos por empresas. "Houve uma evolução significativa no mercado e os fundos de investimento estão financiando mais do que a dívida pública", observou. Segundo Sussekind, de dezembro de 2005 a abril deste ano, enquanto o patrimônio líquido da indústria de fundos cresceu 32%, o PL dos fundos de ações deu um salto de 75,2% e o dos multimercados, que aplicam em diferentes tipos de ativos, aumentou 49,9%.

Nesse contexto, o órgão regulador tem se preocupado em mostrar o tipo de risco envolvido na renda variável além de disciplinar as aplicações em títulos privados e aumentar a visibilidade desses ativos no exterior. A instrução CVM 450 - aquela que permite ao setor aplicar no mercado internacional - estabeleceu que os fundos com mais de 50% de papéis de empresas na carteira terão a denominação de fundos de crédito privado. Também limitou a concentração por ativos estabelecendo que os fundos só podem investir até 5% do PL em papéis de um mesmo emissor. "Também criamos norma para dar maior liberdade de aplicação aos investidores qualificados, aqueles com mais de R$ 1 milhão em aplicações", disse.

A movimentação dos investidores rumo ao risco vem se dando colada à mudança no perfil da dívida pública pelo Tesouro. "Desde 2003 a grande linha de atuação do Tesouro tem sido reduzir o volume de títulos pós fixados, indexados à Selic.", disse Guilherme Pedras, coordenador-geral de operações da dívida pública, durante o painel. Ele destacou que, nesse processo, a queda da participação das LFTS (Letras Financeiras do Tesouro), o papel pós fixado, nas carteiras dos fundos foi maior do que a sua redução na composição da dívida pública. Em dezembro de 2005, 68% das carteiras dos fundos de investimentos eram compostas por esses títulos e em abril deste ano essa participação chegou a 41%. "Isso é muito positivo", diz Pedras.

Para mudar a composição da dívida o Tesouro vem fazendo resgates dos títulos "selicados" e colocando títulos prefixados ou indexados a índices de preços, o que resultou em melhoria do perfil da dívida. "Vemos com bons olhos o fato de a indústria de fundos estar dando sinais de uma cultura de longo prazo", diz. O crescimento dos fundos multimercados vem nessa linha mostrando que os investidores estão dispostos a aceitar mais risco para obter retornos no longo prazo. Em abril, havia R$ 232,2 bilhões depositados nesses fundos, o equivalente a 23,4% do patrimônio total da indústria. Já os fundos DI, campeões de popularidade em tempos de juros altos, estavam reduzidos a um patrimônio de R$ 169,6 bilhões - cerca de 17% do patrimônio do setor.

A mesma mudança de perfil, segundo Pedras, vem ocorrendo com os investidores do Tesouro Direto. "Os valores aplicados diretamente em títulos ainda são pequenos, mas percebemos que os investidores estão mais confortáveis com os instrumentos de maior risco como as NTNs-F", acrescenta. Esses papéis já correspondem a 15% das vendas de títulos do Tesouro Direto. Para aumentar esse conforto com aplicações de maior risco e de prazos mais longos, o Tesouro vem trabalhando para aumentar a liquidez desses papéis no mercado secundário. Pedras considera que a criação do IMA (Índice de Mercado Andima), como um benchmark da renda fixa, estimula a migração das aplicações referenciadas no CDI (certificado de Depósito Interbancário), como os fundos DI.

Outra medida que ajudou no alongamento do perfil da dívida pública e na mudança de perspectiva do investidor local foi a crescente entrada de estrangeiros no mercado de renda fixa, estimulada pela isenção de Imposto de Renda para esses aplicadores. Em janeiro de 2005, os estrangeiros tinham US$ 2,6 bilhões aplicados no mercado de renda fixa doméstico, valor que saltou para US$ 22,2 bilhões em abril deste ano. A participação desses investidores na dívida pública cresceu de 0,69% para 3,56% no mesmo período. A maior parte desses recursos foi para títulos indexados a índices de preços - 9,3% desses papéis estão com estrangeiros) e para prefixados (2% do total).